Carlos Minc vai assumir o Meio Ambiente em um momento crítico. O desmatamento retornou e cresceu na estação baixa. Agora começa a estação alta de derrubada – ou abertura, como dizem os pecuaristas na Amazônia – e, mais adiante, virá a das queimadas. A saída de Marina Silva certamente dará início a um forte assédio de ruralistas e outros setores interessados na imobilização da regulação ambiental. Por causa das circunstâncias em que se deu a saída da ministra, há temor e descrédito com relação à real disposição do presidente Lula de contrariar os impulsos “desenvolvimentistas” do governo de modo a equilibrá-los com as condicionantes ambientais. A visão nesses setores é que venceram e que o ministério de agora em diante estará subordinado a seus interesses.
Há uma dificuldade ideológica insolúvel no curto prazo. Os grupos econômicos – e muitos ambientalistas – ainda vêem a questão ambiental como uma questão de limites. Em alguns casos, como da China e da Índia, dependentes de carvão para produzir a maior parte de sua energia, pode ser. É difícil substituir o carvão em larga escala, com rapidez, sem recorrer a fontes hídricas ou à energia nuclear. No Brasil, não temos um dilema energético, como esses países têm, temos má política energética, totalmente desvinculada da política climática e ambiental. A Amazônia está ameaçada por um assédio ilegal à floresta, não pela necessidade de expansão da fronteira agrícola. Temos terra para produzir, para criar rebanhos e para bioenergia, sem precisarmos avançar sobre a Amazônia ou o Cerrado. É que a terra de desmatamento não tem preço para quem a ocupa, seu preço é socializado da pior forma possível, pela sociedade e pelo planeta. A terra disponível para a agropecuária se expandir sem desmatar tem preço e exige investimento. Disso Minc entende há muito tempo.
Ou seja, no Brasil, meio ambiente, levado a sério, condiciona, mas não limita. Condicionar implica em regular o mercado, revelando o custo social embutido em decisões privadas predatórias.
O que os grupos de interesse que se opõem dentro e fora do governo à política ambiental não querem é condicionamentos, porque limites, ele não têm enfrentado e, nas condições atuais, nem são necessários. Essa diferença entre limites e condicionantes permite flexibilidade à política ambiental, que muitos ambientalistas rejeitam. O que Carlos Minc terá que obter do presidente Lula, na sua primeira conversa, é um esclarecimento sobre o que significa sua declaração pública, ao comentar a saída de Marina Silva. O presidente disse que “não existe política de ministro, existe política de estado. Tomada a decisão, todos têm que obedecer”. Lula confunde estado e governo. Se estava se referindo à política de governo, significa que o ministro do Meio Ambiente tem que obedecer a ela, mesmo quando ela fere os princípios da legislação ambiental? A política de estado não é a definição transitória de políticas públicas pelos governos. É a regulação geral e setorial para manter as ações públicas e privadas nos limites da lei. O IBAMA é um órgão regulatório e, por isso, não pode cumprir decisões governamentais que firam a legislação ambiental, por exemplo. O primeiro desafio de Minc, dado que o cargo de ministro é um cargo de governo, é saber quais serão os limites de autonomia no exercício da atividade regulatória. Que, como ministro, tenha que formular políticas públicas em conjunto com os demais ministros é do jogo. Mas todos têm que respeitar os limites da lei.
Minc terá outros desafios, fora do governo. De cara, ganhar confiança e credibilidade junto aos setores que vêem sua ida para o ministério como uma decisão de instalar uma gestão pragmática – para não dizer complacente – subordinada aos interesses econômicos contrariados pelos condicionantes ambientais. Fundamentalmente, o novo ministro terá que definir, com rapidez e competência, sua posição e sua equipe para lidar com a questão da Amazônia e com a questão climática. A Amazônia pode não ser o único problema ambiental do Brasil, mas é o desafio central e mais crítico. Nos temas urbanos, Minc tem experiência suficiente para em querendo e podendo fazer uma boa gestão.
