A maior parte dos habitantes da Serra da Estrela vive na parte superior do planalto, por volta dos 1.200 metros acima do nível do mar. Suas principais atividades são a criação de ovelhas, a produção dos famosos queijos, agricultura e exploração florestal, nas encostas da região do Zêrere.
Nos vilarejos da serra, as construções remontam a tempos antigos, sendo tipicamente feitas com granito retirado das enconstas. Igrejas, castelos, casas rurais e pelourinhos foram edificados com os recursos dessa área hostil. Mas em cidadelas como Folgosinho, o turismo anda de vento em popa com atrações voltadas para esse mesmo passado. Em restaurantes locais, especialidades como o arroz de coelho ou o javali com feijão vêm sendo mais requisitados do que nunca.
Com a interferência humana nas montanhas da Serra da Estrela, grande parte da floresta natural foi extinta. Registros de pinheiros silvestres, de grandes carvalhais e bétulas podem ser apenas confirmados a partir de antigos relatórios. Em contrapartida, atualmente estão plantados na área uma imensidão de pinheiros bravos para a extração de madeiras.
O parque natural
O parque foi criado em 1976, para preservar o conjunto natural e cultural da região da Estrela. Além do espetáculo glacial, seu território de 1.011 quilômetros quadrados protege uma vegetação natural de espécies endêmicas (que só existem lá) e raras. Entre as endêmicas, destacam-se o zimbral climácico (Lycopodio clavati-Juniperetum nani) e o urzal (Junipero nani-ericetum).
A fauna também é rica, com espécies mantendo populações estáveis e outras muito ameaçadas. Enquanto o coelho-bravo, a lebre, o javali, a lontra, a raposa e o gato-bravo são animais com alguma abundância, a toupeira-de-água e o lobo (neste caso devido à caça) estão em risco de extinção. As aves representam um importante grupo na fauna da Estrela, com 151 espécies, das quais 60 são alvo de medidas de conservação em nível nacional e europeu.
A caminhada
Como o Parque Natural da Serra da Estrela costuma ficar gelado no Inverno, com direito à pista de esqui e tudo, a caminhada aconteceu no mês de outubro, no limite da temperatura agradável. As melhores épocas para essa prática, no entanto, vão de maio a setembro. Mesmo assim, é preciso tomar cuidado com os nevoeiros, que podem baixar em qualquer estação do ano, e levar proteção para chuva, que também pode chegar de repente.
As trilhas do parque são sinalizadas, com pinturas em pedras (imagem no topo) ou tótens. Suas trilhas foram divididas em três grandes percursos (T1, T2 e T3) e outras seis variantes. A partir daí, é possível a construção de tantas outras rotas.
Resolvemos pegar um trecho da T1, que tem um total de 80 quilômetros, fazendo um pernoite no caminho. Partindo de manhã cedo de Lisboa, deixamos o carro na torre. No centro de informações, tiramos as últimas dúvidas e, como nossa trilha não seria circular, telefonamos para um taxi para nos buscar no local que estabelecemos para nosso término. Da torre partimos em direção ao cume, que contrariamente ao que o nome sugere, está mais baixo do que a primeira. A brisa gelada própria da região refrescava o percurso quase plano. Depois de vistas impressionantes do majestoso Vale do Zêrere, em forma de “U”, descemos ao encontro de múltiplos lagos de todos os tamanhos. Foram mais de vinte. Em seguida, leves subidas por trechos pedregosos propiciaram o maior esforço do dia (sem contar as mochilas nas costas, é claro).
Ao fim do passeio, fomos recebidos pela barragem do Vale do Rossim. Nessa área, também de lazer, o caminhante pode acampar em um espaço determinado, com água potável, mesas e banheiros. Depois de 15 quilômetros percorridos em 5 horas e meia, com direito a pausas, dormimos um sono calmo no silêncio dos ares gélidos da Serra da Estrela.
O segundo dia de caminhada foi ainda mais fácil, apesar de mais longo. A maior parte dos 20 quilômetros desse dia são em estradinhas de terra, com vistas para ambos os lados. A parada em Nave da Cruz, um casarão abandonado onde o Serviço Florestal português mantinha atividade, convida o caminhante a um café imediato para ser degustado diante de um horizonte infinito. E, melhor de tudo, na privacidade que o aventureiro merece. Dali em diante, resta descer para Folgosinho, a 1.275 metros de altitude. Por ser de fácil acesso, o caminhante dá o ritmo do passeio. Chegamos à simpática vila de Folgosinho antes do dia cair, depois de 6 horas de caminhada, com pausas frequentes.
Em uma região tão castigada pelo tempo, onde o ser humano teve que encontrar formas criativas e perseverantes para sobreviver, é impressionante a infra-estrutura oferecida ao turista. No Albertino, um dos mais reconhecidos restaurantes da região, um cardápio de iguarias locais nos esperava. Depois de saciar a fome com pratos fartos, quentes e cheios de azeite extra-virgem de oliva, a viagem estava mais que completa.
A Serra da Estrela, apesar de sua paisagem arisca, deslumbra com vistas de imensidão e esbanja charme em calor humano e em hospitalidade.
Serviço
Dicas de leitura sobre as caminhadas
BARBOSA, Angelina e Antonio Correia – À descoberta da Estrela. Instituto de Conservação da Natureza. Manteigas, 1998.
MARQUES, Carlos Alberto – A Serra da Estrela. Coimbra, 1978.
Onde ficar
Pousada São Lourenço, em Manteigas. Pousada de luxo com vistas e restaurante. Quarto para duas pessoas a partir de EU$ 66.
Covilhã Parque Hotel, em Covilhã, duas estrelas. Quarto duplo a partir de EU$ 63, com café-da-manhã.
Onde comer
Albertino, em Folgosinho, oferece pratos típicos da região, como o leitão, cabrito, coelho e javali. Também há acomodações, por EU$ 50 o quarto, sem café-da-manhã.
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