Reportagens

Clima: cobrança e promessa

Na 60ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ministros fazem promessas, enquanto pesquisadores cobram mais ação do país contra as mudanças climáticas.

Cristiane Prizibisczki ·
22 de julho de 2008 · 16 anos atrás

Durante toda a última semana, cerca de seis mil pesquisadores de dentro e fora do país estiveram reunidos na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade de Campinas, interior de São Paulo. Assim como em 2007, o encontro tratou de forma direta sobre temas do meio ambiente, com atividades em que aquecimento global, conservação da biodiversidade, produção de etanol a partir da cana-de-açúcar e pesquisas sobre biocombustíveis no país estiveram no centro do debate.

A estimativa é que, pelo campus da Unicamp, tenham passado cerca de 12 mil pessoas, em sete assembléias, 80 conferências, 14 encontros, 55 mesas-redondas, sete sessões especiais, 71 simpósios, 43 minicursos e outras atividades paralelas. Segundo o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, por enquanto ainda é cedo para avaliar os resultados concretos do encontro, já que as propostas de trabalho nascidas durante as atividades só serão sistematizadas pelo Conselho da Sociedade daqui a um mês.

De forma geral, o que se tem de palpável são algumas ações anunciadas por autoridades do governo federal que por lá passaram. O ministro Carlos Minc, por exemplo, lançou um balão de ensaio sobre a implementação, em 1° de agosto, de uma medida que determina o aumento da participação dos lucros obtidos pelo Brasil com petróleo no combate às mudanças climáticas. Já o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, prometeu a criação de 50 novos institutos de pesquisa nos próximos três anos.

Nas esferas específicas de atuação também surgiram notícias interessantes para a conservação do meio ambiente, como a produção de uma moto elétrica, tipo sooter, que promete não emitir ruídos ou comprometer boa a qualidade do ar. O novo veículo será desenvolvido ainda este ano pela CPFL Energia e pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, custará cerca de 3 mil reais, e deve estar no mercado ainda em 2009. Notícia bem vinda em tempos de caos no trânsito e aquecimento global.

No campo teórico, muitos assuntos foram debatidos, exemplificados e até colocados em xeque, como as teorias de resfriamento da terra, as metas assumidas pelos países para redução de emissões de CO2 ou os métodos usados pelo governo para medir o desmatamento na Amazônia. A reportagem de O Eco acompanhou algumas dessas atividades e conversou com pesquisadores sobre os temas que receberam destaque nos debates.

A novidade do “cap-and-dividend”

Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) José Eli da Veiga, que participou de diversas mesas sobre aquecimento global e metas de redução, o Protocolo de Kioto e o grau de comprometimento dos países que o assinaram são uma “piada”. Isso porque, segundo ele, os acordos sobre os tetos são incoerentes com o que o IPCC diz sobre a gravidade do problema. “O tal de 5% [meta determinada no Protocolo] não é nada, é zero”, reclama.

A primeira ação a ser tomada em esfera global para começar a resolver o problema das emissões, de acordo com Veiga, seria o apoio à pesquisa científica, no sentido de encontrar alternativas energéticas. Um segundo passo seria mudar o modelo de controle que hoje é usado.

“Qualquer criança que já tenha ido à feira sabe que para reduzir o consumo de um produto ele tem que ficar caro […] Se o único jeito de reduzir emissões é encarecê-las, a discussão, na época [da assinatura do Protocolo] deveria ter sido: ‘de quanto vai ser esse imposto’, que deveria ser assumido por todos os países, com prazos diferentes de acordo com o grau de desenvolvimento”, diz.

Adotar o modelo “cap-and-trade” – que funcionou bem para resolver o problema da chuva-ácida nos EUA em décadas anteriores – nas medidas de contenção do aquecimento global foi um “equívoco”, já que, atualmente, não há como controlar quem são os emissores e não houve modificações nas matrizes energéticas. “Se o processo de estímulo [para a mudança da matriz energética] fosse outro, elas já estariam mais viabilizadas”, defende.

