Aos amantes da natureza que desejam se aventurar pelas estradas tortuosas de Goiás para conferir o 10º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), um aviso: por aqui, são poucos os ambientalistas radicais ou os filmes que tratam puramente de conservação.
Talvez pela conexão lógica de que o cinema é feito por homens e para os homens, o que mais se vê são trabalhos focados na relação conflituosa do ser humano com o meio em que ele vive. Foi este o tom dos filmes exibidos durante o segundo dia do Festival, como “O pesadelo é azul”, sobre o acidente radioativo que ocorreu em Goiânia em 1987, e “A Crude Awakening”, que aborda o tema da escassez de petróleo no mundo, por exemplo.
Não menos impactante que a prospecção de um futuro de guerra, esteve o média-metragem “Red Velvet”, do francês Klaus Reisinger, que mostra como são cortados os chifres de cervos Maral pela população tradicional do Sul da Sibéria durante a primavera. O trabalho choca por suas cenas banhadas a sangue e pela frieza com que o ritual é feito. No entanto, o objetivo do filme não foi provocar revolta ou um levante dos grupos de defesa dos animais. O que Reisinger quis, na verdade, foi mostrar que as ações humanas não devem ser entendidas de forma maniqueísta. Mesmo que este seja o pensamento “óbvio”.
Confira abaixo um trecho de “Veludo Vermelho” e a entrevista que O Eco fez como diretor Klaus Reisinger.
Em quantos países seu filme foi exibido e como ele foi recebido em cada um deles?
Não sei…talvez 18, não mais do que isso. Nós o exibimos muito na televisão, então é muito difícil ter um retorno, mas também participamos de um festival na Alemanha e lá eles aparentemente não queriam ver, mas depois que viram tivemos um ótimo retorno.
Mas você chegou a exibir o filme para esta população tradicional que foi documentada em Red Velvet?
Sim, claro. Eles foram os primeiros a ver e ficaram muito felizes porque… normalmente quando uma pessoa comum vê o que eles fazem, elas criam uma visão muito crítica, falam “que coisa horrível”. Mas nós realmente perdemos muito tempo para produzir uma coisa neutra [o documentário foi gravado durante um ano], sem juízos de valor. Acho que eles ficaram felizes.
Mas então eles não consideram o que fazem como uma coisa ruim.
Eles não são estúpidos, eles sabem exatamente o que é o Greenpeace, o que são os grupos de defesa dos animais. Mas o que para todo mundo parece uma coisa ruim, para eles é uma questão cultural, uma coisa normal.
Alguma coisa mudou nesta comunidade depois que o filme foi produzido?
O ponto não era querer mudar, era mostrar que as coisas não são sempre do jeito americano de ser, onde há um bom e um ruim, um mocinho e um bandido, mas fazer entender que as ações humanas são muito mais complexas. Acho que esse foi o nosso maior desafio, mostrar os vários aspectos que existem além do conceito de bem e mal no comportamento humano. O que eles fazem é tão controverso, mas é feito em todas as fazendas, todas as reservas em que existem cervos e as comunidades o fariam de qualquer maneira, porque se o chifre fica muito grande, ele se torna perigoso. E tem também o fato de que eles não morrem. O impacto [nas pessoas] é grande porque elas acham que eles morrem, mas as comunidades não matam os cervos. Por isso nós procuramos fazer um filme sem emitir nosso julgamento.
Mas a prática de cortar os chifres dos cervos é vista como um ato cruel, doloroso para os animais, não?
Essa é uma questão interessante, porque é uma cena feia, repugnante? Sim, claro que é. Mas tentamos ser pragmáticos e entender se existe dor e em que nível está esta dor. Nós falamos com cientistas, zoólogos, veterinários e eles dizem que, sim, é horrível, mas também disseram que o chifre do cervo não tem nervos. O chifre é uma estrutura esponjosa, por isso o animal não sente dor quando ele é cortado. O que achei pior foi o sofrimento psicológico. Quero dizer que, aparentemente, a dor é física, mas, na realidade, ela é psicológica, o stress causado no animal durante o corte é o pior e isso pode causar a morte dele. A questão é: é necessário fazer isso ou não? Eu não encontrei respostas no filme, mas quis mostrar o que acontece para que as pessoas pensem sobre isso, criem suas próprias opiniões.
Então qual foi o seu principal objetivo com o filme?
Se meu objetivo tivesse sido mudar alguma coisa nessas comunidades tradicionais da Sibéria eu não teria conseguido, porque o impacto foi muito pequeno lá. Mas meu desafio foi fazer com que as pessoas pensem de forma mais complexa, não apenas rotulem as ações humanas como sendo boas ou más. De fato, o uso das substâncias do chifre dos cervos deixaram de ser usadas somente na medicina tradicional e agora os cientistas estão estudando estas substâncias, porque verificou-se que elas param a degeneração das células neurológicas, elas curam doenças neurológicas. Nós estamos falando de centenas de milhares de pessoas que poderiam ter suas vidas de volta, então, o ponto não é se o corte é correto para os animais, é se ele salva vidas.
Você já fez outros filmes ligados ao meio ambiente?
Eu fiz muitos filmes diferentes antes desse. Trabalhei um tempo na Ásia e lá eu filmei por três anos os elefantes, mas sempre focado na sua relação com os humanos. Eu gosto de animais, amo a natureza, mas eu acho que não é realista focar no comportamento animal sem tratar do ambiente em que ele vive. Eu quero saber o que acontece nos parques nacionais em que eles vivem, como os homens têm impactado estes espaços.
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