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Carta – Em nome do patrimônio

De Germano Woehl Jr. Instituto Rã-bugio para Conservação da BiodiversidadeJaraguá do Sul, SCPrezado Editor do O Eco:Causou-me indignação a falta de...

Redação ((o))eco ·
17 de fevereiro de 2006 · 19 anos atrás

De Germano Woehl Jr.
Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade
Jaraguá do Sul, SC

Prezado Editor do O Eco:

Causou-me indignação a falta de sensibilidade do Sr. Lorenzo Aldé na matéria sobre o projeto de lei que libera a destruição da Mata Atlântica. Na verdade, ele enfeitou a nota que o Ministério do Meio Ambiente enviou à imprensa para enganar a sociedade de que o projeto é bom, que vai proteger a Mata Atlântica. Como pode proteger se do 1o até o último artigo dá uma golpeada na Mata Atlântica? O Sr. Lorenzo também esqueceu de informar que a Mata Atlântica já é muito bem protegida atualmente em termos de legislação. Nesse enfeite da nota do governo ele faz propaganda enganosa de que somente agora a Mata Atlântica ficará protegida. Como ele pode ter certeza disso? É graças à legislação atual que ainda temos alguns vestígios desse valioso ecossistema, fato que ninguém nega e que o Sr. Lorenzo deveria ter mencionado na matéria.

O que mais me chocou, na verdade, e que motivou-me a escrever esta carta, foi a falta de respeito com que ele tratou a opinião das pessoas preocupadas com o projeto, com o futuro da Mata Atlântica, mais especificamente com minhas críticas aos dois artigos que claramente liberam os desmatamentos. Tanto é que a dirigente de uma ONG governista está usando o artigo (como “munição” contra mim) junto com insultos a minha pessoa. Uma atitude dessa não contribui para melhorarmos a sociedade. É meu dever tentar alertar a sociedade sobre as graves conseqüências desse projeto e eu não deveria ser intimidado por isso.

Talvez o Sr. Lorenzo não saiba o que nós ambientalistas que defendemos a Mata Atlântica estamos passando para segurar as últimas áreas preservadas. A pressão é total! Nossa dedicação tem sido intensa também. Só no planalto norte de Santa Catarina são 5 grandes empresas do setor de reflorestamento, sendo 2 grandes multinacionais. Estão com dinheiro para investimentos e, portanto, têm apetite voraz por novas áreas para plantio de pinus. Disputam a tapas as parcerias com pequenos agricultores, que, coitados, nunca tiveram tantas expectativas de ganhar dinheiro com o reflorestamento de pinus, que vai lhes proporcionar bons rendimentos, a curto prazo, sem dúvida alguma. Tudo o que eles precisam fazer é achar uma área para desmatar (empresa paga todo o investimento). Estamos vivendo lá uma verdadeira corrida do ouro, ou seja, do pinus. Este projeto é, portanto, muito bem vindo para elas; chegou em boa hora.

Apesar de pequenos, estamos segurando a onda do desmatamento, e estamos vencendo a guerra, amparados pela atual lei que protege a Mata Atlântica, e pelo fato do MP ter acordado e estar, finalmente, tratando a questão dos desmatamentos com muita firmeza. Então, não é nada construtivo tentar aniquilar a opinião de ONGs pequenas, que, de fato, defendem os interesses da sociedade.

Minha intenção não foi estragar a festa de ninguém. Só fiquei muito preocupado quando vi este artigo do projeto liberando o desmatamento para áreas de até 50 ha para qualquer finalidade (só faltou citar explicitamente: reflorestamento de PINUS, que ninguém tentar contestar mais tarde). Vejo aí um grande interesse dessas empresas de reflorestamentos na aprovação do projeto. Porque não será ilegal elas estabelecerem parcerias com pequenos agricultores (elas não cometerão nenhum crime, como o Sr. Lorenzo erroneamente informa na nota de apoio ao projeto) e vão precisar de milhares de hectares, qualquer área abandonada de floresta secundária – ou até virgem, certamente – poderá ser requisitada. Não consigo imaginar como vamos observar o cumprimento dessa lei em 2.000 propriedades de 50 ha desmatadas, uma estimativa só para o município de Itaiópolis (SC), tão logo a lei com este artigo seja aprovada. Estas empresas estão atuando em todos os lugares e 5% do território catarinense já está coberto de pinus. Vamos ter que assistir passivamente a destruição de todas as áreas que tanto lutamos para salvá-las das motosserras, arriscando a própria vida e da minha esposa às vezes. É muito triste imaginar como ficará a Mata Atlântica; o que deixaremos para as gerações futuras.

Há alguns anos, a lei era ignorada e ninguém falava em mudar a legislação. Porém, agora que o Ministério Público está pegando pesado, a lei começou a incomodar, a se tornar um grande empecilho. Ficou difícil desmatar até nos grotões de Itaiópolis, onde nunca havia fiscalização, mas a coisa mudou muito nos últimos anos. Está praticamente impossível desmatar sem ser autuado. Coincidentemente, agora que estávamos ganhando a guerra contra a devastação, querem puxar o tapete com esta lei que libera tudo. É uma grande insensatez, no mínimo.

Pode acreditar Sr. Lorenzo, meu interesse não vai além de defender a perpetuação da vida, por isso esse projeto me preocupa tanto. Só temos vestígios do ecossistema e cada área que resta é muito valiosa. Devemos assegurar a integridade dessas áreas para as gerações. Graças à Deus, não preciso defender cargo político de cônjuge no MMA e tampouco viveiro de mudas da família, aliás, muito bem contemplado no novo projeto de lei. Acho que é dever de todos esclarecer a sociedade do que se trata este projeto – e não simplesmente dizer que é bom. Não se trata de um projeto de PROTEÇÃO da Mata Atlântica (como a lei atual), mas de EXPLORAÇÃO da Mata Atlântica, fato que o senhor também omite no artigo.

Resposta do autor:

Prezado Germano,

Tomo suas considerações como todo o respeito que merece um dos ambientalistas que mais trabalham para preservar o pouco que nos restou de Mata Atlântica. No entanto, o que pude perceber pela leitura da lei e pelas opiniões que colhi, é que se trata de uma legislação importante para regular a enorme pressão que os ecossistemas vêm sofrendo, sem desconsiderar interesses econômicos, ao contrário: tentando revertê-los em favor da preservação. Sem dúvida existem riscos, e os ambientalistas mais uma vez serão indispensáveis para não deixar que ocorram predações como as que o senhor prevê. Na discussão democrática é que se aprimoram as leis e sua implementação. Por isso agradeço seus comentários
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