Análises

Nova descoberta reforça esperanças para o periquito-cara-suja

Ave considerada em perigo crítico de extinção se recupera no Ceará e agora novo grupo foi encontrado na Serra Azul, município de Ibaretama.

Fábio Nunes · Mateusz Styczynski · Ileyne Lopes ·
1 de julho de 2014 · 9 anos atrás
O periquito cara-suja ([i]Pyrrhura griseipectus[/i]) em Ibaretama. Fotos: Fabio Nunes
O periquito cara-suja ([i]Pyrrhura griseipectus[/i]) em Ibaretama. Fotos: Fabio Nunes
Dentre as aves florestais ameaçadas de extinção pela destruição de seu habitat, muitas restam ilhadas em pequenos fragmentos remanescentes de matas maiores, sem boas perspectivas de prosperar devido à consanguinidade. Para outras, a sorte não é melhor, pois são alvos de traficantes da fauna silvestre. Agora, imagine uma ave que sofre com estes dois problemas sobrepostos, acentuados por sua distribuição naturalmente restrita às sensíveis serras verdes (ou parcialmente secas), isoladas pela árida vegetação da Caatinga há milhares de anos. Pois bem, esta ave é o periquito cara-suja (Pyrrhura griseipectus), que permaneceu por 35 anos sem registros comprovados em nenhum lugar além da Serra de Baturité, no Ceará, até que em 2010 foi divulgada no ((o))eco, em primeira mão, sua descoberta em inselbergues no município cearense de Quixadá. A despeito do grau de ameaça em que se encontra, a seleção natural fez do cara-suja uma espécie resistente, pois se reproduz bem e é versátil em sua dieta. Enfim, com o mínimo de nossa ajuda ele pode continuar sua longa existência na terra.

Relacionada ao tráfico de animais, a complexa história taxonômica desta espécie teve origem em pinturas e descrições que datam do período holandês no Brasil (1637 – 1648), época em que periquitos, araras e papagaios já eram levados à Europa por meio de escambo com indígenas do Ceará. Esta expatriação continuou, pois em 1900 o cara-suja foi cientificamente nomeado com base em animais de estimação de um naturalista italiano. Em 2003, o governo brasileiro foi pioneiro em inclui-lo na lista da fauna ameaçada, mas somente em 2007 ele passou a integrar as listas vermelhas internacionais, em todas classificado como CR (Em Perigo Crítico de Extinção). Desde 2005, a Aquasis – ONG cearense que tem como objetivo evitar extinções – promove a conservação do cara-suja, ação reconhecida em 2008 pela BirdLife International como entidade guardiã da espécie, e em 2011, declarada integrante do Grupo Assessor do Plano de Conservação oficial brasileiro, destinado à proteção desta ave.

 

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Para cuidar da espécie, a Aquasis planeja e executa diversas ações, principalmente o apoio à reprodução em vida livre através das caixas-ninho, além do desenvolvimento de políticas públicas e educação ambiental. Toda esta agenda vem no esteio da pesquisa, que inclui a busca sistemática de populações isoladas em áreas de ocorrência histórica e potencial. Apoiada pela CLP (Conservation Leadership Programme), tais iniciativas já possibilitaram a identificação de mais de uma dezena de localidades onde o cara-suja foi extinto, um alerta para a grave redução de suas populações. Como resultados, além do notável aumento da população resultante das caixas ninho na Serra de Baturité, com mais de 250 nascimentos, novas esperanças acabam de surgir com a comprovação de mais uma população no sertão cearense. A descoberta ocorreu na Serra Azul, localizada no Município de Ibaretama, há 42 km da população mais próxima, em Quixadá. Com ajuda de moradores locais, 5 periquitos foram registrados, sendo um deles um jovem. Na ocasião, também foi identificado o ninho deste pequeno bando, uma cavidade localizada no paredão rochoso, assim como em Quixadá. Antes desta comprovação, uma matéria de jornal indicou o nome local da espécie como pista para o achado. Um artigo científico com detalhes desta descoberta será publicado em breve.

Os periquitos encontrados são detentores de conhecimentos vitais neste ambiente isolado. Sabem onde reproduzir, conseguir água, alimento, além de escapar de predadores, mesmo tendo sido capturados por pessoas até bem pouco tempo, segundo informantes locais. O fato destes periquitos ainda existirem na Serra Azul deve ser administrado como uma vantagem. Decisões têm de ser tomadas com urgência e bom senso para avaliar se a introdução de outros exemplares trará viabilidade genética aos cinco exemplares que já apresentam deformidades, ou se tal decisão representa algum risco que suprima a importância do início do reestabelecimento de sua antiga rede de metapopulações. Prestes ao lançamento da nova lista vermelha brasileira, é possível que o cara-suja viesse a figurar como extinto sem a atuação da Aquasis, que já beira uma década. O Plano de Ação Nacional que contempla este periquito engloba diversas outras espécies. Entretanto, não contou com um grupo de assessoramento representado em número suficiente por atores locais cearenses. Para ser efetivo, o plano também precisa envolver pessoas-chave de Ibaretama, Quixadá e municípios da Serra de Baturité, bem como gestores da APA da Serra de Baturité e MONA Monólitos de Quixadá, ambas Unidades de Conservação do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente do Ceará.

O envolvimento das pessoas tem sido determinante para o sucesso do projeto de conservação do cara-suja, pois quando estas adotam as caixas ninho em suas propriedades, não estão ajudando somente à reprodução da espécie, mas dissipando a sensação de que tudo está perdido em relação ao meio ambiente. A descoberta de que é possível fazer diferença contra a extinção nos tira da apatia, resgata o que existe de melhor em nossos corações e promove a cidadania. A Polícia Ambiental e o Ibama, tão necessários para combater a ação de traficantes, agora se deparam com entregas voluntárias de animais cativos. Enquanto isso, o símbolo que o cara-suja forma no imaginário popular se fortalece em meio ao cenário desolador da política ambiental no Brasil.

 

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  • Fábio Nunes

    Biólogo e mestre em Ecologia pela UFC, coordena projeto de conservação do periquito cara-suja pela ONG Aquasis

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