Acabaram-se as desculpas. Agora, quem quiser mesmo saber o que é jornalismo ambiental pode ler em português “Green Ink”, do americano Michael Frome.
O livro saiu nos Estados Unidos em 1996. Sua imigração levou mais de uma década. Mas, na longa viagem para o Brasil, acabou parcialmente reescrito, para acertar o passo com as mudanças que ocorreram ao redor de Frome nesses 12 anos, numa década em que as notícias saltaram do papel para a internet e os desastres naturais, para as manchetes.
São coisas que aconteceram com uma rapidez que, pela idade, ele não estaria mais obrigado a acompanhar. Quase nonagenário, Frome nem veio aqui para o lançamento. Mas provou, na nova apresentação, que continua a ser o velho radical de sempre, aproveitando para repetir que jornalista ambiental, para ele, quem trata o assunto como uma causa a defender, e não como um estoque de fatos a divulgar. Ele acha que, nessas questões, os “puros fatos” costumam “não ser tão factuais assim”.
Gafes históricas
Viu-os, mais de uma vez, disfarçados de objetividade, inspirarem aos melhores jornais americanos gafes históricas. Como a do New York Times, que na década de 1960 taxou de “imprecisos”, além de alarmistas, os fatos que a bióloga Rachel Carlson invocou para revelar que os pesticidas estavam matando as florestas americanas, sem derrubá-las. Tratava-se do livro “A Primavera Silenciosa”, um marco incontroverso da retórica ambientalista, que nunca mais sairia do prelo ou da moda, no mundo inteiro.
A imparcialidde nunca foi seu forte.. Em 2007, Frome deu a sua autobiografia um título que o definia como “rebelde de pé na estrada”. Passara, a essa altura, dos 86 anos. E ainda posava na contracapa de mochila nas costas. Trafegando por mais de meio século na contramão, ele não propriamente uma carreira de sucesso. Pior, andou para trás. Estreou no Washington Post, logo depois da Segunda Guerra, com reportagens sobre o desembarque de alimentos na Polônia devastada. Dali em diante, virou “advogadio da natureza”. E foi se desviando para publicações do gênero “American Forests” ou “Field & Stream”.
Passou a maior parte da vida à margem dos grandes jornais e das revistas influentes. Encontrando o caminho fechado, abriu trilhas. Tudo, em seu currículo, visto de trás para diante, parece estar do avesso. Jovem, escreveu um guia da cidade de Washington. Septuagenário, fez um roteiro de picadas nas montanhas Apalaches. Comec;óu a trabalhar na adolescência, durante a recessão dos anos 30. E se doutorou aos 73 anos. Em 2004, veio ao Brasil para um seminário internacional, trazendo na lapela um botão do senador John Kerry, que acabara de ser derrotado por George W. Bush na disputado pela Casa Branca. A campanha presidencial americana estava morta e enterrada. Mas ele fazia questão de mostrar aos brasileiros que não queria conversa com o tipo de governo que, com a reeleição de Bush, o mundo teria pela frente.
Frome não quer “ser neutro”. E é isso que ele ensina – ou prega – a seus alunos, como professor universitário nos Estados Unidos, ou nas páginas de “Green Ink”, publicado em português pela fundação O Boticário e a Universidade Federal do Paraná. O livro está longe de ser uma cartilha de jornalismo ambiental. O que oferece de prático é um manual de conduta, para os interessados em lidar com notícias do meio ambiente.
A receita de Frome cabe em poucas palavras. “Alfabetize-se, e corra riscos”, ele disse anos atrás a um estudante, que lhe pedira conselhos. Pôs tudo nessa frase. Sem alfabetizar-se, o aprendiz de jornalista não terá palavras para publicar o que as pessoas, em geral, preferem não ouvir. E sem correr riscos, não deixará o aconchego das fontes oficiais e das versões confortáveis, para recolher as histórias que, por incômodas, não têm portavoz.
* a obra pode ser adquirida na Editora da Universidade Federal do Paraná
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