Análises

Compensação ambiental como instrumento para conservação

Nossos parlamentares têm em mãos a oportunidade de contribuir para destravar um volume significativo de recursos que serão investidos nas áreas protegidas brasileiras

Marcia Hirota · Erika Guimarães ·
10 de abril de 2018 · 7 anos atrás
Audiência pública sobre a MP 809/17, que autoriza a criação de fundo para gerir compensação ambiental. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados.

O instrumento de compensação ambiental previsto na Lei 9985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), foi regulamentado pelo Decreto 4340/2002, mas a aplicação dos recursos advindos dessas atividades no âmbito federal não tem fluído com a agilidade necessária.

Segundo o artigo 36 da Lei, obras de infraestrutura e outros empreendimentos de significativo impacto ambiental devem compensar tais impactos como parte do processo de licenciamento, destinando recursos financeiros para as unidades de conservação (UCs) diretamente afetadas.

Nestas situações, os recursos financeiros devem ser usados prioritariamente para a regularização fundiária e demarcação das terras. Podem também ser investidos na gestão dessas unidades, como na elaboração, revisão ou implantação de planos de manejo, na aquisição de bens e serviços ou ainda no desenvolvimento de estudos e pesquisas que auxiliem a criação de novas UCs ou a gestão das existentes.

O dinheiro da compensação pode ser executado de duas maneiras: execução direta, quando o empreendedor assume a contratação de serviços e projetos destinados para UCs indicadas no processo de licenciamento. Ou indireta, quando o empreendedor deposita o dinheiro devido e sua aplicação fica a cargo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia responsável pela gestão dos parques e reservas federais.

A execução direta não tem motivado os empreendedores, já que as ações propostas, em geral, estão fora da sua área de atuação. Já a execução indireta tem esbarrado na baixa agilidade financeira que os órgãos públicos demonstram. Além disso, esse dinheiro não deve passar pelos cofres públicos, já que correria o risco de ser contingenciado devido ao teto para os gastos públicos.

“Cerca de R$ 220 milhões já foram destinados para as UCs federais entre 2009 e 2016. No entanto, o ICMBio conseguiu aplicar apenas a metade desse valor. Uma das barreiras para que o recurso chegue ao seu destino final tem sido a falta de um mecanismo que permita a sua operacionalização de maneira eficiente e transparente.”

Cerca de R$ 220 milhões já foram destinados para as UCs federais entre 2009 e 2016. No entanto, o ICMBio conseguiu aplicar apenas a metade desse valor. Uma das barreiras para que o recurso chegue ao seu destino final tem sido a falta de um mecanismo que permita a sua operacionalização de maneira eficiente e transparente. Se considerarmos que as estimativas do ICMBio apontam a existência de cerca de R$ 1,5 bilhão já disponíveis para serem investidos nas UCs brasileiras, é imperativo destravar esse recurso e investir na consolidação das nossas áreas protegidas.

Pensando em conferir a agilidade necessária a esse processo e destravar o recurso já destinado, o governo federal editou, no final de 2017, uma Medida Provisória (MP 809/2017) para dar segurança jurídica e regular os procedimentos relativos à compensação ambiental. A MP propõe, dentre outras iniciativas, a criação de um Fundo de Compensação Ambiental.

Segundo a proposta, a gestão do recurso ficará a cargo da instituição financeira selecionada pelo ICMBio – um banco público, conforme prevê a MP 809 – que poderá contratar os serviços e fazer a aquisição de bens para as unidades. Esse mecanismo deve viabilizar a aplicação de mais de 1 bilhão de reais em parques e reservas em todos os biomas do Brasil. Só na Mata Atlântica a estimativa é de cerca de R$ 400 milhões de reais em investimento. Esse recurso pode mudar o cenário da implementação dessas UCs, bem como contribuir para o fortalecimento de todo o sistema.

Importante destacar que a instituição financeira fará a aplicação dos recursos com base no planejamento de ações feito pelo ICMBio. A prioridade é investir justamente na regularização fundiária, isso é, na aquisição de propriedades privadas no interior das UCs, contribuindo para resolver um dos maiores passivos das áreas protegidas do país.

“Segundo a proposta, a gestão do recurso ficará a cargo da instituição financeira selecionada pelo ICMBio – um banco público, conforme prevê a MP 809 – que poderá contratar os serviços e fazer a aquisição de bens para as unidades. Esse mecanismo deve viabilizar a aplicação de mais de 1 bilhão de reais em parques e reservas em todos os biomas do Brasil”.

Outro tema tratado pela MP diz respeito à contratação de serviços temporários, de nível médio, para apoiar em ações de prevenção e combate a incêndios, de conservação, manejo, pesquisa e uso sustentável nessas áreas protegidas. Um reforço muito bem-vindo para a operação e gestão dos nossos parques e reservas.

Uma comissão mista formada por senadores e deputados foi constituída no começo de março para votar a conversão da medida provisória em Lei. Duas audiências públicas foram realizadas no Congresso Nacional para ouvir as contribuições da sociedade civil e dos órgãos públicos envolvidos no processo. O deputado Assis do Couto (PDT-PR) foi eleito presidente da comissão e a relatoria ficou por conta do senador Jorge Viana (PT-AC). A Medida Provisória recebeu mais de trinta emendas, uma parte delas consideradas “jabutis”, ou seja, que não tem relação direta com o tema, e essas foram vetadas no relatório do senador Jorge Viana, levado para votação da Comissão no começo de abril.

Dentre as emendas aprovadas, merece destaque a de número 30, que viabiliza a concessão de serviços voltados à educação ambiental e às atividades de visitação, recreação e turismo nas UCs federais. Além de ampliar a parceria com o setor privado, essa emenda também garante a parceria com comunidades locais e populações tradicionais que vivem em unidades de uso sustentável, ampliando e melhorando a oferta de serviços e, por conseguinte, a experiência dos usuários das nossas áreas protegidas.

O projeto aguarda agora a votação em plenário da Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o que deve acontecer até o início de maio deste ano.

Nossos parlamentares têm em mãos a oportunidade de contribuir para destravar um volume significativo de recursos que serão investidos nas áreas protegidas brasileiras. Ganham as UCs, com a dinamização dos investimentos na sua implementação. Ganham as empresas, que conseguem cumprir com parte importante da sua obrigação no processo de licenciamento ambiental. Ganham as comunidades do entorno, contribuindo na geração de trabalho e renda promovendo o desenvolvimento regional. E ganha a sociedade, ao receber parques e reservas melhor implementados, com estrutura e imprescindíveis serviços ambientais que eles oferecem para todos nós.

 

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  • Erika Guimarães

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Comentários 1

  1. Michel diz:

    A grande questão é: o que a instituição financeira poderá fazer melhor ou diferente que o ICMBio pode atualmente mas não consegue? Quais as limitações do órgão?
    Ou dizendo de outra forma, o que é exatamente o tal "mecanismo que permita a operacionalização do recurso de maneira eficiente e transparente."?