(foto Thiago Camara)
Nazaré Paulista – A paisagem inspira. O clima ameno favorece. E as aulas ministradas no Curso Latino Americano de Biologia da Conservação são o pretexto para passar trinta dias absorvendo, refletindo e pondo em prática o que até bem pouco tempo atrás era inédito no Brasil. Em sua 15º edição, o início do curso contou com a presença de dois dos fundadores do Instituto IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), Claudio e Suzana Padua, em sua sede, na cidade de Nazaré Paulista. Eles abriram o caminho para os quase trinta profissionais que vão ajudar a diversa turma de 2010 a cumprir o cronograma extenso, com aulas durante todo o dia, viagens e trabalhos de campo até o dia 3 de dezembro, quando se encerram as atividades.
O curso é a menina dos olhos do Centro Brasileiro de Biologia da Conservação (CBBC). E foi o precursor dos, hoje, cerca de trinta cursos oferecidos ao longo do ano e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, uma parceria do instituto com a Natura. De 1992, quando o IPÊ recebeu a primeira turma, até os dias hoje foi um longo caminho. Por muitas vezes, Claudio foi desencorajado de seguir com o seu sonho de realizar este curso no Brasil.“É preciso uma energia forte para mudar paradigmas. E nós temos todos que dar as mãos para fazer essa mudança. Eu estou tentando gastar minha energia pra empurrar a criação de uma rede que compreende isso e faz essa transformação. E não é a mudança contra o desenvolvimento ou contra a história da nossa passagem por esse planeta. Lutamos pela manutenção do desenvolvimento, mas que ele possa ser sustentável, para garantir do ser humano, que é o objetivo maior nosso”, explica Claudio.
Desde 1995, a rede em prol da conservação ampliou fronteiras no continente americano. Nossos “hermanos” passaram a integrar a sala de aula do futuro CBBC, que fora criado dois anos depois. Os novos alunos eram estimulados a difundirem o conhecimento adquirido em suas regiões. Na turma de 2010, a quantidade de brasileiros e latino americanos é a mesma: oito pra cada lado. Keila Matos, engenheira de recursos naturais sustentáveis, e Gabriela Echevarria, bacharel em estudos ambientais, vieram da Venezuela se capacitar para realizar um sonho, quando voltarem. “Em nosso país é muito difícil conseguir trabalho em institutos de pesquisa e nas universidades. Por isso queremos nós mesmas criar uma organização voltada para a conservação. O IPÊ é um exemplo para nós seguirmos”, empolga-se Gabriela. Para Keila os ganhos com o curso são aumentar seus conhecimentos sobre biodiversidade e fazer intercâmbio de experiências com pessoas de outros países em busca de um benefício em comum. “Aqui podemos saber o que se faz na Amazônia brasileira, colombiana, peruana. Esses países compartilham algumas mesmas espécies de animais e podemos conhecer seus métodos de trabalho e pesquisas para aplicarmos na Amazônia venezuelana”.
A realidade da Biologia da Conservação é traduzida na diversidade dos profissionais que participam do curso. Geógrafos, biólogos, veterinários, engenheiros, educadores e até um publicitário já passaram pela experiência de aprender através da interdisciplinaridade. “A conservação é complexa e você não consegue lidar com isso só sabendo como o bicho vive ou como é o solo pra você plantar árvore. Você tem que saber tudo. O impacto ambiental que aquela região está sofrendo, quais são as práticas humanas ali realizadas. Existe todo um sistema que está influenciando sua área natural”, afirma Suzana Pádua.
O investimento no curso não é barato. Desembolsar quase seis mil reais à vista, não é para qualquer um. Apesar dos alunos disporem de acomodação, as três refeições do dia, acesso à internet e todos os custos com viagens, no período do curso, já contabilizados. Falta de dinheiro não é empecilho. O CBBC trabalha com um programa de bolsas de estudo que pode viabilizar a participação da maioria dos interessados, além de buscarem financiamento externo para garantir a presença dos alunos nas aulas.
Perseverança
A história do curso começou no início da década de 90, quando Claudio Pádua acabara de voltar do seu doutorado nos EUA e queria montar no Brasil um curso de pós- graduação sobre um tema ainda raro no meio acadêmico, a Biologia da Conservação. A primeira porta que ele bateu foi na Universidade de São Paulo. Por dois anos tentou convencer, em vão, a necessidade de um curso como este. “Nesta época o assunto estava em voga nos EUA e meu objetivo era rapidamente abrir o curso no Brasil para formamos uma geração de novos profissionais ao mesmo tempo em que eles estavam surgindo lá fora”, lembra. O sentimento de frustração foi o embrião para a criação do Instituto de Pesquisa Ecológicas (IPÊ), que seria um local independente do meio acadêmico, aberto a investigação e que também pudesse transformar na prática aquilo que era estudado. A perseverança levou à criação do Curso de Biologia da Conservação, em 1992. Suzana conta que no final da década de 80, início dos anos 90, vários pesquisadores do, ainda não criado, IPÊ foram fazer o mesmo curso aplicado pelo pesquisador da Smithsonia, Rudi Rudram, em diversos países do mundo. Com a volta deles ao Brasil, eles resolveram fazer o curso para brasileiros e Rudram autorizou e participou. “Começamos a oferecer esse curso porque ele tem tanto conteúdo que tinha sido importante para nós aprendermos a levar a adiante um trabalho bem executado no campo. Como coletar dados, como analisar seus dados, como trabalhar comunidade, como trabalhar conflito, como montar um projeto de educação ambiental. Neste momento passamos a entender a importância de você passar informações que não estão no meio acadêmico”, afirma Suzana.
Objetivos bem definidos
O Curso Latino Americano de Biologia da Conservação segue a linha de ação do Instituto IPÊ. Desenvolver a pesquisa, desde que ela possa ser colocada em prática e também gerar políticas públicas que integrem as comunidades e a natureza que lhes cerca. Para aproximar o cidadão comum dos conceitos estudados no curso, Suzana acredita que existem desafios pontuais para serem superados. “A comunicação e seus meios podem ajudar a popularizar e despertar o interesse pela conservação. A gente precisa melhorar como profissional, se comunicar melhor e achar temas alegres, que tragam orgulho pelo que nós temos e que não sejam trágicos. E por outro lado, o contato com a natureza, talvez seja a chave para mudar toda uma geração. O incentivo às visitas em áreas naturais desde pequeno. Ao mesmo tempo precisamos trabalhar os adultos também”, propõe ela. Ela terminou sua aula de forma lúdica. Em uma dinâmica os estudantes teriam que resolver todo o complexo cenário socioambiental em que vivemos. Depois de entrelaçados com suas mãos, eles precisariam voltar à roda inicial em que estavam. Com risos e emoção o resultado traduziu um pouco do que é o Instituto IPÊ, um espaço onde se encontra respeito, sensibilidade, compreensão e integração entre o homem e natureza.
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