O modelo mais apropriado, segundo ele, é o chamado “cap-and-dividend”, que começa a ser discutido por economistas nos EUA. “No ‘cap-and-dividend’ o teto não é para emissões, é para os fornecedores de energias fósseis, para as empresas de petróleo, para as que usam carvão, para as de extração de gás. Essas seriam controladas”, explica. Neste novo esquema, as fornecedoras de energia fóssil teriam de pagar para ter o direito de fornecer. Como todo o mundo arcaria com este aumento, já que o imposto certamente seria repassado ao consumidor, a alternativa seria distribuir, de forma igualitária à população, o dinheiro arrecadado pela taxa de emissão.

“Nesse modelo, todo mundo receberia um ‘cheque’ de valor igual. Quem consumisse menos energia fóssil sairia ganhando, quem continuar consumindo mais energia fóssil sai perdendo. Então, para um cara que a vida é organizada sobre o carro, se aumentar o preço da gasolina ele vai ter muito mais prejuízo. Se eu, ao contrário, estiver fazendo mais esforço, esse cheque vai ser uma espécie de bolsa família. Essa proposta é uma coisa muito nova, muito pouco conhecida por enquanto, mas nos EUA esse debate está rolando porque certamente eles vão ter uma lei no ano que vem”, explica o professor, que recentemente escreveu um artigo para o jornal Valor Econômico aprofundando o assunto.

Medição equivocada

Como o novo modelo ainda está no plano teórico, o “cap-and-trade” e as metas de emissão continuam em voga. Apesar das esquivas do governo em tratar do assunto, a imposição de metas para o Brasil tem sido discutida por muitos pesquisadores. Considerando que o desmatamento e as queimadas na floresta Amazônica abocanham a maior parte das emissões, seria lógico analisar os números oficiais sobre o problema, certo? Para Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a resposta é “errado”.

De acordo com o pesquisador, os números divulgados pelo governo estão completamente errados. Pelos dados do Inventário Brasileiro de Emissões de Gases do Efeito Estufa, lançado em Buenos Aires em dezembro de 2004, a perda de florestas por práticas agrícolas, desmatamentos e queimadas é responsável por lançar 117 milhões de toneladas de CO2 no ar por ano. Pelo levantamento do Inpa, o número correto seria de 250 milhões de toneladas/ano.

“Existe uma série de questionamentos a serem feitos [sobre o inventário], porque ele deixa de fora todas as raízes das árvores, as árvores mortas dentro da floresta e outras coisas que deveriam ter sido acrescentadas, como os cipós, as palmeiras etc. Algumas coisas eles colocaram números pequenininhos, mas nós temos todos os dados que existem sobre isso e o número real acaba sendo o dobro”, diz.

A metodologia utilizada na realização do inventário, segundo Fearnside, buscou minimizar o total de emissões, justamente para evitar a pressão internacional sobre a estipulação de metas. “No inventário tudo está no sentido de minimizar a emissão, subestimando o crescimento da capoeira, subestimando a biomassa da floresta e daí por diante. Isso levanta perguntas, porque eu acho muito importante que sejamos o mais realista possível nesse número, que ele não seja inflado nem minimizado. A lógica de minimizar seria de evitar pressão internacional para o Brasil assumir alguma meta para diminuir as emissões”, acusa o pesquisador.

Segundo maior responsável pelas emissões brasileiras, a queima de combustíveis fósseis também foi tema de debate na reunião da SBPC. Neste tópico, pelo menos, a maioria das notícias foi positiva. De acordo com Frederico Duraes, chefe geral da Embrapa Agroecologia, as pesquisas em torno do etanol ligocelulósico, produzido a partir de qualquer biomassa – cavacos de madeira, resíduos florestais, palhadas de milho, gramíneas de porte alto e bagaço de cana, por exemplo -, estão bastante avançadas. “Nós acreditamos que haverá um grande avanço científico e que o etanol ligocelulósico estará em testes pilotos no mercado dentro de cinco anos, com certeza”, diz.

Para 2009, espera-se que temas como estes sejam ainda mais aprofundados, já que a 61ª Reunião da SBPC está prevista para ocorrer em Manaus (AM). A julgar pelos discursos inflamados feitos durante o anúncio oficial do Amazonas como estado sede da próxima reunião, muitas ações de conservação estão por vir. “O mundo não nos perdoará se não fizermos nada pela Amazônia”, declarou o presidente da SBPC.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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