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Carta – O buraco é mais embaixo

De Zuleica Nycz Conselheira Titular do Conama representante das ONGs ambientalistas da Região Sul"Os novos cães de guarda"Na matéria que está...

Redação ((o))eco ·
12 de janeiro de 2007 · 19 anos atrás

De Zuleica Nycz
Conselheira Titular do Conama representante das ONGs ambientalistas da Região Sul

“Os novos cães de guarda”

Na matéria que está circulando agora, abaixo, até que não é tão ruim, mas pena que o repórter esqueceu de entrevistar justamente quem fez o parecer sobre a resolução que aponta erros incorrigiveis denunciando muitas das barbaridades ali contidas: o Engenheiro Químico Élio Lopes, de SP, que assessora atualmente o Ministério da Saúde…! Isso que o repórter teve acesso a uma cópia do parecer, e lhe foi dado o telefone do Dr. Élio para entrevistá-lo….

A reportagem quer provar que “o buraco é mais embaixo” … (! ?). Alguns entrevistados dizem que não adianta fazer um carnaval contra essa resolução, porque o problema é mais grave ainda. Que o que preocupa é onde essas novas fontes vão se instalar. Na minha opinião tanto os altos limites permitidos quanto o local onde poderão se instalar são problemáticos. Ninguém quer saturar mais uma área saturada, lógico, mas isso não pode justificar levianamente que uma cidade onde o ar é puro, então, possa receber tranquilamente uma refinaria de petróleo emitindo altos níveis de emissão legalizados pelo Conama porque lá o ar não está saturado? Isso é um absurdo. Não podemos silenciar enquanto eles socializam a poluição e apenas nos preocuparmos em impedir a saturação. Muito antes de uma área atingir a saturação atmosférica, as doenças e os malefícios já podem estar ocorrendo…. Principalmente porque a saturação atmosférica certamente estará perversamente acompanhada da contaminação química dos solos e das águas… essas fábricas têm efluentes líquidos e sólidos, todo mundo sabe.

A reportagem e os entrevistados tampouco esclarecem de onde vieram os números que estabelecem os limites máximos permitidos de poluição atmosférica na resolução de emissões atmosféricas de novas fontes fixas (novas fábricas a serem licenciadas no Brasil).

Os níveis propostos na resolução para a poluição que foi “legalizada” são, segundo o próprio Cláudio Alonso nos disse no corredor da reunião do Conama, e defensor desse negócio, a média aritmética das emissões que ocorrem “naturalmente” nas fábricas do Estado de São Paulo. Fiquei atônita quando ouvi essa declaração, e mais tarde cheguei a duvidar que tivesse realmente ouvido isso… não fossem as testemunhas.

Se entendi bem, mediram o que estava saindo das chaminés de fábricas que praticam cinicamente o “auto-monitoramento”, num estado altamente poluído como São Paulo, somaram tudo e aplicaram a média aritmética e o resultado foi utilizado como referência “técnica” para estabelecer limites máximos permitidos de poluição atmosférica para todo o país através da resolução do Conama? Então lugares onde a qualidade do ar é boa poderão ser contaminados até atingirem os parâmetros de São Paulo, e isso não preocupa o doutor Paulo Saldiva nem o consultor André Ferreira? A resolução então abriu um mercado para as tecnologias obsoletas da Europa, do Japão, dos EUA e do Canadá, por exemplo, e tudo bem?

Quem, com um mínimo de conhecimento de metodologia da ciência, conseguiria conceber e eventualmente avalizar esse modelo cuja aplicação resultou na tal “referência”? E porque nunca ninguém viu isso publicado em lugar nenhum? Seria mesmo verdade que uma metodologia secreta e sem validação científica foi utilizada para estabelecer números que definirão para o país inteiro o que as pessoas irão respirar “legalmente”? Qual o significado jurídico disso? Passou a ser legal portar altos níveis de poluentes no sangue? Como puderam os conselheiros, em sã consciência, aprovar tal resolução, sem questionar a origem dos números ali apresentados?

Fosse o Conama um órgão sério, então quando da edição de uma resolução que definisse padrões e limites ambientais, junto com ela teriam que ser publicados compêndios e compêndios de material técnico e científico que fundamentaram e ofereceram a validação inclusive jurídica para a sua redação legal , e obviamente esses documentos deveriam ser de livre e fácil acesso de qualquer cidadão brasileiro e estrangeiro, inclusive para honrar os convênios e acordos internacionais.

Em resumo, imagina-se que nenhuma das referências ou documentos de discussão científica sobre validação de hipóteses que fundamentem o gerenciamento ambiental brasileiro e portanto capazes de afetar diretamente a qualidade do meio ambiente e da saúde pública poderiam ser subtraídos do livre exame do público, leigo ou especializado.

Mas a gente entra no site do Conama e não encontra nada, absolutamente nada.

Estranhamente lá não só ninguém sabe de onde vêm os números dessa e de muitas outras resoluções, mas ainda acham esse sistema de construção de RESOLUÇÕES super “normal” e tratam o assunto com a maior “naturalidade”. Ninguém se importa que não haja registros catalogados, ou uma biblioteca para cada resolução onde se possam pesquisar as fundamentações científicas e até mesmo exercer o direito de contestá-las nas suas bases.

Questionados por mim sobre isso em outras ocasiões, muitos funcionários do Conama costumavam me olhar como seu eu fosse um marciano tentando me expressar na língua de Saturno. Cadê a comunidade científica para ir lá dizer com sua “autoridade acadêmica” que eu estou certíssima?

Sem o direito de acessar as fundamentações científicas (se é que existem), e sem o apoio da academia, a gente passa a ter o direito de deduzir o que quiser. Fico então exercitando algumas perguntas que não tenho culpa se são constrangedoras: e se esses números foram retirados de um leilão, do tipo “quem dá mais” ? Teriam surgido da cartola de um conselheiro, ou durante um sonho do presidente da Câmara Técnica, ou ainda teriam sido obtidos pelo lançamento de dados num cassino clandestino? Cadê os documentos que comprovam que esses valores têm fundamentação científica, foram validados por instituições reconhecidas e são seguros para o meio ambiente e para a saúde pública, quem se responsabiliza civil e criminalmente pela assinatura desses supostos documentos, e como o cidadão pode acessá-los?

(E que droga, cadê os jornalistas para fazerem essas perguntas?)

E havendo as tais fundamentações, porque será que o responsável por essa resolução não explicou espontaneamente de onde tirou os números que foram apresentados na tal proposta ? E porque o Cláudio Langone, presidindo a reunião no lugar da Ministra Marina Silva, não exigiu essa resposta quando o conselheiro da Região Sudeste, Bicuda Ecológica, perguntou preocupado com a falta de informação sobre o que estava sendo votado, onde estavam as fundamentações técnicas e científicas da resolução, mas ao contrário, censurou a palavra do conselheiro com uma desculpa regimental autoritária e patética diante da gravidade e da importância da pergunta para a sobrevivência das gerações atuais e futuras?

Para piorar, e nisso a reportagem até que acerta, nada disso leva em conta o efeito sinérgico dos poluentes numa mesma bacia aérea…, nem tampouco leva em conta a capacidade de suporte dessa bacia… e como calcular o ponto de saturação em relação à capacidade de suporte da biodiversidade e dos organismos humanos? Nem nunca vão fazer essas exigências pois não existe a menor capacidade técnica dos órgãos ambientais, seja por falta de equipamentos, pessoal treinado ou vontade política de fazer as coisas direito. E para pavimentar essa estranha empreitada, impediram o controle social, impedindo que os conselhos de meio ambiente devessem ser convocados para decidir na sua região o que lhes convêm, e com isso impedindo que pudéssemos finalmente começar a criar uma cultura política de participação democrática das comunidades nas tomadas de decisão que afetam suas vidas, a de seus filhos e do seu ambiente.

E agora, como será a implementação da Convenção de Estocolmo no Brasil nos próximos anos que depende vitalmente da participação das comunidades afetadas, se essa resolução impediu que se estabelecesse no país o embrião de um mecanismo de controle social e ampla participação com acesso à informação e garantia do direito de recusa ? Como vamos remediar as áreas altamente saturadas se as tecnologias obsoletas e sucateadas passaram a ser perfeitamente legalizadas em qualquer controle social?

E quem pode me desmentir, se ninguém tem a informação?

Porque será, que será, que temos essa sina de sermos governados por governantes estúpidos e mesquinhos, que além de “destravarem” o meio ambiente (que expressão mais infeliz que eles inventaram..!) agora descobriram que precisam destravar igualmente as sérias questões de Saúde Pública (que para eles não passam de obstáculos) obstruindo intencionalmente o florescimento de uma cidadania participativa capaz de exigir que o Estado faça seu papel de garantir a Justiça Ambiental para todos?

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