Desde pequenos, aprendemos sobre o valor dos recursos hídricos disponíveis no planeta e sua importância para a população humana. Porém, as ações voltadas para a manutenção deste bem precioso ainda são incipientes e carecem de políticas públicas. O exemplo mais recente é o novo código florestal e seu retrocesso na proteção dos mananciais.
Mas há propostas para virar esse jogo. Dentre elas, o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) ganha mais visibilidade como opção frente à inoperância de políticas ambientais.
O Programa Condomínio da Biodiversidade e seus parceiros, no fim do ano passado, deram início a implantação de um programa de PSA. O Projeto ConBio Água atua na preservação dos recursos hídricos que abastecem a Curitiba e região metropolitana.
Durante o trabalho de campo, a equipe do ConBio visitou e conversou com proprietários que realizam atividades como agricultura tradicional, produção de orgânicos, laticínios, além de pequenas propriedades de lazer. Algo recorrente chamou atenção: para eles, áreas naturais são um ônus. Os donos se sentem penalizados por possuírem áreas de floresta e nascentes em sua propriedade, o que impede que utilizem todo o potencial “produtivo” do local.
Uma dádiva que vira um peso
Todos sabem o preço da floresta derrubada, mas não perceberam que suas áreas naturais bem conservadas produzem bens valiosos: serviços ambientais.
Para os proprietários, possuir um patrimônio natural tão precioso equivale à perda de dinheiro. “De que adianta esse mato, se não dá pra tirar nada. O tempo bom já passou…”, diz um morador, ao ser elogiado pela bela área de floresta, com nascentes e uma floresta com Araucárias, Imbuias e Canelas-Sassafrás. O “tempo bom” mencionado diz respeito ao ciclo da madeira no Paraná, ocorrido durante a primeira metade do século XX, no qual a floresta com Araucária foi praticamente dizimada.
Ao mesmo tempo em que os detentores das nascentes de água possuem esta visão, pagamos quantias consideráveis às empresas de saneamento para termos um produto “de qualidade” em nossas torneiras. Nestes valores estão embutidos impostos, bem como todos os custos para tratamento e despoluição da água.
O que hoje é bastante oneroso poderia ser barato no longo prazo, se, ao invés de remediar, tais valores também fossem investidos na prevenção. Seria muito mais estratégico e rentável para as empresas de abastecimento e saneamento proteger nascentes e mananciais, para que estes ofereçam água de boa qualidade por muito mais tempo, do que tratá-la a partir de parâmetros pré-estabelecidos. Exemplo como o de Catskills, em Nova Iorque, mostra a efetividade da proteção dos mananciais.
Claro que esta prevenção é complexa e onerosa num primeiro momento. É necessário restaurar ambientes, cercar APP’s, adequar propriedades, estradas e investir em novas alternativas de produção e preservação do solo. Mas ao tratar de um benefício que afeta toda a população em longo prazo, um esforço conjunto reduziria enormemente os custos.
Mensalmente pago uma taxa à empresa de abastecimento de água de Curitiba. Esta taxa tem um piso mínimo de R$40,89 para o uso de 10m³, mesmo que meu consumo costume ser inferior a este volume. Sinto-me prejudicado, pois pago por algo que não utilizei. Por outro lado, estaria disposto a pagar mais para melhorar a qualidade da água na sua origem.
Se para cada um dos mais de 631 mil domicílios existentes na cidade, apenas 1% (cerca de 40 centavos de real) fosse destinado a um fundo para Pagamento de Serviços Ambientais ou apenas para ações de proteção e preservação das nascentes e mananciais, imaginem o bom resultado no longo prazo que esta ação poderia gerar. Os recursos financeiros poderiam ser destinados, por exemplo, a cercar e restaurar Áreas de Proteção Permanente, algo sempre carente de recursos; ou ser usados para premiar proprietários que cuidem bem de suas nascentes.
Mas a responsabilidade não é apenas das empresas de fornecimento de água – a proteção dos mananciais de água é dever de todos. Por exemplo, áreas bem conservadas e transformadas em RPPN, além de gerar maiores ganhos pelo PSA aos proprietários de terra, poderiam gerar ICMS ecológico aos municípios nos quais estão inseridos.
As soluções existem e parcerias podem ser construídas. Infelizmente, quase todas elas dependem de boa vontade política – essa tão rara quanto água de qualidade nas grandes metrópoles brasileiras.
*Nicholas Kaminski é Biólogo, Mestre em Engenharia Florestal e Técnico do ConBio |
Leia também
Senhor Arnaldo, por favor não derrube a sua imbuia
O promissor caminho da conservação privada em Curitiba
Os pássaros também gostam da cidade
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →