Notícias

Carta – Os peixes do Pantanal pedem água

De Emiko Kawakami de ResendePesquisadora III - Pesquisadora Embrapa Pantanal Prezado Marcos Sá Correa,Fico profundamente triste com a interpretação...

Redação ((o))eco ·
14 de junho de 2006 · 18 anos atrás

De Emiko Kawakami de Resende
Pesquisadora III – Pesquisadora Embrapa Pantanal

Prezado Marcos Sá Correa,

Fico profundamente triste com a interpretação equivocada da pesca profissional artesanal e dos dados da pesca de Mato Grosso do Sul. Como meu nome foi citado, não posso deixar de responder ao seu editorial sobre “ Os peixes do Pantanal pedem água“. Vamos por partes:

1- Não é verdade que a produtividade tenha caído. O que acontece é que os aparelhos de captura que produziam 286,8 quilos por dia estão proibidos. A média atual de 7,21kg foi conseguida por redes de espera que foram colocadas no curso superior do rio Miranda.Os aparelhos de captura utilizados para obter 286,8kg por dia eram o tarrafão e a rede de lance, utilizadas nos trechos do rio na planície pantaneira (regiões muito mais produtivas) e há muito proibidos. Esse valor incluía também a pesca de curimbatá, peixe detritívoro abundante no rio Miranda, cuja pesca está proibida desde 1993. Necessário é dizer ainda que redes de espera possuem capacidade muito mais baixa de captura que os tarrafões e as redes de lance.

2- Os dourados não diminuíram de tamanho como está sendo dito. Tenho experimentos de coleta de semen de dourados no rio Miranda desde 1999 e não observei essa redução.

3 – Os curimbatás, se diminuíram de tamanho, não foi devido à pesca, pois a pesca dessa espécie está proibida desde 1993, portanto, há mais de 10 anos. O que acontece é que espécies como curimbatás respondem fortemente a estresses ambientais, em resposta as reduções das cheias que tem sido fortes desde 1998 e conseqüentemente, de alimentos, pois é uma espécie detritívora que se alimenta dos detritos provenientes da decomposição da vegetação terrestre inundada na cheia. Curimbatás produzidos em tanques de piscicultura se reproduzem no primeiro ano, com 15 a 20cm de comprimento, em resposta ao estresse de criação em altas densidades em cativeiro. O mesmo foi observado para várias outras espécies.

4- A pesquisa realizada para confirmação de redução de tamanho, está com várias imprecisões, incluindo conclusões não suportados pelos dados disponibilizados, como são os casos para o dourado e curimbatá.

5- Não existem no Pantanal e nem no Brasil 160 pesquisadores que trabalhem com avaliações de estoques pesqueiros, pois se existissem, haveria estudos e estatísticas pesqueiras suficientes para o manejo sustentável dos estoques pesqueiros para todo o Brasil. O trabalho voluntariado é muito interessante e produz resultados excelentes, desde que coordenado por quem entenda do assunto, o que parece não ter sido o caso, dadas as interpretações equivocadas produzidas.

6-Não são corretas as interpretações das minhas previsões, pois jamais falei que daria para retirar (pescar) pelo menos 105mil toneladas de peixes do Pantanal, quanto mais 307 mil. Este tipo de estimativa engloba a produção de todos os peixes que é dependente da área de inundação a cada ano. Os peixes são a base alimentar de uma enormidade de animais no Pantanal como as aves (tuiuiús, cabeças secas, biguás, garças etc, que são muito abundantes no Pantanal, graças à abundância de peixes, seu alimento principal) e outros como lontrinhas, ariranhas e jacarés (afinal, os peixes servem de alimento para 2 milhões de jacarés adultos no Pantanal, estimados pelos pesquisadores da Embrapa Pantanal que pesquisam fauna silvestre). Das 263 espécies de peixes que existem no Pantanal, apenas 15 a 20 são utilizadas pela pesca profissional e esportiva. O que acontece é que convicções hipotéticas não baseados em pesquisas criteriosas não podem prevalecer para um manejo criterioso dos recursos pesqueiros. Necessário é dizer que um título de doutorado não significa conhecimento do Pantanal, pois este é adquirido apenas quando se toma muito banho “tcheco”, isto é, quando se pesquisa no Pantanal, como não existem hotéis, fica-se em acampamentos e o banho é tirar água do rio com um balde e jogar em si, o “tcheco”! E tenho feito isso desde 1985. Embora tenha doutorado desde 1980, não saio alardeando meu título!

7- Uma das formas de melhorar as condições sócio-econômicas dos pescadores será através de capacitações e treinamentos e o desenvolvimento de novas formas de agregação de valor ao peixe, o que pode ser o processamento do mesmo para pratos semi-prontos, novos produtos como quibes de peixes (já existe quibe de barbado testado), e o aproveitamento do couro, escamas e vértebras para artesanto, de forma a aumentar o valor do peixe e ao mesmo tempo, gerar emprego para as famílias de pescadores. A Embrapa Pantanal vem apoiando e desenvolvendo pesquisas para iniciativas desse tipo, juntamente com outros parceiros e a Associação das Mulheres Organizadas Reciclando o Peixe – AMOR PEIXE, de Corumbá, está indo muito bem! A Presidenta da Associação recebeu este ano, da SEBRAE, o prêmio nacional de Mulher Empreendedora, categoria associativismo.

8- Por outro lado, estudos sérios e criteriosos de estoques pesqueiros realizados pela Embrapa Pantanal entre 1994 e 1999, evidenciam sinais de sobrepesca apenas para o pacu. Para administrar esse fato, o Conselho de Pesca de Mato Grosso do Sul, formado pelos usuários, entidades de pesquisa, Ong´s e órgãos do governo resolveram de comum acordo, aumentar o tamanho mínimo de captura, para propiciar a recuperação do estoque do pacu.

9- É função dos órgãos reguladores realizar censos de número de pescadores e verificar a veracidade das informações apresentadas pelas colônias. Entretanto, muitos pescadores não foram ouvidos nesse censo pois se recusaram a serem tratados como marginais, da forma como foi realizado o censo.

10- A melhor solução para os conflitos que surgem é um diálogo aberto, ouvindo-se todos os atores, de pescadores a gestores, sociedade civil e pesquisadores, para a construção de um consenso que seja respeitado por todos, conciliando os interesses dos usuários dos peixes com as restrições de produção impostas pelo ambiente, como tem sido os acordos de pesca na Amazônia, experiência muito interessante que já propiciou o retorno da pesca do pirarucu na Reserva Extrativista Mamirauá.

Atenciosamente,

Leia também

Análises
13 de setembro de 2024

Um oceano de diversidade: Navegando pela inclusão e equidade na Década do Oceano

Se quisermos alcançar um oceano mais saudável e resiliente, temos de identificar e remover sistematicamente barreiras à diversidade geracional, geográfica, de gênero e de conhecimento

Análises
13 de setembro de 2024

Caminho da Mata Atlântica: uma jornada pelo Planalto Paulista

Julieta Santamaria atravessa SP em sua jornada para percorrer o Caminho da Mata Atlântica inteiro enquanto coleciona histórias, conhece pessoas e contempla a beleza do bioma

Notícias
13 de setembro de 2024

Uma fórmula nada secreta para devolver a vida a rios

Duas cientistas brasileiras ajudam a restaurar trechos de cursos d’água urbanos e rurais, tanto aqui quanto no Exterior

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.