Análises

Energia hidrelétrica na Amazônia: limpa ou cinza?

Durante a Rio+20, governo e construtoras alardeiam que a energia hidrelétrica brasileira é limpa. Não é bem assim que funciona na prática.

Paulo Barreto ·
20 de junho de 2012 · 13 anos atrás

Durante a Rio+20, governo e construtoras alardeiam que a energia hidrelétrica brasileira é limpa. O fato de ser limpa e barata justificaria o plano nacional de instalar na Amazônia 22 hidrelétricas nos próximos anos.

Entretanto, a forma de construir hidrelétricas na Amazônia recentemente tem estimulado o desmatamento, o que contraria as promessas de energia limpa. De fato, um mapa produzido pelo Ibama mostra que entre 2010 e 2011 o desmatamento mais intenso na região foi nas duas regiões onde estão sendo construídas as hidrelétricas no Pará (Belo Monte) e em Rondônia.

Além do desmatamento para instalar as obras, as hidrelétricas na região estimulam indiretamente o desmatamento. Produtores rurais locais e imigrantes desmatam para ampliar a produção ou para especular, considerando o potencial de aumento do valor da terra. Para evitar o desmatamento ilegal seria necessário aumentar a fiscalização e criar Unidades de Conservação (UC). Nos dois casos recentes isso não tem ocorrido.

No caso de Rondônia, o governo federal facilitou ainda mais o desmatamento ao reduzir o tamanho e o grau de proteção da Floresta Nacional de Bom Futuro (uma UC federal) por chantagem do governo estadual. Em 2009, o governo daquele Estado suspendeu uma licença ambiental concedida para a hidrelétrica de Jirau. Logo depois, o governador propôs ao presidente da República a troca da regularização de fazendeiros invasores da Floresta Nacional (ou seja, reduzir seu tamanho e grau de proteção) pela licença para a hidrelétrica. O governo federal cedeu à chantagem. Resultado: entre 2010 e 2011 o desmatamento em Rondônia aumentou 99% em relação ao ano anterior.

Com colegas do Imazon, estimo que a área sob risco de desmatamento indireto em torno de Belo Monte seria de até cerca de 500.000 hectares (cada hectare equivale a cerca de um campo de futebol) em 20 anos; o que seria 10 vezes mais do que a área do reservatório. Para reduzir o risco haveria a oportunidade de criar cinco UCs, somando 1.460.800 hectares. Entretanto, o governo concedeu a licença para construir a obra sem criar as áreas protegidas até hoje.

Pior ainda, o governo parece não ter aprendido nada com o aumento dos desmatamentos em torno das hidrelétricas em construção. No início deste ano, a presidente reduziu, por meio de Medida Provisória, 105.000 hectares de cinco UCs no Pará para facilitar a construção de hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós. O Congresso converteu a MP em lei em junho deste ano.

Assim, se o governo continuar desprezando a boa gestão ambiental, a energia hidrelétrica será manchada de cinza em vez de limpa.

Ontem, em evento na Rio+20, perguntei a Altino Ventura Filho, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia sobre os impactos das hidrelétricas no desmatamento. Ele não respondeu. Porém, insistiu que o Brasil precisará construir mais hidrelétricas na Amazônia.

A insistência do governo em hidrelétricas contraria alguns especialistas, como o professor Célio Bermann, da Universidade de São Paulo, que argumentam que seria possível reduzir o crescimento da demanda por meio de investimento em eficiência energética, além de melhorar o aproveitamento das hidrelétricas já existentes (repotenciação) e ampliar a geração usando outras fontes renováveis e mais limpas como a solar e a eólica. Ontem o professor Célio, também no evento na Rio+20, foi duríssimo ao criticar a política energética brasileira: “Não há planejamento energético no Brasil. Há balcão de negócios”.

O secretário Altino, diante do bombardeio de críticas, reconheceu que o Brasil tem negligenciado a eficiência energética.

 

Publicado originalmente no blog Rio+Tudo, do portal Terra.

 

  • Paulo Barreto

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

Leia também

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia

Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.