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“Há muito espaço para o ceticismo”, diz cientista do clima

Richard Muller, líder do projeto BEST, que confirmou a hipótese do aquecimento produzido pelo homem, debate o significado de “ceticismo”.

Guardian Environment Network ·
13 de agosto de 2012 · 12 anos atrás
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Richard Muller, líder da equipe Best (Berkeley Earth Science Temperature). Foto: Dan Tuffs
Richard Muller, líder da equipe Best (Berkeley Earth Science Temperature). Foto: Dan Tuffs

Ros Donald*

O professor Richard Muller liderou o projeto “Berkeley Ciência da Temperatura Terrestre” para investigar as acusações de que os dados de temperatura da superfície terrestre não eram confiáveis, e, portanto, não forneciam um registro preciso de como a temperatura do planeta estava mudando.

No início de agosto, o projeto divulgou uma série de documentos que confirmam o anúncio feito no ano passado de que a Terra se aqueceu à mesma taxa que os estudos anteriores sugeriam. Desta vez o projeto, que atende pela sigla BEST (do inglês, Berkeley Earth Science Temperature) foi mais longe, concluindo também que o mais provável é que o aquecimento ocorreu devido a emissões de gases de efeito estufa produzidas pelo homem.

O telefone do professor Muller não parou de tocar desde a publicação de seu editorial no New York Times, onde ele afirma que a nova investigação do BEST respondeu às suas próprias dúvidas sobre se os humanos estão causando o aquecimento global. Sua auto-descrita conversão à visão científica dominante, a qual liga a atividade humana à mudança climática, capturou a imaginação de uma mídia muitas vezes cautelosa a respeito de pesquisas sobre mudanças climáticas.

No entanto, a história na imprensa – descrevendo a repetina conversão de um cético – não parece fazer sentido. Em seu livro de 2009, “Física para futuros presidentes”, Muller não questiona os fundamentos da ciência do clima, ou mesmo que os seres humanos estão contribuindo para o efeito estufa.

“90 por cento do que é dito sobre a mudança climática é absurdo. Isso acontece quando as pessoas ligam as mudanças climáticas ao furacão Katrina ou a ursos polares morrendo de fome, coisas que não tem qualquer tipo de base científica”

Perguntado se é realmente acurado dizer que ele nunca foi um cético, Muller responde: “Eu me considerava apenas um cético no sentido científico. Algumas pessoas me chamaram de negador (denier). Não, isso está completamente errado. No máximo, eu era agnóstico. Só espero que pessoas como você leiam meus livros e trabalhos e, assim, leiam o que eu digo de fato, e não o que as pessoas dizem que eu digo”.

Isso não quer dizer que ele deixou de ter problemas com afirmações radicais sobre as mudanças climáticas: “90 por cento do que é dito sobre a mudança climática é absurdo. Isso acontece quando as pessoas ligam as mudanças climáticas ao furacão Katrina ou a ursos polares morrendo de fome, coisas que não tem qualquer tipo de base científica. Na realidade, é frequente que até os fatos ditos alarmantes estejam errados. Portanto, há ainda muito espaço para o ceticismo”.

“O que nós abordamos foi a questão crucial da mudança de temperatura, e encontramos respostas, eu acho, que ilustram o que acontece quando a ciência é feita de uma forma direta e transparente.”

Ha cientistas que, ironicamente, observaram que, ao confirmar as conclusões de outros grupos que já examinaram as temperaturas globais, o time do projeto BEST, essencialmente, gastou 2 anos para chegar onde a ciência do clima já estava desde a década de 1990. Perguntado porque ele quis percorrer os passos de grupos anteriores, Muller diz que percebia “grandes questões levantadas sobre estudos existentes”, a tal ponto que ele temia que os antecessores não houvessem chegado a conclusões “cientificas sólidas”.

O que moveu Muller a tratar de preocupações que ele diz ter sentido pela primeira vez há 3 anos, quando e-mails entre cientistas do Centro Hadley, da Universidade de East Anglia — guardião de um dos 3 maiores bancos de dados sobre temperatura da superfície — vazaram?

A sua equipe coletou todos os dados de temperatura que conseguiu encontrar no mundo todo, porque, diz ele, outros estudos tinham “usado apenas uma fração” dos dados disponíveis.

Em seguida, a equipe começou a lidar com as questões levantadas por céticos sobre os bancos de dados existentes de temperatura da superfície da Terra e as descobertas associadas a eles. Muller elabora: “Primeiro, houve questões sobre a qualidade de estações metereológicas. Anthony Watts [meteorologista cético e blogueiro] mostrou que havia estações de baixa qualidade. Estudamos o problema detalhadamente. Felizmente, descobrimos que a qualidade da estação não afeta os resultados. Mesmo estações ruins refletem mudanças de temperatura com precisão”.

