O Amapá não é muito lembrado quando se fala em conservação da Amazônia. Mas deveria ser. Menor estado da região, é proporcionalmente o mais preservado. Estima-se que 94% da natureza no Amapá se encontre em condições praticamente inalteradas. E não apenas o que se chama de floresta amazônica. Em suas baixadas formam-se áreas alagadas e as maiores extensões de mangue do país. No planalto há vegetação montana – uma variação de floresta atlântica. Ao sul e sudeste, cerrado. E, em todo o estado, uma biodiversidade abundante como só os locais inexplorados podem ter.
Foi pensando em desvendar essa riqueza e favorecer a criação de planos de manejo para as áreas preservadas que a Conservação Internacional — uma das ONGs ambientalistas mais importantes do mundo, com marcante atuação no Brasil — resolveu promover uma série de expedições científicas ao chamado Corredor de Biodiversidade do Amapá.
A primeira expedição, terminada no dia 17 de agosto, foi à Floresta Nacional do Amapá (foto). A equipe de 22 pessoas passou 16 dias acampada na selva, coletando amostras da fauna e da flora da região. Participaram da expedição sete pesquisadores, dez assistentes de campo, um analista do Ibama e quatro integrantes do Exército (3° Batalhão de Infantaria de Selva), um deles especialista em salvamentos.
Cada expedição procura abranger um raio de 3 quilômetros, delimitado de forma a alcançar uma boa diversidade de hábitats. Assim, a pesquisa na Floresta Nacional cobriu áreas de terra firme, maciços de pedra (um deles com uma altura próxima à do Pão de Açúcar) e área alagada. Foram coletados peixes, crustáceos, répteis, anfíbios, mamíferos, aves e plantas. O Ibama autorizou a coleta de no máximo seis exemplares de cada espécie. No caso dos mamíferos de médio e grande porte, como onças e macacos, a equipe recolheu apenas informações por observação visual e “armadilhas fotográficas”, disparadas automaticamente com a passagem dos animais. A identificação de pegadas e sons de onças pintadas e pardas, aliás, foi considerada um sinal de que a floresta está muito bem preservada, uma vez que esses animais estão no topo da cadeia alimentar.
Os pesquisadores estão certos de terem coletado espécies ainda desconhecidas pela ciência. O biólogo Enrico Bernard, chefe das expedições, adianta que há indícios de novas espécies de sapos, peixes, caranguejos, lagartos e plantas no material recolhido. O trabalho de identificação de todas as espécies fica pronto em 45 dias.
Outras expedições – O Corredor de Biodiversidade do Amapá foi mapeado tomando por base as reservas, parques e áreas preservadas do estado. Ele permite a comunicação dos diferentes ecossistemas e o trânsito das espécies. Dada a extraordinária preservação ambiental da região, o Corredor cobre a maior parte do território do Amapá: dos 14 milhões de hectares do estado, 10 milhões estão no Corredor de Biodiversidade. O que garante muito trabalho aos cientistas, e certamente muitas descobertas pela frente.
Serão ao todo 15 expedições. A próxima, com início marcado para 11 de setembro, terá como destino o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Com seus 3,8 milhões de hectares, Tumucumaque é o maior parque de florestas tropicais do mundo. Por isso, 5 das 15 expedições acontecerão lá. Serão pesquisados ainda a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Iratapuru (3 expedições); o rio Oiapoque, que delimita a fronteira do Brasil e serve de comunicação entre os Parques Nacionais de Tumucumaque e Cabo Orange (2 expedições); a costa leste do estado, entre o Parque Cabo Orange e a Reserva Biológica do Lago Pirituba (2 expedições); e o Cerrado, que apesar de pertencer ao Corredor de Biodiversidade não conta com nenhuma área de proteção ambiental (1 expedição). Também está programada uma segunda expedição à Floresta Nacional do Amapá (ver mapa).
A maioria das viagens acontecerá por rio, com os obstáculos previsíveis em aventuras do gênero, como grossas árvores caídas atravessando o caminho e quedas d’água que muitas vezes obrigam a equipe a descer do batelão e seguir o trecho por terra. Mas uma das incursões a Tumucumaque terá que ser feita de helicóptero, com pouso programado para um cocuruto de pedra.
As expedições acabam em abril de 2005. Como resultado, um acervo inédito de informações sobre a biodiversidade amapaense. Os dados serão integralmente repassados ao Ibama, IEPA (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá) e Secretaria Estadual de Meio Ambiente, parceiros do projeto.
Segundo Enrico Bernard, além de contribuir para o conhecimento da riqueza ambiental do estado, desconhecida no Brasil, as informações serão fundamentais para embasar os planos de manejos das Unidades de Conservação do Amapá. Nenhuma área de preservação do estado conseguiu elaborar esse instrumento, por falta de recursos e estrutura para promover investigações científicas desse porte. No gigante Parque Montanhas do Tucumaque, por exemplo, apenas recentemente foi inaugurado um escritório de apoio para o representante do Ibama. “O último concurso do Ibama garantiu pessoal para todas as unidades federais. O que falta é infra-estrutura”, explica Enrico.
Recursos – A Conservação Internacional conta com US$ 1 milhão para promover as ações de pesquisa e investimento nas Unidades de Conservação do Amapá. As quinze expedições deverão custar cerca de R$ 700 mil, e o restante dos recursos será repassado às Unidades de Conservação, a maior parte em forma equipamentos e bens materiais que auxiliem a operação dos parques e reservas.
Fato raro no Brasil, no Amapá a preservação ambiental parece estar vencendo a corrida contra a devastação. As principais ameaças enfrentadas pelo estado são a exploração de minérios, a garimpagem ilegal e os assentamentos de reforma agrária. A região do Cerrado, como vem acontecendo no resto do país, é a mais agredida, com a proliferação de plantações de pinus e eucalipto. E, claro, a soja. A praga ambiental do momento demorou mas chegou ao Amapá. Este mês foi relizada a primeira colheita de soja no estado.
Mas a preservação ainda está na frente. O Amapá pode tornar-se um verdadeiro laboratório dos benefícios da conservação ambiental. É a aposta do biólogo Enrico: “Dá tempo de evitar os erros que foram cometidos em outras regiões da Amazônia”.
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