De tempos em tempos, surgem notícias sobre queimadas devastando áreas de preservação, parques estaduais ou nacionais. No dia da Independência, foi a vez da Chapada dos Guimarães. As notícias dizem-nos que 5% de sua área foi devastada pelo fogo. Então, nos damos conta dos magros recursos geralmente colocados à disposição das equipes de combate a incêndios florestais. O que vemos é o fogo ser contido apenas após uma enorme perda de vegetação e de fauna. Fica evidente, então, a necessidade do uso de recursos adequados, comprovadamente eficiente nesses casos: aeronaves especializadas em combate a incêndios!
Nosso país continua mal protegido contra grandes calamidades provocadas pelo fogo. Os Corpos de Bombeiros militares, instituições às quais, constitucionalmente, estão atribuídas as tarefas de Defesa Civil, não estão equipados adequadamente, não têm pessoal treinado e nem recursos orçamentários para enfrentar, por exemplo, um grande incêndio florestal. Nas grandes empresas de reflorestamento e de celulose, cuja matéria-prima provém de florestas cultivadas, os investimentos em proteção contra incêndios têm-se limitado à infra-estrutura destinada à detecção dessas ocorrências. Muito pouco, quase nada, tem sido aplicado em equipamentos e treinamento de pessoal para o combate eficaz aos incêndios florestais.
A estrutura oficial está no Ministério do Meio Ambiente, mais especificamente no Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), que dispõe de um programa denominado Prevfogo para cuidar dos incêndios florestais. Ao que sabemos, o Prevfogo teve geralmente uma atuação mais burocrática, de supervisão e repressão (aplicando multas) e pouca ação para a contenção e extinção dos incêndios florestais. Em geral, como no caso da Chapada dos Guimarães, o Prevfogo vem a público apenas para constatar os danos e queixar-se da população (desta vez, “de turistas e donos de chácaras na região”). Indignado, o coordenador do Prevfogo em Mato Grosso, Romildo Gonçalves da Silva, declarou que “é preciso que as pessoas tenham um mínimo de respeito pelo meio ambiente”. De quem, realmente, deveria ele se queixar?
O fato é que o Ibama parece não dispor de pessoal e de meios necessários para que se converta no órgão central daquilo de que de fato precisamos: um efetivo sistema nacional voltado para a prevenção, previsão, detecção, alarme, controle e extinção de incêndios florestais, com usos evidentes também para outras ações de Defesa Civil. Em nosso país vemos que se pode até detectar ocorrências de incêndios florestais em tempo – aliás, parece que nisto temos avançado – mas, seguramente, com os meios de que dispomos, somente será possível controlar esses incêndios após grandes perdas de áreas plantadas.
Quanto aos grandes incêndios urbanos, o panorama não é melhor. Os equipamentos convencionais em muitos casos apenas debelam o fogo após graves perdas que poderiam ser evitadas ou minimizadas com uso de meios aéreos para o seu combate. Em muitos países, justamente aqueles em que melhores são os resultados na proteção de florestas contra a ação do fogo, a aviação há muito vem sendo utilizada como ferramenta essencial no combate a incêndios.
Alguns países usam suas Forças Armadas ou organizações públicas para operar esse serviço. Em outros, de forma exclusiva ou complementar, atuam empresas aéreas especializadas. Algumas dessas empresas, verdadeiros “mambembes aeronáuticos”, percorrem o mundo oferecendo os seus serviços nas estações secas, mais favoráveis a incêndios, das diversas regiões. Mobilizam-se helicópteros e aviões especializados de vários tipos em verdadeiras “forças-tarefas” que permanecem de plantão 24 horas por dia atentas aos chamados das entidades de Defesa Civil.
Várias aeronaves vêm sendo adaptadas para o uso contra-incêndio: desde os velhos Catalinas (anfíbios, muitos ainda em perfeita e confiável operação, sobretudo no Canadá) até os conhecidos C-130 Hércules (que a nossa Força Aérea – FAB – opera). Na Itália, um modelo de fabricação nacional, semelhante ao Búfalo que a FAB ainda opera, também é conversível para a missão contra-incêndio. Como avião especialmente projetado para o combate ao fogo há ainda o CL-415 (equipado com turboélices), fabricado pela Canadair/Bombardier Inc. (infelizmente, hoje, de certa forma persona non grata no Brasil, dada a complicada disputa comercial que tem mantido com a nossa Embraer). Esse avião é o sucessor de um outro, o CL-215 (motores a pistão) da mesma Bombardier, ainda empregado. São muitos os aviões que podem ser convertidos para o uso contra-incêndio, aliás a tônica internacional é o uso de aeronaves de transporte ou militares adaptadas a esse emprego.
Por que não temos em nosso país esquema semelhante de proteção contra incêndios florestais? Na área governamental há o já mencionado impasse constitucional: as Forças Armadas (em especial a FAB) não se motivam para essa missão porque não têm essa atribuição constitucional. Os Corpos de Bombeiros ou Polícias Militares, que a têm, não dispõem de estruturas e recursos que lhes permitam atuar nesses serviços. Na área privada, porque estamos em uma economia de mercado, os empreendimentos somente ocorrem quando o negócio realmente existe, ou seja, quando há retorno previsível aos investimentos, o que seria assegurado, nesse caso, pela criação de demanda regular para os serviços. A falta de ação da área governamental responsável pela proteção ao meio ambiente certamente explica a inexistência de investimentos nesse que pode vir a ser um nicho de mercado para a nossa aviação geral e, em particular, por força de regulamentação, para o seu segmento agrícola.
Constituir um sistema nacional parece ser a chave do problema: ele poderia ser a “mola propulsora” dos empreendimentos, pois suas dotações orçamentárias – devidamente equacionadas pela legislação que o criasse – permitiriam a licitação de serviços aéreos especializados em combate a incêndios. Esse sistema contaria com aviões especializados, pessoal sempre adestrado e o devido esquema logístico (incluindo os insumos químicos que ajudam na contenção e na extinção dos incêndios florestais). Seria apto a intervir em qualquer local do território nacional nas emergências que ocorrem em épocas bem identificadas no calendário.
Em um país em que tanto há por fazer, quando se fala no uso de aviões para a proteção contra incêndios logo surge quem afirme tratar-se de uma solução cara, de um luxo. É preciso lembrar que a recuperação dos trechos de florestas, cuja devastação pelo fogo traz reflexos de diversas formas à qualidade ambiental, pode levar mais de dez anos e que em muitos incêndios se perdem vidas humanas ou se deixam populações ao desabrigo. Quanto “custa” uma área de um Parque como o de Itatiaia? Perdemos há pouco tempo uma grande porção desse Parque, devastada pelo fogo!
A população paga impostos também para ser protegida contra calamidades. Uma frota de aviões pronta para o combate a incêndios florestais é uma espécie de apólice de seguro contra esses desastres. E não fará sentido dizer que uma apólice de seguro foi cara quando dela se fizer uso. Teria custado muito caro, isto sim, a sua falta! A ativação de serviços aéreos especializados contra incêndios florestais representaria ainda um impulso para a nossa aviação geral, que atravessa um longo período de dificuldades. Considerando-se, ainda, as necessidades de apoio logístico para as operações, teríamos, certamente, a geração de vários novos empregos, um benefício adicional para a economia brasileira.
Devemos criar condições para que helicópteros e aviões especializados em combate a incêndios possam tornar-se disponíveis para emprego em tempo hábil nas grandes calamidades. Seja pela estruturação desses serviços por órgãos públicos, civis ou militares, seja pelo incentivo à iniciativa privada. A devida atenção ao problema, com ações, algumas delas sugeridas neste texto, perfeitamente exeqüíveis em prazos razoavelmente curtos, é questão que deveria ser enfrentada logo. É preciso que o nosso país se equipe devidamente para agir nas ocorrências de incêndios florestais (e também urbanos) de forma adequada e eficiente. Fazemos coro com o coordenador do Prevfogo: “é preciso que as pessoas tenham um mínimo de respeito pelo meio ambiente”. Esse respeito se deve demonstrar com medidas que levem a proteção ao meio ambiente do discurso à prática.
Wilson Cavalcanti é Coronel-Aviador da reserva e Engenheiro Aeronáutico.
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