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48 mil morreram por ondas de calor no Brasil entre 2000 e 2018

Eventos de temperatura extrema aumentaram quase quatro vezes desde os anos 1970, mostra estudo; idosos, mulheres, negros e menos escolarizados são os mais afetados

Leila Salim ·
5 de fevereiro de 2024

Ondas de calor mataram mais de 48 mil pessoas no Brasil entre 2000 e 2018, superando em mais de vinte vezes o número de mortes por deslizamentos de terra no período. Além disso, os eventos de aumento abrupto nas temperaturas – mais intensos e frequentes por causa das mudanças climáticas – têm aprofundado desigualdades socioeconômicas no país e vitimado mais idosos, mulheres, pretos, pardos e pessoas menos escolarizadas. 

Os dados são de um novo estudo, publicado na última quarta-feira (24) e conduzido por um time de 12 cientistas brasileiros e portugueses, vinculados a instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade de Lisboa. A equipe foi liderada por Djacinto Monteiro dos Santos, do Departamento de Meteorologia da UFRJ. 

A pesquisa analisou as 14 regiões metropolitanas mais populosas do Brasil, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas cinco regiões do país. Foram consideradas as regiões metropolitanas de Manaus e Belém (região Norte), Fortaleza, Salvador e Recife (Nordeste), São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Sudeste), Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre (Sul) e Goiânia, Cuiabá e Brasília (Centro-Oeste). Somadas, as áreas concentram cerca de 35% da população brasileira. 

A ocorrência dos eventos de calor extremo foi mapeada através da aplicação do Fator de Excesso de Calor (EHF, na sigla em inglês). O índice permite identificar e classificar as ondas de calor de acordo com sua frequência, duração e intensidade, além de estipular os níveis de calor que podem representar riscos à saúde humana. 

A partir daí, foram calculadas as mortes relacionadas ao calor, utilizando a base de dados do DATASUS para o período de 2000 a 2018. Para isso, os cientistas levantaram todas as mortes por todas as causas, excluindo causas externas como acidentes ou homicídios, para todos os municípios que pertencem às 14 regiões metropolitanas selecionadas para a pesquisa. Foram mais de 9 milhões e 300 mil óbitos contabilizados. 

Na sequência, os cientistas calcularam a “mortalidade em excesso”, através da comparação entre os óbitos ocorridos durante cada onda de calor mapeada e as mortes observadas na mesma época no ano e durante a mesma quantidade de dias em condições normais. Resultado: entre 2000 e 2018, 48.075 mortes podem ser atribuídas aos efeitos das ondas de calor. Doenças circulatórias, respiratórias e o agravamento de condições crônicas prévias diante do calor extremo foram as causas mais frequentes dos óbitos. 

Os resultados apontam também o aumento na frequência das ondas de calor no país, como mostra a figura abaixo. Na década de 2010, o Brasil registrou uma média de três a onze eventos do tipo ao ano. É um aumento de quase quatro vezes em relação à década de 1970, quando foram registradas de zero a três eventos por ano. 

O aumento mais significativo foi identificado nas regiões Norte e Nordeste: em Salvador, por exemplo, nas décadas de 1970 e 1980 a média de ondas de calor era de 0,5 registro ao ano. Nas décadas de 2000 e 2010, a cifra saltou para 3,5 ao ano. Já Belém, que nos anos 1970 e 1980 não registrou ondas de calor, atingiu média anual de 11 ocorrências para as décadas de 2000 e 2010.  Além disso, as ondas de calor se tornaram mais longas: elas passaram a durar de 4 a 6 dias nas décadas de 2000 e 2010, face a uma média de 3 a 5 dias nos anos 1970 e 1980.

Evolução na ocorrência de onda de calor das 14 regiões metropolitanas do Brasil. (Fonte: Twenty-first-century demographic and social inequalities of heat-related deaths in Brazilian urban areas/PLOS ONE) 

Os pesquisadores destacam ainda que o estudo busca preencher uma lacuna na investigação sobre a mortalidade em ondas de calor: a identificação do perfil socioeconômico dominante entre as vítimas, que permite a produção de dados para direcionar políticas públicas. “À medida que as mudanças climáticas avançam, as ondas de calor estão se tornando mais intensas, prolongadas e frequentes em muitas regiões ao redor do mundo, incluindo o Brasil. As ondas de calor podem aumentar o risco de morte por condições crônicas, como doenças cardíacas ou pneumonia. Pesquisas anteriores têm associado as ondas de calor no Brasil a um maior risco de morte. No entanto, poucos estudos exploraram o papel desempenhado por fatores socioeconômicos e demográficos nas mortes relacionadas ao calor no Brasil”, destaca o texto. 

Os resultados apontam que entre 75% e 94% das mortes relacionadas ao calor ocorreram entre pessoas com mais de 65 anos. O percentual é significativamente maior do que o observado na mortalidade total por causas naturais. “Ao considerar todas as mortes naturais de 2001 a 2018, os grupos mais velhos representam menos de 60% da mortalidade observada”, diz o artigo, confirmando que, como esperado, os idosos são desproporcionalmente afetados pelo calor extremo. 

No entanto, foram observadas diferenças regionais, indicando a incidência das desigualdades entre o eixo Centro-Sul e as regiões Norte e Nordeste.  Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os subgrupos etários com menos de 65 anos representaram entre 6% e 19% das mortes relacionadas ao calor; já nas regiões Norte e Nordeste, o percentual dos mesmos subgrupos foi mais alto, alcançando de 17% a 25%. 

Para a análise do perfil socioeconômico das vítimas, os cientistas compilaram e compararam dados considerando um outro índice. Trata-se de uma simples divisão do número de mortes observadas durante uma onda de calor pelo número de mortes esperadas para o período em condições normais. 

Se, por exemplo, ocorrem 15 mortes durante uma onda de calor, e eram esperadas 10 mortes para esse mesmo período em condições normais, o índice é de 1,5. Isso quer dizer que houve mortes “a mais” como resultado do calor. Caso ocorram 20 mortes nesse mesmo período, o índice será 2, expressando mais mortes em excesso.  Quanto mais alto esse índice, maior a mortalidade causada pela onda de calor. 

Assim, considerando o perfil socioeconômico de pessoas com 65 anos ou mais, o índice foi significativamente maior para o grupo de baixa escolaridade. A cifra ficou entre 1,21 e 1,86, contra 0,95-1,29 entre os de alta escolaridade nas regiões metropolitanas de Belém, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. 

Pessoas pretas e pardas com 65 anos ou mais também foram mais vitimadas pelas ondas de calor. Em Belém, Recife, Brasília, Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro, para ambos os sexos, o índice de pessoas pretas e pardas foi de 1,33–2,30, contra 1,16–1,44 para pessoas brancas.  Em nenhuma das regiões analisadas, o aumento na mortalidade de pessoas brancas supera o de pessoas pretas e pardas.

“As ondas de calor foram responsáveis por mais de 48.000 mortes em áreas urbanas no Brasil. Mulheres, pessoas pretas e pardas, idosos e aqueles com um nível mais baixo de educação são os mais afetados, reforçando como as mudanças climáticas induzidas pelo ser humano têm exacerbado as desigualdades socioeconômicas no país”, apontaram os cientistas, que reforçaram a necessidade de políticas públicas para fortalecimento dos serviços de saúde, incluindo a preparação específica para ondas de calor voltada particularmente para os grupos vulneráveis.

  • Leila Salim

    Jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Repórter com experiência em fact-checking, políticas públicas e direitos humanos.

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