
Entretanto, há uma década, a capital gaúcha sofreu uma transformação no seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) e perdeu a demarcação oficial da sua área rural, que protegia a região sul. Desde então, ela sofre com a urbanização e consequente redução das áreas naturais. A mudança criou dificuldades para os pequenos produtores de alimentos orgânicos locais.
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Há 30 anos vivendo da terra, no extremo sul da cidade, a agricultora Mary Angela Fernandes Ferreira pôde vivenciar as mudanças decorrentes do último plano diretor da capital gaúcha. Vizinha de um dos maiores loteamentos da região, o condomínio residencial Terra Ville, Mary logo sentiu os primeiros impactos da urbanização. “Ao cercarem o loteamento, os animais silvestres começaram a invadir e atacar nossas hortas, pela redução do seu habitat natural. Já percebemos um aumento de ratão do banhado e tartarugas pela ausência de predadores. Ou seja, para manter aquele lugar de moradia urbana magnífico, o entorno sofre um desequilíbrio ecológico”, diz a agricultora.
Mary também ressalta a redução da quantidade de mata nativa, como a árvore Maricá. Essa espécie é uma esponja de água da chuva e era a principal resonsável pela sua absorção nas épocas de maior precipitação. “Para os produtores da antiga zona rural, isso resulta em hortas perdidas e mais alagamentos nos períodos de chuva forte”, lamenta.
Mesmo com todas as dificuldades atuais, Mary acredita na luta pela demarcação da zona rural e reconhecimento do chamado cinturão verde da capital gaúcha. E parece que a ideia tem chance de vingar. É promessa de campanha do atual prefeito, José Fortunati (PDT), devolver a demarcação da zona rural ao plano diretor da cidade. Resta saber se a promessa sobrevive à eleição.
Coalizão pró verde
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A união entre organizações não governamentais e pequenos produtores de alimentos orgânicos da capital gaúcha criou o projeto Cinturão Verde POA, para defender a importância da área verde e produtiva. Após longa luta e protestos, as demandas do grupo foram ouvidas e um grupo de trabalho foi criado para avaliar a situação.
Segundo o diretor da Divisão de Fomento Agropecuário da Prefeitura de Porto Alegre, Antonio Bertaco, uma comissão técnica deve apresentar em breve o resultado de levantamentos comparativos entre os planos diretores antigos da cidade, identificando as propriedades rurais e núcleos habitacionais da região. O grupo de trabalho (designado em portaria, na página 6 do Diário Oficial) avaliará o levantamento e usará os dados para fundamentar a proposta de remarcação da região rural.
O prefeito Fortunati não hesita em afirmar que Porto Alegre é a capital brasileira que mais produz alimentos. Entretanto, desde 2000, com a exclusão da zonal rural do plano diretor, a região sul começou a ser urbanizada e integrada ao restante da cidade. Ainda relativamente livre de construções, ela é cobiçada para implantação de condomínios residenciais e os pequenos agricultores ficaram em segundo plano.
Segundo Felipe Viana, da ONG Instituto Econsciência, o plano diretor foi alterado em 2000, porque na época pensava-se que a área verde do extremo sul da capital era a única fronteira para o crescimento da cidade. Somado a isso, acreditava-se que a prefeitura não era capaz de controlar os crescentes loteamentos irregulares na região, pois áreas rurais pertencem à União e, logo, ficam fora da alçada municipal. A transformação da região em zona urbana traria de quebra um aumento na arrecadação do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
Uma década depois, verifica-se que a prefeitura não foi capaz de conter os loteamentos irregulares, que continuaram a prosperar. Em 2004, um levantamento encontrou 142 loteamentos irregulares ou clandestinos na região. A arrecadação de IPTU também não deu um salto, pois a maioria dos agricultores seguiu pagando à União o ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural). “Arrisco a dizer que foi um equívoco terminar com a zona rural de Porto Alegre. Além de a prefeitura não ter alcançado os seus objetivos, perdeu a oportunidade de explorar vazios urbanos na área de ocupação intensiva como, por exemplo, próximo ao Centro da cidade”, diz Viana.
Loteamento populares também são problema
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Seria injusto dizer que os problemas da antiga zona rural se resumem à construção de loteamentos como o Terra Ville. Trata-se apenas de um caso emblemático, por ser um dos maiores e mais luxuosos empreendimentos da região. Viana destaca também os incentivos do Governo Federal ao programa Minha Casa, Minha Vida, que estimularam as construtoras a buscarem terrenos baratos na zona sul, para erguerem empreendimentos para o público de baixa renda.
“Não quero negar que Porto Alegre precisa de aproximadamente 38 mil novas habitações, mas o local da construção de condomínios é questionável. A pressão na região é mais do que uma necessidade de urbanização. É a vontade das construtoras de comprar terras em locais sem infraestrutura, longe de postos de saúde e escolas, por exemplo, para pagar barato e lucrar o máximo com as vendas”, dizViana. Como ele, outros os críticos veem no mecanismo uma forma investir barato e esperar que a prefeitura arque com o ônus de construir a infraestrutura que, assim, multiplicará o valor dos negócios privados.
Viana enfatiza que as entidades que defendem o cinturão verde de Porto Alegre não são contra a construção de moradias do Minha Casa, Minha Vida ou qualquer outro empreendimento. Mas sim a favor de mapear onde estão os vazios urbanos na cidade, dentro da área de ocupação intensiva e não na área de ocupação rarefeita. Nelas, defende que a prioridade seja a produção agroecológica.
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Na gestão atual e em anteriores, a prefeitura criou projetos para valorizar o cinturão verde, como o Caminhos Rurais e Feiras Ecológicas.O primeiro incentiva o turismo na região sul da cidade. O segundo cria uma alternativa para o escoamento dos produtos orgânicos produzidos pelos agricultores da capital e de outras cidades gaúchas que fiquem a até 200 km da capital.
Viana também levanta a bandeira da biodiversidade da região. Animais como o raro bugio ruivo (foto), graxaim e a capivara convivem bem com as propriedades rurais. Conectadas por corredores ecológicos, elas resguardam o habitat das espécies locais.
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