“Havia questões de manuseio de dados. Alguns dos grupos anteriores ajustaram os dados e perderam todos os registros de como eles haviam feito isso. Então, voltamos aos dados brutos, que foram os únicos que nós usamos”.

“Como cientistas, devemos ser inteiramente transparentes com os nossos dados. O grupo do Reino Unido, de propósito, escondeu dados discordantes, e eles o fizeram com o fim de garantir que as pessoas chegassem às suas mesmas conclusões. Para mim, isso é má conduta”

“Além disso, há o efeito ilha de calor urbano [a crítica de que estações meteorológicas localizadas em áreas urbanas produzem leituras de temperatura artificialmente elevadas]. Isso foi algo que considero que estudamos de forma inteligente e original”, diz Muller. Implicou na análise apenas dos dados das estações rurais, para ver se o aumento de temperatura ainda continuava surgindo. E ele continuava lá. “Chegamos à mesma resposta”, diz ele.

Finalmente, havia os modelos. Muller diz que: “As conclusões existentes foram baseadas em modelos climáticos globais extremamente complexos. Neles, você jamais conseguiria rastrear quantos eram os parâmetros passíveis de ajustes, ou quantas premissas estavam escondidas no modelo. Em contraste, nós usamos uma abordagem muito simples”.

Entretanto, descobrir que seus achados são semelhantes aos de cientistas diretamente envolvidos no chamado Climategate não levaram Muller a suavizar sua visão do que ele chama da descoberta de “má conduta científica”. Ele afirma: “Como cientistas, devemos ser inteiramente transparentes com os nossos dados. O grupo do Reino Unido, de propósito, escondeu dados discordantes, e eles o fizeram com o fim de garantir que as pessoas chegassem às suas mesmas conclusões. Para mim, isso é má conduta”.

As críticas ao projeto BEST também vieram rápidas e grossas, unindo as vozes dos céticos e dos cientistas mainstream [que acreditam nas mudanças climáticas causadas pelo homem], ambos condenando os métodos do grupo e a decisão de liberar as suas conclusões antes de serem submetidas ao processo de revisão científica, feito por especialistas do mesmo campo.

O método do time BEST, desenvolvido pelo físico Robert Rohde – que Muller diz ter feito a “maior parte do trabalho” no projeto – tem sido criticado por ser demasiado simplista. Mas Muller defende que a abordagem “leva às menores incertezas na determinação dos registros. E isso foi absolutamente fundamental para alcançarmos as nossas conclusões”. E acrescenta: “Tem havido resposta pronta aos nossos métodos, porque nós fizemos de uma forma que eu considero mais elegante”. “Tem pessoas – muitas das quais, noto, nunca descobriram nada em sua vida – que acreditam que verdade reside na complexidade. Mas a glória da física é que as coisas às vezes estão na cara. E, aqui, este é o caso”.

Uma das mais fortes vozes a criticar o estudo vem da própria equipe BEST. Judith Curry, diretora da Escola da Terra e Ciências Atmosféricas do Instituto de Tecnologia da Geórgia, recusou-se a assinar como co-autora o mais recente estudo da BEST. Ela diz no seu blog que não “vê qualquer justificativa no argumento [da BEST] que” apoie a declaração do grupo de que seus dados se encaixam bem na teoria do aquecimento via dióxido de carbono produzido pelo homem. Curry não está sozinha: o ex-climatologista William Connolley afirma que o time BEST não obteve “qualquer atribuição com seu trabalho, como seria esperado”.

“O que esperamos é que, por ser transparentes, abertos e claros; por colocar online os dados e os programas de computador usados, as pessoas possam ver exatamente o que fizemos”

Muller diz que Curry se distanciou do estudo, porque ela não concorda com as conclusões, e que ela tem uma teoria alternativa – que o clima é aleatório, portanto, qualquer correlação entre o aumento de dióxido de carbono e o aquecimento é uma coincidência. Sua resposta foi: “Disse a ela que o aspecto infeliz da sua teoria é não poder ser testada, pois uma teoria que não pode ser testada é algo que eu não considero ser uma teoria”.

Além dela, há Anthony Watts, o blogueiro cético. Abandonando a sua promessa anterior de aceitar as conclusões do BEST, seu antigo apoiador divulgou uma versão preliminar de um trabalho dele mesmo, ao mesmo tempo em que a equipe BEST divulgava seus novos resultados. Watts diz que sua avaliação de estações de temperatura mostra que a localização das estações de baixa qualidade, de forma “espúria”, dobrou as estimativas de aumento de temperatura nos EUA, e que, espera-se, “[a] questão da qualidade da estação será um problema para a rede usada pela equipe BEST para monitorar as temperaturas da superfície terrestre”.

