Análises

Paris, Cidade das Luzes

Após alguns dias em Paris, o montanhista de verdade começa a sentir falta da visão desabrida que permite divisar picos altaneiros ou, pelo menos, um pedaço de natureza indomada. Mas como saciar a fome de trilhas?

Pedro da Cunha e Menezes ·
8 de setembro de 2010 · 14 anos atrás
Paris, cidade luz. No verão é quente, alegre, transborda turistas. Há um colorido racial, pretos, nórdicos, árabes, chineses, indianos flanando sem pressa ao som de una trilha sonora que faz lembrar a babel, italiano, russo, espanhol e a onipresença do ruidoso sotaque brasileiro. Dos restaurantes lotados sai tentador aroma da mais saborosa comida do planeta. Dos museus a cultura parece fugir para arrombar a cabeça das pessoas. Prédios históricos, estátuas de rua e o cais do Sena, tudo conspira a favor da capital francesa.
 
Mesmo assim, após alguns dias o montanhista de verdade começa a sentir falta da visão desabrida que permite divisar picos altaneiros ou, pelo menos, um pedaço de natureza indomada. Aos poucos dá vontade de pegar uma das milhares de bicicletas, que de uns anos para cá têm competido com carros, ônibus e pedestres pelas ruas parisienses, e fugir em busca de uma mata selvagem. É verdade que por perto está a Floresta de Fonatinebleau (http://www.oeco.com.br/pedro-da-cunha-e-menezes/19109-oecod228727 ). É remédio mas não é cura. Faltam-lhe o arranjo desordenado das árvores, as cachoeiras desimpedidas, as trilhas que levam à privacidade.

Não é suficiente, há que escapar. Entre uma apresentação e outra de um colóquio sobre Unidades de Conservação fujo em direção ao Sena. Pelo menos há que ver a água. Não chego ao rio. No caminho sou fisgado por um velho sebo: a Librairie des Alpes (6 rue de Seine 75006/ www.librairie-des-alpes.com ). Entro e não saio mais. Em questão de minutos estou nas montanhas, escalando as estantes, inspecionando mapas, guias, alfarrábios. O tempo voa, esqueço o seminário sobre um parque marroquino, estou ocupado conquistando o Mont Blanc de 1850, percorrendo os Rwenzoris da década de 1930 com a Sociedade Geográfica da Bélgica, fugindo de um campo de concentração em companhia de dois oficiais do exército italiano que se evadiram somente para escalar o Monte Quênia e, cumprida a missão, se entregaram de novo a seus captores britânicos. Ainda tenho tempo para perscrutar modernos mapas e guias de montanha e planejar umas rápidas férias pelos píncaros do diminuto Liechtenstein.

 

6 Rue de Seine, Paris (tel 01 43 26 9011)
6 Rue de Seine, Paris (tel 01 43 26 9011)
 
O Livreiro Pierre Masson entre sua montanha de livros (fotos: Pedro da Cunha e Menezes)
O Livreiro Pierre Masson entre sua montanha de livros (fotos: Pedro da Cunha e Menezes)
O livreiro Pierre Masson me conta que a Librairie des Alpes existe desde 1933, quando foi fundada pelo montanhista e bibliófilo André Wahl. Ao longo das décadas, o local, pequeno e apertado, sofreu. Fechou durante a Segunda Guerra Mundial, quase faliu após a morte de Wahl em 1971 e claudicou com a necessidade de pagar as contas. Mas sobreviveu e virou ponto de encontro da comunidade excursionista gaulesa. Não é para menos, em suas estantes abarrotadas há cerca de dez mil títulos centenários e contemporâneos sobre todos os destinos inimagináveis do mundo. Compêndios em papel amarelado que precisam ser folheados com carinho para não se desfazerem, mas também guias modernos conclamando os mais energéticos a tirar os sonhos do papel e levá-los morro acima.

Nem a escassez de tempo, nem o peso da responsabilidade querendo me expulsar daquele pequeno paraíso, impediram-me de encontrar algo para trazer junto comigo. Depois de fuçar aqui e ali, deparei com a biografia de Sua Majestade Alberto da Bélgica, “o Rei Alpinista”. Publicada em 1956 pelo vice presidente do Clube Alpíno Belga, a história de vida do monarca, ricamente documentada por fotos em branco e preto, está focada em seus feitos de montanha.

Para quem não sabe, em 1920, entre ascenssões aos Alpes e aos Apeninos, Alberto fez uma Visita Oficial ao Rio de Janeiro. Como não podia deixar de ser, o nobre que já havia galgado os prinicpais cumes da Europa e da África do Norte, arranjou tempo para topar o Pico da Tijuca. Ficou maravilhado com o panorama que se descortina lá do alto, mas achou que o acesso poderia ser facultado a mais pessoas, sobretudo àquelas que diferentemente dele não eram escaladores. Assim, por sua benévola sugestão, em 1928, foi esculpida na rocha do trecho final de acesso ao Pico uma escada ladeada por um corrimão de correntes que democratizam, desde então, o acesso ao ponto culminante da mais bela floresta do mundo. Como apaixonado incondicional por esse pedacinho de Mata Atlântica carioca não poderia, DE FORMA ALGUMA, deixar de possuir esse livro que conta um pedacinho de sua história. Quando morrer ficará em doação para a biblioteca do Parque Nacional da Tijuca.

 

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