Na semana passada, foram anunciados os números do desmatamento da Amazônia no período agosto de 2003 a agosto de 2004. O índice é alarmante: perdemos mais de 26.100 km2 de florestas. Mato Grosso continuou sendo campeão do desmate, com aproximadamente 12.600 km2 de área desflorestada; praticamente a metade de todo o desmatamento da região.
“Um índice inaceitável”, reconheceu a ministra Marina Silva, que voltou a dizer que para reduzir esses números a estratégia do governo está calcada em ações articuladas entre diversos ministérios, através do Plano de Combate ao Desmatamento (que precisa urgentemente ser reavaliado) e do Plano BR-163 Sustentável. Ambos caracterizando-se pelo envolvimento de vários setores do governo federal, governos estaduais e municipais e a participação da sociedade. Na busca de soluções, o governo, corretamente, tem estabelecido o diálogo com diversos segmentos da sociedade local, os quais, em boa parte, têm respondido ao chamado. “Pela primeira vez, o meio ambiente e os setores econômicos estão conversando e debatendo temas”, disse a ministra na quinta feira, 19 de maio.
Pois é, no dia seguinte, numa tentativa de dar resposta aos índices de desmatamento, o Governo Federal anunciou a criação de seis novas unidades de conservação na Amazônia. Entre elas, a Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, próxima à divisa entre Mato Grosso e Pará. Nesse último caso, uma medida a princípio desejável e necessária, foi tomada de maneira equivocada. Pois o governo decretou a reserva de forma precipitada e autoritária, numa categoria inadequada, desrespeitando propostas da sociedade local e processos de discussão que ele mesmo iniciou e incentivou.
A área em questão, com cerca de 350 mil hectares, localizada ao longo da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), tem uma função estratégica para a conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos: abriga nascentes de mais de vinte importantes rios das bacias do Tapajós e do Xingu e interliga dois grandes conjuntos de áreas protegidas, o que indica amplamente a necessidade da criação de uma unidade de conservação no local. Mas, ao criar a unidade de conservação de forma atabalhoada e ainda na categoria de Reserva Biológica, com limites inadequados, o governo criou também um conjunto de problemas políticos e técnicos, que certamente contribuirão para dificultar a implantação e a conservação efetiva da área que pretende proteger.
A área já tem cerca de 26 mil hectares alterados (aproximadamente 8% do total), entre fazendas de gado e áreas degradadas pelo fogo, e cerca de 650 km de estradas no seu interior, o que demonstra a necessidade de um processo de diálogo com as partes interessadas para o seu estabelecimento. Diálogo esse estava em andamento, mas foi desconsiderado na hora da criação, sendo descartada até a realização de consulta pública.
Além disso, a área conta com belezas cênicas ímpares, incluindo uma dezena cachoeiras, entre elas o Salto Curuá, cartão postal da região. Indicação clara de que um Parque Nacional seria bem mais adequado, uma vez que Reserva Biológica não permite visitas turísticas, apenas atividades de pesquisa e educação.
As conseqüências de tal equívoco não são poucas: desperdiça um significativo potencial de turismo na região, restringindo o leque de alternativas econômicas; aborta um processo de diálogo entre segmentos sociais, acirrando atores locais e aumentando a resistência à implantação da reserva. Além disso, a não realização de consulta pública prévia à criação da área impede que a mesma receba recursos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA, um programa do governo federal com diversos parceiros nacionais e internacionais, que é hoje a principal fonte de recursos efetiva para as unidades de conservação na Amazônia.
Esses fatos convergem para aumentar as dificuldades de implementação da Reserva e comprometem a credibilidade do governo diante de setores locais em outros espaços de discussões regionais, como o projeto BR-163 Sustentável.
A legislação não exige consultas públicas para a criação de Reserva Biológica, ao contrário de Parque Nacional e outras categorias de conservação. Mas a medida apressada do governo vai na contramão da lógica que embasa os principais planos para a Amazônia e a maioria das iniciativas do Ministério do Meio Ambiente, mostrando a distância que ainda existe entre o discurso da participação e construção social, que a ministra Marina Silva corretamente tanto preza, e a prática de algumas decisões de gabinete.
Para reduzir o prejuízo, resta agora ao governo desenvolver ações para tentar restabelecer as condições de diálogo na região, buscar readequar os limites e a categoria da unidade de conservação, negociando as propostas dos setores locais e colocando a área numa perspectiva maior, que inclua a possibilidade de compensação de reservas legais e a regularização fundiária do seu entorno, bases para a construção de soluções sustentáveis na região.
Os números estão aí para mostrar que quando se trata do desafio de reverter o quadro dramático do desmatamento na Amazônia, não é possível desprezar nenhuma de suas dimensões, especialmente as da realidade local.
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