Muller rejeita a sugestão de que Watts lançou seu trabalho para contrariar o estudo da BEST. “[Watts] nem sabia sobre o nosso trabalho”, diz ele. “Nosso trabalho sobre qualidade das estações concordou com [trabalhos anteriores de Watts]”, acrescenta. “Agora ele está dizendo: ‘Se eu usar um critério diferente, descubro que os dados não corrigidos podem produzir um viés’. Bem, isso soa razoável – se a estação se move e você não leva isso em conta, sim, é provável que você gere um viés. Não vejo qualquer objeção forte a isso. O que ele fez foi interessante, mas não afeta nossas novas conclusões”.

Enquanto isso, Ross McKitrick, professor de economia e cético do clima, que foi um dos árbitros do trabalho da BEST, pediu revisões importantes a serem feitas nos estudos do ano passado – especialmente em relação à localização de estações e do aquecimento urbano.

Novamente, Muller mostra-se confiante: “Não houve erros naquele trabalho. McKitrick tinha comentários e encontrou coisas que ele considerou erros, mas nós respondemos dizendo era ele que estava errado”. E acrescenta: “Acho que é sólida a conclusão de que ilhas de calor urbanas contribuem essencialmente zero para o aquecimento que detectamos”. Na verdade, devido aos estudos da equipe BEST e de outros que vieram antes dele, Muller diz que deixou de ser legítima a questão da distorção que o aquecimento urbano provocaria nos dados do aquecimento global.

O volume de críticas dos céticos e também dos cientistas convencionais não deve ter sido o que Muller imaginava quando disse, em 2011, que esperava que o projeto BEST ajudaria a “esfriar a discussão” entre os dois lados.

Mas Muller acredita que os resultados do projeto BEST, ao final, prevalecerão. “Não acho que aqueles que responderam através da mídia tenham de fato estudado o nosso trabalho. Não esperamos um acordo imediato sobre essas coisas”, diz ele.

Ele acrescenta: “O que esperamos é que, por ser transparentes, abertos e claros; por colocar online os dados e os programas de computador usados, as pessoas possam ver exatamente o que fizemos. Ao longo das próximas semanas e talvez meses, gradualmente, o debate vai acalmar e as pessoas reconhecerão o que foi que fizemos. E que nós forjaremos um consenso científico, nós ajudaremos a formá-lo”.

“Acredito que muitos dos céticos têm uma mente aberta”, diz Muller. “Mas até que eles realmente estudem o que fizemos é natural que permaneçam céticos, e não se deixem convencer por um editorial de jornal”.

Embora ele não esteja apostando em mudança de um dia para o outro, Muller ainda pode ser acusado de excesso de confiança em um possível acordo no polarizado debate sobre o clima. Mas ele não está esperando sentado. Nesse meio tempo, ele tem grandes planos: desenvolver a competência do projeto BEST e incluir medidas de temperatura do oceano. Um estudo do projeto Best sobre correntes oceânicas já foi aceito e está a espera de publicação, diz ele.

Enquanto isso, Elizabeth Muller, filha do professor Muller e co-fundadora do projeto BEST, está interessada em “começar um novo capítulo do trabalho que olhará para as políticas climáticas”, segundo o pai, para examinar “com objetividade científica o que pode ser feito”.

Por email, Elizabeth Muller, que já foi ex-assessora da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), descreve os planos. Ela diz que a idéia é concentrar-se em políticas que, no futuro, poderiam ter um impacto sobre as emissões de gases de efeito estufa. Essas políticas, diz ela, devem ser “de baixo custo, neutras em custo, ou, o que seria ideal, lucrativas”. Ela deu 2 exemplos em um artigo publicado no jornal San Francisco Chronicle. Um deles é o chamado clean fracking – extração de gás através da injeção de fluidos pressurizados — para tornar mais “verde” a exploração de gás. O outro é o aumento da eficiência energética.

Esta nova direção – não importa o quão transparente o trabalho – levanta a possibilidade de um conflito entre objetividade científica e ativismo. Richard Muller conclui a entrevista dizendo: “Acho que ciência é o estreito reino do conhecimento, no qual o consenso universal pode ser alcançado. Vamos fazer isso com a ciência do clima, e o que pode ser feito em seguida fica nas mãos da política e da diplomacia”. No entanto, com este novo plano, o projeto BEST quer trazer os políticos para a briga – um movimento que difilmente acalmará seus críticos. Em vez de esfriar a discussão, é provável que levante novas questões sobre o lugar da ciência na sociedade. Mas goste-se ou não, parece que o projeto BEST conquistou seu lugar no debate.

*Publicado através da parceria de ((o))eco com a Guardian Environment Network (veja a versão do Guardian). Esse artigo foi inicialmente publicado em The Carbon Brief. Tradução de Eduardo Pegurier

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