Minha última coluna aqui em ((o))eco gerou algumas cartas de leitores. Duas delas são sobre o processo de seleção de Chefes de Parque. Eduardo Pegurier especificamente diz que “Gostaria de ver uma análise sobre a escolha de chefes de parque e se eles devem ter mandato com tempo definido ou não”. Aceito o desafio. Aqui vão minhas idéias não só sobre a designação e movimentação dos Chefes do Parque, mas sobre a carreira de servidores do Chico Mendes como um todo.
Para que o manejo das Áreas Protegidas brasileiras seja saudável entendo ser necessária a criação de um plano de carreira, no âmbito do ICMBio, que sirva para garantir a formação dos técnicos, normatizar a progressão funcional e estimular o trabalho no campo. Não faltam exemplos bem sucedidos em países mais pobres do que o Brasil (Quênia e África do Sul são bons modelos a emular) que poderiam ser adaptados à nossa realidade.
É fundamental a introdução de um plano de carreira que permita a rotação dos funcionários, especialmente os de nível superior, pelo Brasil, emprestando-lhes um maior sentido de conjunto do país e uma visualização mais fácil do SNUC. Também é desejável a criação de uma estrutura de promoções que lhes proporcione um horizonte profissional e que esteja atrelada à aprovação em cursos de especialização e a tempo de serviço despendido em postos de sacrifício, o que pode servir de incentivo para lotar melhor as unidades de conservação da Amazônia. Como o estudo Aperfeiçoando a Cooperação Internacional para Áreas Protegidas no Brasil assinalou, não se trata de ideia nova. Pelo contrário já foi testada com sucesso no Itamaraty e nas Forças Armadas, entre outros órgãos…
Itens simples, como uniformes, hierarquia e escalas de trabalho nos fins de semana são fundamentais em uma atividade que pede certa disciplina e que envolve fiscalização, porte de armas e a imposição da Lei. Assim, faz sentido avaliar se vale a pena que o Instituto Chico Mendes seja uma agência fardada e hierarquizada, com progressão funcional definida, como são os Serviços de Parques que vi funcionarem exemplarmente no Quênia, Estados Unidos, Austrália, África do Sul, Uganda, Argentina, Chile e tantos outros lugares onde as Unidades de Conservação apresentam bons resultados de manejo.
Não vislumbro uma militarização do Instituto mas sim um perfil organizacional adequado à sua atividade fim. Mesmo no Brasil há diversas profissões que, apesar de civis, têm esse perfil porque é o que melhor se presta ao desempenho de suas funções. Para citar apenas alguns casos, assim são estruturadas as Guardas Municipais, a Aviação Civil, a Receita Federal, a Marinha Mercante e o meu órgão de origem, o Itamaraty.
Idealmente, na minha opinião, o Instituto Chico Mendes teria duas carreiras com fluxos próprios. Uma de nível básico, cujo requisito para admissão deve ser o segundo grau completo, vigor físico e conhecimento prático de mato. Não se pode pensar em um guarda-parque que não saiba montar uma barraca, encontrar seu caminho em uma trilha ou que tenha medo de caminhar ao ar-livre embaixo de uma chuvarada. Essa gente constituirá o grosso da força de guardas parques, fiscais, brigadistas de incêndio, mantenedores de trilhas e motoristas e poderia ter de três a cinco níveis hierárquicos diferentes. A segunda carreira, de nível superior, deve exigir curso universitário completo, vigor físico (pelo menos quando da admissão) e também conhecimento prático de mato.
Essa última carreira constitui a massa crítica pensante de onde sairão os gestores dos parques. Após concurso de admissão, a exemplo das academias da Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores, os novos técnicos ambientais freqüentariam uma academia ambiental em alguma cidade grande onde haja unidades de conservação que possam servir como parque-escola.
Na salas de aula, estudariam disciplinas como manejo, pesquisa, erradicação de espécies exóticas, reintrodução de espécies nativas, relações com a comunidade, implantação e manutenção de trilhas, controle e mitigação de impactos ambientais, prevenção e combate a incêndios florestais, legislação ambiental, educação ambiental (de escolares do entorno e de visitantes) uso público, tursimo e administração pública. No parque-escola poriam em execução o que foi ensinado, adequando o aprendizado teórico à experiência prática.
Ao graduarem-se, escolheriam sua primeira lotação em Unidade de Conservação de sua preferência de acordo com a classificação obtida no curso. Assim como no Itamaraty, ou como no Serviço Guarda Parque do Quênia, ficariam (idealmente e de acordo com a realidade orçamentária) no máximo quatro anos em cada unidade, salvo por vontade própria quando lotados em Postos considerados de sacrifício.
