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Uma nova espécie de anta é descoberta na Amazônia

Estudos levaram a descoberta de uma espécie de tapir ainda desconhecida pela ciência, mas que já era identificada por ribeirinhos e índios.

Vandré Fonseca ·
17 de dezembro de 2013 · 10 anos atrás

Ilustração da anta [i]Tapirus kabomani[/i] fêmea.
Ilustração da anta [i]Tapirus kabomani[/i] fêmea.

Manaus, AM — No meio das amostras de crânios de anta juntados no início do século para estudos na Universidade Federal de Rondônia, alguns intrigavam o paleontologista Mario Cozzuol. Apesar de diferentes dos demais, era incrível que alguns vinham de animais mortos recentemente. Isto significava que essa anta diferente era um animal vivo e não um mamífero extinto há milhares de anos, como aqueles que Cozzuol já estava habituado a estudar.

Foram necessários dez anos de análises da morfologia e genética de antas ainda vivas e também extintas, mas o resultado foi uma descoberta considerada entre as mais importantes do ano: uma nova espécie de anta que ainda povoa a Floresta Amazônica. “O paleontólogo está acostumado a reconhecer animais do passado, descobrir um que ainda está vivo é realmente diferente”, afirma o pesquisador, hoje professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

A descoberta foi publicada esta semana no Journal of Mammalogy, voltado para pesquisas sobre mamíferos. A Tapirus kabomani é a primeira espécie da ordem Perissodactyla, que inclui cavalos e rinocerontes, encontrada nos últimos cem anos e a primeira anta dos últimos 150 anos. Ela é menor do que o Tapirus terrestris, ou anta-brasileira, e possui as pernas mais curtas. Enquanto a espécie já conhecida pode pesar até 300 quilos, a nova tem a metade desse peso. Possui também uma coloração mais escura e uma crista menos proeminente.

Os estudos que se iniciaram em Rondônia levaram também a descoberta de uma anta já extinta, a Tapirus rondoniensis. O paleontólogo explica também que a nova espécie se diferenciou da anta-brasileira há cerca de 300 mil anos. Na América do Sul existe ainda outra espécie de tapir, o Tapirus pinchaque, que vive nas montanhas desde a Venezuela até o Peru. Existem também registros na Colômbia do Tapirus bairdii, que vive na América Central.

A pesquisa confirmou uma diferença que índios Karitiana e ribeirinhos já conheciam, mas que para cientistas se tratava apenas de variações de uma mesma espécie. “Os índios nos traziam crânios de animais caçados e diziam quais eram da nova espécie e quais eram da outra. E essa divisão era verificada também nos testes que fazíamos”, conta Cozzuol. Ribeirinhos já tinham até nome para essa espécie: anta-pretinha.

Ilustração da anta [i]Tapirus kabomani[/i] macho.
Ilustração da anta [i]Tapirus kabomani[/i] macho.

E agora já se sabe que a espécie foi até alvo de um presidente americano: Quando Theodore Roosevelt, no início do século XX, esteve no Brasil, abateu uma anta que hoje está no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Era uma anta-pretinha.

Esta é a terceira espécie de anta viva reconhecida na América do Sul e a quinta em todo o mundo. Apesar de ter sido descoberta na divisa dos estados de Rondônia e Amazonas, Cozzuol acredita que esteja distribuída por toda a Amazônia. “A nova anta vive em mosaicos, com áreas de floresta e mata mais baixa, enquanto a anta-brasileira prefere vegetação mais uniforme”, diz o paleontólogo argentino.

Mas para conhecer melhor os hábitos e a distribuição desta espécie vão ser necessários mais estudos. “Nossa próxima etapa da pesquisa é determinar a distribuição real de ocorrência e o status de conservação da nova espécie, que deve estar provavelmente ameaçada, já que a espécie mais comum na América do Sul, a Tapirus terrestris, já é considerada de vulnerável à extinção pelo livro vermelho [Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção, organizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)]”, antecipa Flávio Rodrigues, professor de ecologia da UFMG e coautor do artigo.

O estudo foi financiado parcialmente pela Fundação O Boticário, entre 2010 e 2012, o que possibilitou análises mais completas de DNA, além de estudos sobre a distribuição da espécie e visita a alguns locais de ocorrência. O estudo também contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Clique nas imagens para ampliar.

 

 

Saiba Mais
Artigo. MARIO A. COZZUOL, CAMILA L. CLOZATO, ELIZETE C. HOLANDA, FLÁVIO H.G. RODRIGUES, SAMUEL NIENOW, BENOIT DE THOISY, RODRIGO A.F. REDONDO, FABRÍCIO R. SANTOS. 2013. A new species of tapir from the Amazon. Journal of Mammalogy.

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