Quais as vantagens que Minc leva para o ministério? Sua militância ambiental, que vem de longe. Como secretário, teve uma gestão controvertida. Conheço muita gente que a condena como tolerante demais. Eu tenho dúvidas sobre algumas das decisões na área industrial. Acho que a flexibilidade ultrapassou, em alguns pontos, a fronteira entre o realismo e a tolerância. Minc expõe a seu favor o veto ambiental a uma termelétrica que seria, sem dúvida, o pior dos projetos do governo Cabral. Tem experiência política, embora limitada à política estadual. Mas, como militante, esteve várias vezes no front nacional. Tem boas relações nas redes que podem ajudá-lo a montar uma equipe competente. Pode ter respaldo político nos dois grandes partidos da coalizão governamental, o seu PT e o PMDB, de Sérgio Cabral. No PMDB, encontrará uma parte daqueles que hoje assediam o meio ambiente para paralisá-lo. Mas eles estão em toda parte, inclusive no DEM e no PSDB. Uma de suas batalhas políticas, por exemplo, pode ser evitar a aprovação do projeto patrocinado pelo tucano Flexa Ribeiro, que quer relaxar o limite da reserva legal na Amazônia, mas que tem sólidos apoios no PMDB. Aproveitando o vazio de poder com a saída de Marina Silva, a Câmara aprovou a MP da grilagem. Ela vai ao Senado, agora.
A maior vantagem política é que, por contraditório que possa parecer, o movimento de Marina Silva pode virar o jogo a favor do novo ministro. Ao sair, no momento de maior fraqueza, quando o presidente diz que ela não é isenta para comandar as ações pela sustentabilidade da Amazônia e convoca um estrangeiro na questão amazônica e ambiental, o professor Unger, para esse comando, pode mudar o contexto político por causa da mobilização da preocupação nacional e internacional com a Amazônia. A opinião pública informada no Brasil e a opinião pública mundial ficarão de olho para ver se o governo capitulou aos interesses daqueles que devastam a Amazônia de forma oportunista e ilegal, querem o crescimento a qualquer custo, buscam no atraso práticas que reduzam seus custos e aumentem seus lucros e desprezam a ameaça da mudança climática global. Para ter legitimidade, credibilidade e honrar sua militância, Minc terá que mostrar que não. Por ser de fora pode coordenar uma coalizão de cérebros para pensar juntos uma nova agenda para a Amazônia. Sem uma agenda nova, é difícil encontrar o caminho da preservação da floresta.
Outra vantagem de Minc pode estar na gestão. No momento, a idéia dominante é que ele, como gestor, foi expedito no licenciamento. Mas boa gestão pode ser, também, ser expedito na regulação. Que o MMA precisa ter sua gestão melhorada não há dúvida. Minc terá, por exemplo, com a experiência que teve no Rio ao unificar os órgãos de regulação ambiental, resolver o impasse da mudança açodada e mal feita que dividiu o IBAMA, deixando-o praticamente paralisado e criando o ChiBio, que nunca conseguiu se mover. Ouvi muitos elogios à capacidade de gestão e à resolução nas decisões durante sua passagem pela secretaria no Rio, como uma surpresa, dado que, até então, sua experiência era apenas parlamentar.
Não é tarefa fácil, assumir o ministério nessas condições. Por isso mesmo, é uma grande oportunidade. O Brasil pode se desenvolver, com mais qualidade e bem-estar, preservando a Amazônia e acelerando a conversão de nossa economia para baixos níveis de emissão de carbono. Um ministro do Meio Ambiente não precisa brecar o progresso, só usar de persuasão e decisão regulatória, para direcionar o progresso para aquelas rotas que obedeçam as condicionantes ambientais. O problema é que o governo tem um projeto todo ele dominado pela visão de progresso que foi dominante na virada da segunda metade do século XX. O Rio de Janeiro também. E isso Minc não vai mudar.
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