Rio de Janeiro – Não há controle na destinação final do lixo da construção civil. Quase sempre, esse entulho é retirado das obras e despejado de forma clandestina em terrenos baldios, nas margens dos rios e nas periferias dos grandes centros urbanos. O grande fantasma que impede a reciclagem de todo esse entulho é a alta carga tributária.
Os impactos dessa má disposição de resíduos não são pequenos – desde assoreamento de rios e proliferação de vetores de doenças. Um resíduo da construção civil (RCC) pode levar séculos para se decompor. O combate ao desperdício já é o primeiro passo para minimizar a grande quantidade de entulho gerada, mas o fomento à reciclagem surge como uma alternativa, explica a ((o))eco Hélcio Maia, presidente da Associação dos Aterros de Resíduos Sólidos de Construção Civil do Estado do Rio de Janeiro (ASSAERJ). Ele conversou com o site durante o seminário “Gestão Integrada de Resíduos Sólidos – Como transformar lixo em dinheiro“, que aconteceu nesta terça-feira, dia 18, no Rio de Janeiro.
“Em matéria de resíduos da construção, ninguém conhece a verdade, não existe o menor controle. A disposição irregular acontece. Existem aterros locais, mas o difícil é chegar até eles. Não há um controle dessa logística”, criticou. O controle feito com envio de notificações – as NTR, notas de transporte de resíduos – ainda na base do papel é, na maioria das vezes, falho por não ter um sistema informatizado.
Rio produz mais de 500 mil toneladas de entulho
Segundo o Programa Entulho Limpo da Baixada Fluminense, estima-se a geração de RCC no estado do Rio seja de 575 mil toneladas mensais, das quais aproximadamente 80% são geradas na Região Metropolitana. Só os 6 aterros da capital fluminense, que estão sob a administração da Assaerj, recebem por mês, em media, 225 mil toneladas de RCC.
“No interior do estado basicamente não há nenhum aterro para esses resíduos”, destacou Maia. A situação do Rio é muito similar a de estados como São Paulo, Minas Gerais e no sul do Brasil. Estima-se que a quantidade de entulho gerado em obras na capital paulista seja de 372 mil toneladas por mês; em Belo Horizonte, de 102 mil toneladas; em Brasília, 85 mil toneladas; e, em Curitiba, 74 mil toneladas.
Os resíduos da construção civil são aqueles gerados nas reformas, reparos e demolições de obras, assim como o entulho da escavação de terrenos e obras civis. Esse lixo é composto por diferentes tipos de materiais como: argamassa, areia, cerâmicas, concreto, madeira, metais, papel, pedras, asfalto, tintas, solventes, gesso, plástico, borracha, matéria orgânica e embalagens diversas.
Benefícios da reciclagem
Pouco se fala sobre o assunto, mas 90% deste lixo da construção civil pode ser reciclado, reutilizado e transformado nos chamados “agregados”, muito semelhantes aos originais. É possível reciclar qualquer concreto, afirma Maia, inclusive o maquinário utilizado na reciclagem é o mesmo usado pelas mineradoras na hora de beneficiar a matéria-prima depois de extraída da rocha.
Os benefícios da reciclagem não são poucos, argumenta Maia. “Não se degrada o meio ambiente pois, para extrair o agregado natural, tem-se forçosamente um impacto. E a qualidade do material reciclado é equivalente. Ele é recomendado para obras não estruturais, como parqueamento de prédios, blocos de concreto, meio fio e piso”.
O custo de reciclar é praticamente o mesmo de beneficiar a matéria-prima após ser extraída do meio ambiente. “A diferença entre o natural e o reciclado, é que o natural você extrai da rocha e o reciclado tem que ser separado e não precisa explodir a rocha. Depois, o processo é o mesmo. Dá-se uma destinação nobre aos agregados naturais e não faz com que seu uso seja subdimensionado” afirmou.
Evitar a exaustão da rocha e garantir a sua maior longevidade é uma das principais vantagens ao se reciclar, comenta.
Maia relembra que, só no caso do estado do Rio, do total de geração de resíduos sólidos urbanos, cerca de 60% é oriundo da construção civil, sendo que a maioria provém de reformas de domicílio e construtoras.
Altos impostos
No entanto, um fantasma ainda impede que o setor da reciclagem de entulho avance: os altos impostos que incidem sobre essa cadeia de reaproveitamento do entulho.
“No preço de um produto já estão embutidos todos os impostos. Quando esse produto é reciclado, são pagos os mesmos impostos mais uma vez, como se o produto fosse vendido ainda virgem”, explicou Maia.
A tributação da cadeia de reciclagem ainda é muito injusta e desanimadora. Para se vender um produto de “agregado natural”, ou seja, aquele que teve sua matéria-prima extraída da rocha, por exemplo, paga-se 6% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Já, para se vender um produto reciclado, cobra-se 19% de ICMS.
“É mais barato criar um impacto ambiental. O reciclado deveria ser mais barato, ele está sofrendo uma bitributação em tudo”, criticou. Na sua avaliação, o ideal seria haver tributação zero sobre o reciclado, pelo fato de ser um produto que já foi tributado antes. Contudo, Maia pondera que este produto poderia ser taxado com o mesmo valor que o produto natural ainda virgem, isto é, 6%.
“A cultura ainda não é de utilização de reciclado. Até temos hoje produção em escala, mas não escoamento. Associa-se à baixa qualidade e não é verdade. O mesmo maquinário e pessoal é necessário para produzir o reciclado, não é diferente do pessoal e máquinas que são usados para produzir a matéria-prima virgem”, salienta.
Metas ainda morosas
Em janeiro deste ano, foi lançado o Plano Estadual de Resíduos Sólidos que faz um diagnóstico do cenário da disposição do lixo no estado do Rio e propõe um conjunto de metas e estratégias a curto e a longo prazo. O documento foi elaborado pela Secretaria de Estado do Ambiente a partir de um convênio com a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, reunindo 37 documentos, consolidados em 11 volumes.
Entre as metas para o lixo da construção civil, está prevista a eliminação total de áreas de disposição irregular até 2018. Para 2014, se espera reduzir este montante de despejo em áreas inapropriadas para 40%.
Já a expectativa de se reciclar e reutilizar todo o lixo de construção anda a passos mais lentos, pois espera-se alcançar um patamar de 80% de reciclagem de todo o entulho gerado no estado apenas em 2033. Para este ano, a meta é reciclar 25% do lixo gerado em obras.
Maia comenta quais os produtos podem ser obtidos da reciclagem do entulho de obras. Os grandes pedaços de concreto podem ser usados como material de contenção para prevenir a erosão nas encostas. Já o entulho triturado pode ser usado na pavimentação de estradas, canalização de córregos, argamassas e concreto. É possível fabricar ainda componentes de construção como blocos, tubos para drenagem e placas.
Quando um produto oriundo do entulho é reciclado, este retorna à cadeia produtiva e a mais uma vida útil ao invés de ser despejado, muitas vezes, em terrenos inadequados a espera de centenas de anos para serem decompostos.
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