Nota do editor: Pedro Cunha e Menezes é articulista de ((o))eco desde o lançamento do site em 2004. É o nosso especialista em trilhas, aventuras e ecoturismo. A partir desta edição todos os seus textos e colunas serão publicados aqui no blog Palmilhando, um espaço em que o montanhismo e a gestão de áreas protegidas são os temas centrais. O arquivo de artigos de Pedro podem ser encontrados neste link
Cidade do Cabo – Poucas metrópoles no mundo oferecem a seus moradores e visitantes a possibilidade de fazer uma trilha de sete dias, em ambiente totalmente natural e, ainda assim completamente inserido em uma área urbana. Pessoalmente conheço apenas três cidades assim: Rio de Janeiro, Sydney e a Cidade do Cabo. Ouvi dizer que em Hong Kong e Chicago a hipótese existe, mas nunca lá fui. Em Lisboa , Paris e Perth também há trilhas longas, mas essas já começam nos arredores de seus subúrbios.
As trilhas dos três portos do hemisfério sul que mencionei rivalizam em beleza. A do Rio de Janeiro, entretanto, à excessão do trecho dentro da Floresta da Tijuca, não tem infraestrutura ou sinalização alguma. A de Sydney, é bem provida com placas direcionais, mas não conta com abrigos ou locais onde seja possível dormir. Além disso, não é totalmente urbana, pois após o trecho que corta a parte norte da cidade (que tem cerca de 80 km), segue por mais 170 quilômetros até Newcastle, o segundo maior aglomerado humano de Estado de Nova Gales do Sul. Resta a trilha Hoerikwaggo que rasga o Parque Nacional da Montanha da Mesa de norte a sul e liga o centro histórico da Cidade do Cabo ao Cabo da Boa Esperança. Diferentemente das suas congêneres, a Hoerikwaggo não se restringe a vistas deslumbrantes, banhos em águas límpidas e contato frequente com uma fauna e flora únicas da região. Também tem um manejo impecável, em que sobressaem a drenagem, o cuidado com a segurança e o próprio traçado do caminho.
As “travessias urbanas” cruzam o asfalto em pontos estratégicos. Permitem, assim, ao caminhante percorrê-las em regime de um dia de cada vez, indo dormir em casa ou em algum hotel ao fim da jornada, para reinicar o périplo na manhã seguinte ou, até mesmo, algumas semanas mais tarde, exatamente no ponto em que terminou o último trecho. A trilha, Hoerikwaggo vai além. Oferece ao excursionista a possibilidade de palmilhar seus sete dias de uma só enfiada, pernoitando em abrigos (e uma pensão) ao longo do caminho. Abrigos é modo de dizer, pois os locais de dormida na Hoerikwaggo não a deixam envergonhada perante nenhum hotel cinco estrelas. São topo de linha. Em nenhum lugar do mundo encontrei nada igual (nem sequer remotamente parecido).
Não acaba por aí. A trilha, inicialmente pensada para gerar emprego e renda, não é sinalizada, pois, inicialmente, foi projetada para exigir o acompanhamento de um guia credenciado pelo Parque. Não funcionou. O “trekking” surgiu na África do Sul. Por isso mesmo os sul-africanos não deixam por menos. A atividade é quase sagrada no país, atraindo praticantes dos 7 aos 70 anos de idade. Houve uma quase rebelião contra a imposição de guias, o que fez o Parque repensar sua estratégia. Nesse momento, está sendo preparado o processo de sinalização da Hoerikwaggo, que nem por isso deixou de gerar emprego e renda. Os guias continuam devidamente credenciados e oferecendo seus serviços a qualquer visitante que deseje desfrutar de tal serviço. Não é algo imposto ou obrigatório, mas constitui-se em livre opção para o visitante que não disponha de muito tempo e deseje desfrutar do maior número possível de atrações. No entanto, os ex-guias, agora possuem a oportunidade de serem empregados na manutenção dos caminhos e abrigos e no serviço de transporte de bagagens. As taxas cobradas pela utilização destes abrigos e serviços são diretamente revertidas para as despesas da mão de obra que é devidamente qualificada e inspecionada pelo Serviço sul-africano de Parques Nacionais.
O serviço de transporte de bagagens é simples e constitui-se em um luxo para quem já está mais idoso ou não comunga da idéia de que é preciso carregar 20 quilos às costas para merecer o título de montanhista. Antes de iniciar um dia de caminhada, os excursionistas deixam sua bagagem arrumadinha no abrigo. Por volta das 10 da manhã, o Serviço de Carregadores embarca as mochilas (e, para quem gosta, o caixote com alimentos de primeira qualidade, garrafas de vinho, cervejas, e até um tabuleiro de gamão) em uma caminhonete e a dirige até o abrigo seguinte. Quem caminha, leva no lombo somente a mochilinha com o indispensável para um dia de pé no chão, Ao chegar no destino, já encontra seus pertences e guloseimas no abrigo. Nem sequer vê quem os transportou. A privacidade é garantida.
Por essas razões, quando Ivan e Sandra Amaral, coordenadores da ONG Terralimpa, manifestaram interesse em ampliar seus conhecimentos sobre manejo e gestão de trilhas, não exitei em sugerir que percorressem a Hoerikwaggo. Claro que não os deixei sós. Jamais me perdoaria se perdesse a chance de discutir manejo de trilhas com uma das pessoas que melhor o faz no Brasil de hoje (por meio do Terralimpa, Ivan mantém a trilha da Pedra da Gávea no Parque Nacional da Floresta da Tijuca e participa de trabalhos de manejo em diversas outras unidades de conservação do Rio de Janeiro).
Assim nasceu a Expedição “Hoerikwaggo ((o))eco/Terralimpa” que contou com o apoio do Parque Nacional da Montanha da Mesa e será objeto de sete colunas e seis vídeos publicados aqui em Palmilhando. Convido o leitor a trilhar essa aventura conosco.
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