Os parques (UCs) poderiam ser classificados em categorias “A”, “B” e “C” (e eventualmente “D”). Essa classificação levaria em conta a complexidade administrativa e de manejo da UC,.o número de visitantes que recebe, a quantidade de servidores ali lotados e o grau de sacrifício exigido ao funcionário ali lotado. UCs em locais ermos e sem estrutura seriam “C” ou “D”. UCs próximas a cidades grandes seriam “A”.
Após servir em uma UC “C” o funcionário teria direito a servir em uma “B” e depois em uma “A”, só sendo obrigado a voltar a uma “C” depois de servir em uma “A”. Trabalhar em postos de sacrifício, como UCs na Amazônia ou lugares muito isolados, também deveria ser requisito para as promoções. Como já citado, o estudo Aperfeiçoando a Cooperação Internacional para Áreas Protegidas no Brasil assinalou que esse modelo já foi testado com sucesso no Itamaraty e nas Forças Armadas [1].
Analogamente, entre cada promoção, o funcionário deveria voltar à Academia para fazer cursos de aperfeiçoamento, reciclagem ou especialização em áreas tais como uso público e geração de renda para o ICMBio, manejo de mosaicos, administração de Parques Transfronteiriços, manejo de Parques Marinhos, manejo de Parques de Cerrado e assim por diante.
Após cerca de dez anos na instituição e duas ou três promoções o técnico ambiental poderá ser promovido a “Chefe de Parque “C” ou “D”, cargo para o qual, além da experiência acumulada e de critérios de merecimento a serem estabelecidos, será exigida também a preparação e posterior aprovação de uma monografia sobre tema de interesse do Instituto Chico Mendes. Após ser “Chefe de Parque “C” ou “D”, seguir-se-ão os postos de “Chefes de Parque “B” e “A” e finalmente os cargos de diretor dos diversos ecossistemas e diretorias reginais, técnicas ou burocráticas a serem desempenhados na capital federal e demais escritórios do Instituto.
Por fim, creio que até 5% dos cargos de Chefe de UC poderiam ser de livre provimento, mas não mais que esse percentual. Assim como no Itamaraty, onde o cargo de Embaixador é de livre provimento, uma pequena parcela de servidores extra-quadro, se bem escolhida dentre pessoas com notório saber no assunto, tais como alguns acadêmicos, ongueiros, ou profissionais de instituições afins, pode servir para arejar idéias, levantar discussões e questionamentos saudáveis e introduzir técnicas novas no Instituto.
A Academia, hoje localizada na Floresta Nacional de Ipanema, a meu ver deveria ser no Rio de Janeiro ou em Brasília, duas cidades com ampla oferta de acomodação, diversos professores universitários e pesquisadores já qualificados e com Parques Nacionais na própria área urbana. O exemplo do Rio de Janeiro é paradigmático pois além do Parque Nacional da Tijuca, sedia nas Ilhas Cagarras uma UC marinha.
Há no Alto da Boa Vista, junto à Floresta da Tijuca, vários prédios pertencentes à União vazios com proporções suficientes para abrigar a Academia, entre eles o Hotel das Paineiras, de propriedade do Governo, hoje desativado. Os professores poderiam ser recrutados na UFRJ, no Grupamento Florestal do Corpo de Bombeiros, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, na Faculdade de Turismo da Cidade, na Universidade Rural, na UFRRJ, na UERJ, na UFF na Embrapa e na PUC-Rio para citar apenas algumas instituições de um vasto naipe que a cidade provê.
Por outro lado, o Parque Nacional da Tijuca com uma freqüência de mais de um milhão de visitantes por ano seria um excelente campo prático para o aprendizado dos futuros gestores de Parques do Brasil. Ali aprenderiam a manejar trilhas, gerir locais de visitação de massa como o Corcovado, mediar conflitos com a iniciativa privada e com as comunidades do entorno, administrar mosaicos como o que a Tijuca forma com a Pedra Branca e com o Parque Estadual do Grajau, apagar os repetidos incêndios provocados pelos balões de São João e cooperar com o Município e com o Estado em questões como as captações ilegais de água, o recolhimento de lixo, a administração das estradas que cortam o Parque e o planejamento das atividades de segurança pública. Nas Ilhas Cagarras poderiam ser adestrados em assuntos de manejo em UCs Marinhas. Junto aos pesquisadores das universidades da antiga capital poderiam desenvolver planos de reflorestamento, de pesquisa botânica, de erradição de exóticas invasoras e de reintrodução de espécies nativas.
Bem administrada essa academia serviria para formar não apenas os funcionários do Instituto Chico Mendes, mas também poderia capacitar técnicos dos Institutos e Fundações Florestais dos Estados e Secretarias Municipais de Meio Ambiente bem como oficiais das polícias ambientais e bombeiros florestais dos diferentes Estados da Federação.
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