Organizado pelo jornalista Marcelo Leite, Nos Caminhos da Biodiversidade Paulista é um livro providencial. Chega a tempo de lembrar que nem tudo está acontecendo pela primeira vez na história deste País, no momento em que o Congresso apressa-se a entregar a maior porcentagem possível da Amazônia ao biocombustível. A mudança, se vier, virá pelo atalho mais curto do Legislativo – a ratificação de um projeto do Senado por comissões da Câmara. Numa fração dos meses desperdiçados com o senador Renan Calheiros, o País pode trocar a floresta pelo dendê. E, aí, só lhe restará torcer para que, daqui a cem anos, alguém faça na Amazônia um inventário das perdas e danos tão bom como o da USP, da Unesp e da Unicamp, consolidados nessa bela edição da Imprensa Oficial de São Paulo.
Ali está a história ambiental de um Estado que chegou mais ou menos intacto ao século 19 e, ao pisar no século 20, derrubou em menos de 50 anos praticamente a metade de tudo o que lhe sobrava de mata atlântica, além das restingas, dos manguezais e do cerrado que, desde os primeiros passos dos bandeirantes até o advento das ferrovias, cobriam mais de 80% de seu território.
É versão acadêmica da saga que foi narrada, em ritmo de aventura, por Francisco de Barros Júnior, um advogado paulista que, na década de 1950, escrevia a série Caçando e Pescando por Todo o Brasil. Seus livros saíam quando já era nascida a maioria dos notáveis estadistas que ultimamente nos governam. Falavam de uma São Paulo em que, limpando os campos de Atibaia, Bragança Paulista, Suzano e Mogi das Cruzes, um único caçador profissional – “o célebre Carlino” – abastecia os restaurantes da capital com perdizes e codornas. A caça era tanta na periferia da cidade que, com o lucro dessas varreduras, Carlino ergueu na Avenida Angélica um “verdadeiro palacete, valendo naquela época para mais de 300 contos”. De quebra, punha na praça Antônio Prado, “todas as manhãs”, um ambulante “com varal no ombro”, vendendo “20 ou 30 perdizes”. Isso às vésperas da Revolução de 1932.
Parece que foi ontem. Mas, naquela época, o Rio Paraná, o Paranapanema e um longo trecho do Tietê corriam entre barrancas selvagens. O oeste de São Paulo figurava nos mapas como um vazio demográfico, indicado genericamente como “terras desconhecidas e habitadas por índios”. Barros Júnior viu o trem invadir a região em 1915. Viajava carregado de “farta munição”, para “passar de 20 a 30 dias no sertão”. E, da janela do vagão, ia vendo “a cortina da mata” rasgada pelos “milharais verdes e viçosos, partilhando com os cafeeiros ainda nas covas o abundante humus da terra moça”. Onde “quatro anos antes era a mata solitária, silenciosa, misteriosa, é agora o movimento, o ruído dos caminhões, o sibilar das serras”. No caminho, “crepitavam as coivaras, levantando para o céu nuvens de fumaça”.
Ele temeu pelo futuro de seu “direito de caçar”. Mas ponderou que, se era o preço a pagar “pelo progresso e a riqueza”, bom negócio. Adivinhou que, um dia, São Paulo seria o que é.
Mas não previu o futuro em que o Japão, com uma população três vezes e meia maior que a do Estado, teria mais que o quíntuplo de sua renda per capita, num território 50% maior que o paulista e cada vez mais ocupado por 72% de florestas.
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