Enquanto os sistemas que monitoram a Amazônia confirmam o aumento do desmatamento no mês de março e no primeiro trimestre de 2020, com relação ao ano anterior, o número de focos de queimadas no bioma caiu cerca de um terço no acumulado dos três primeiros meses. De acordo com os dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no mês de março a queda foi ainda maior, de cerca de 50% no número de queimadas. Os dados apurados por ((o))eco não são, entretanto, motivo de comemoração, pois seguem acima da média para o período.
Em 2019, a queimada na Amazônia virou assunto internacional. O ano passado bateu recordes de focos de queimadas em março e abril, com 3.383 e 1.702 focos respectivamente. Em 2020, houve uma desaceleração de cerca de 50% no mês de março, com registro de “apenas” 1.641 focos. Apesar da redução, o número ainda está acima da média histórica para o período. Em abril, até o dia 22 (data anterior ao fechamento desta reportagem), o monitoramento havia registrado 595 focos.
“No contexto geral, eu diria que o cenário não é tão animador assim. Caiu, mas ainda está acima da média. Então também é preocupante. O ano de 2019 foi um ano muito complicado do ponto de vista das queimadas. Então a queda de queimadas em relação ao ano anterior não significa que o número de focos está baixo, até porque os dados do INPE mostram que os números de 2020 ainda estão acima da média, com exceção de janeiro e até o momento abril, mas ainda faltam 7 dias pro final do mês”, explica o pesquisador do Programa de Queimadas do INPE, Alberto Setzer.
O pesquisador lembra também que o começo do ano é apenas a ponta do iceberg quando o assunto são as queimadas na Amazônia, pois o auge do fogo na região ocorre historicamente nos meses de julho a outubro, durante a seca. “O início do ano sempre tem números baixos, pois é o período chuvoso. É mais pro final do ano, com a estiagem, que o povo começa a queimar. 95% do que vai queimar na Amazônia vai acontecer nesse período. É muito cedo para tentar adivinhar o que vai acontecer esse ano”, explica.
Setzer argumenta ainda que o cenário para o ano depende de fatores como o clima, a economia, o setor agropecuário e a própria situação da fiscalização e dos órgãos ambientais.
Os três primeiros meses de 2020 somaram 4.037 focos de queimadas, uma redução de 35% em relação a 2019, quando no mesmo período foram registrados 6.170 focos na Amazônia.
Os índices do desmatamento tiveram um rumo contrários no mesmo período, com crescimento de 63%, de acordo com os dados do DETER (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), também do INPE. O número saltou de 503 km² desmatados em 2019 para 796 km² no primeiro trimestre deste ano. O sistema do DETER mostra o quanto de desmatamento foi detectado nesses meses e não o que efetivamente foi desmatado no período.
“Esse índice alto de desmatamento agora nos próximos meses pode induzir ao aumento de queimadas ou talvez os desmatadores da Amazônia tenham mudado de estratégia e não estejam mais fazendo queimadas justamente porque era isso que estava acionando vários alarmes de destruição da floresta”, analisa o pesquisador associado do Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (CEIBAM/Inpa), Lucas Ferrante, em referência à grande mobilização nacional e internacional feita em 2019 quando as queimadas na Amazônia escureceram o céu de São Paulo e chamaram atenção do mundo.
O pesquisador aponta que esses números só expõem ainda mais quão falhas e ineficazes têm sido as ações do governo para tentar mitigar a devastação da floresta. “O Exército Brasileiro foi colocado no combate intensivo às queimadas na Amazônia. Só que a queimada ocorre depois que o desmatamento já foi feito, que é justamente para limpar a área. Isso mostra como as ações do Exército podem ser completamente ineficazes. O desmatamento está explodindo nesse momento, mas as queimadas não, então a destruição da floresta não está mais tão associada à queimada e sim ao desmatamento direto, o corte raso”, completa Lucas.
Na opinião do pesquisador, o governo falha reiteradamente na missão de proteger a floresta, “outro exemplo de ineficácia é o Conselho da Amazônia que foi formado agora pelo Vice-Presidente General Mourão e que é composto por 19 militares e não possui nenhum especialista do Ibama nem de nenhum outro órgão ambiental”, acrescenta.
Efeito quarentena
Numa análise preliminar, os números, tanto de queimadas quanto do desmatamento, não parecem ter sido muito afetados pela pandemia do coronavírus e do confinamento recomendado. “No começo da quarentena houve uma diminuição significativa no desmatamento, que talvez se justifique pelo menor trânsito de pessoas, mas o que a gente tem observado agora que a quarentena já está consolidada é que os números triplicaram. A gente não tem mais como dizer que a quarentena diminuiu o desmatamento”, pondera Lucas.
Para fins de análise, ((o))eco observou a curva dos números a partir do dia 11 de março, quando a movimentação sobre o coronavírus se acentuou no país e os estados começaram a implementar restrições e estimular a quarentena. Os dados do DETER de avisos de desmatamento entre o dia 11/03 e 09/04 (data da última atualização do sistema), detectaram o desmatamento de 487,96km². O que chama atenção é que, entre os dias 14 e 22 de março, não houve nenhum registro de desmatamento (0km²), o que pode sugerir que de fato houve um freio inicial causado pela prevenção – ou medo – do COVID-19.
O freio, entretanto, não durou muito, e logo após a “retomada”, nos 18 dias que se seguiram (23/março a 09/abril) o desmatamento deu um salto exponencial e foram detectados 411,39km² de solo exposto e floresta derrubada.
As queimadas, entretanto, se mantiveram desaceleradas em relação à 2019. Entre 1º de março de 2020 e 22 de abril (dia anterior ao fechamento desta matéria), o monitoramento do INPE havia registrado 2.236 focos de queimadas na Amazônia, uma queda de 53% com relação ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 4.798 focos. Quem lidera o número de focos é o Mato Grosso com 1.172 focos. Completam o ranking os estados de Roraima (819 focos), Pará (93), Amazonas (85) e Rondônia (56). A queda mais expressiva foi registrada no estado de Roraima que teve uma redução de mais de 75% no número de focos.
Quando comparado o número de focos a partir do dia 11 de março deste ano, são 1.613 focos até o dia 22 de abril versus 2.236 no mesmo período em 2019.
Apesar dos números em queda, o fato do desmatamento seguir em crescimento acelerado combinado com as medidas pouco eficazes do governo no combate à destruição da floresta são um alerta de que o cenário permanece sombrio.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) divulgou uma Nota Técnica na qual analisa o fogo e o desmatamento em 2019 e explica que “a análise dos dados do ano passado demonstra o efeito positivo de ações de fiscalização e controle do uso do fogo na Amazônia, principalmente no período da moratória das queimadas (setembro e outubro de 2019). Elas foram necessárias antes e devem ser mantidas agora, especialmente considerando que quase um terço dos focos de calor registrados em 2019 aconteceu em terras públicas sem destinação – ou seja, efeito de grilagem –, que se intensificou no primeiro trimestre de 2020, num verdadeiro roubo de patrimônio público dos brasileiros. Contudo, ao contrário do que aconteceu em 2019, o esforço em campo deve coibir também o desmatamento, visto que são duas faces de uma mesma moeda. Sem estratégias que mirem ambos os problemas conjuntamente, espera-se pouca efetividade de qualquer plano governamental de controle do fogo na Amazônia”.
A Nota Técnica alerta ainda que a temporada de queimadas deste ano poderá ser igualmente – ou até mais – severa, pois o desmatamento gera um acúmulo excessivo de matéria seca, combustível ideal para as chamas se converterem em incêndios florestais.
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Assim que funciona: tiram a madeira de maior valor, queimam, tombam com correntão, queimam, enleiram, queimam as leiras ou pavio, preparam o solo e metem lavoura. Ou tiram a madeira de maior valor, queimam, jogam capim, põe gado por um tempo e vão tirando madeira de menor valor, queimam, tombam com correntão, queimam, enleiram e metem pasto, queima as leiras e virou pastagem.