Após a organização de sucessivos mutirões voluntários de limpeza no Parque Natural Municipal de Grumari, o grupo Trilhas Quase Secretas/SOS Trilhas retirou mais de duas toneladas de dejetos das únicas praias selvagens do Município do Rio de Janeiro. Os eventos têm sido bem sucedidos, tanto do ponto de vista da retirada dos resíduos, como em termos de unificar setores da sociedade civil em prol de uma causa ambiental. Entre seus apoiadores estão entidades vinculadas ao Mosaico Carioca de Unidades de Conservação, tais como sua Associação de Amigos, o Parque Estadual da Pedra Branca e o Programa de Voluntariado do Parque Nacional da Tijuca, além de diversos grupos de usuários, por exemplo o Terra Limpa, Amigos do Parque da Pedra Branca, Destemidos, Giro Carioca e Bionatureza, empresas que apoiam a iniciativa com brindes para sorteio e lanches para os voluntários e a ONG Amigos do Perigoso, que também organiza mutirões desde 2012.
Este não é um processo que começou agora. Entre os anos de 2006 e 2011, o grupo organizou um total de 12 mutirões nas Praias do Inferno, Funda, do Meio, do Perigoso e dos Búzios, cujo acesso só pode ser feito por trilhas. Os mutirões são apenas uma ação entre outras que têm dado ao Parque cada vez mais cara de unidade de conservação.
Na década de 1980, quando comecei a frequentar o litoral de Grumari e Guaratiba, suas encostas eram cobertas de capim colonião. O primeiro órgão que vi entrar na região foi a Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Com paciência e vigor, aliados a grande conhecimento técnico, os servidores da Coordenadoria de Recuperação Ambiental da SMAC começaram a remover o capim colonião, a preparar o terreno em pequenos terraços e a plantar espécies pioneiras capazes de crescer, mesmo fustigadas pelo vento salgado e banhadas por um sol inclemente. À medida que foram vingando, outras espécies de Mata Atlântica começaram a ser reintroduzidas, em um trabalho que faria jus à Medalha Nacional do Mérito Major Archer (se existisse!).
Hoje, quem caminha pelas praias selvagens já não mais se sente em uma área degradada. A vegetação está se recompondo com rapidez e a Mata Atlântica, em diferentes estágios de recuperação, reina novamente. O sucesso do reflorestamento foi acompanhado com medidas mais recentes que, uma a uma, vão ajudando a consolidar o Parque Natural Municipal.
Liderança
“A maior parte dos detritos é trazida pelas ondas do mar. São latas, bolsas de plástico, garrafas pet, vasilhames, cordas e outros objetos”
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O gestor da Unidade, Alexandre Chagas, tem sido incansável na busca de soluções para seus problemas, sobretudo aqueles afeitos à fiscalização e manejo. Recentemente, as praias ganharam sinalização direcional de Guaratiba a Grumari, no padrão da Trilha Transcarioca, da qual sua trilha de acesso forma o trecho inicial.
Reflorestamento, sinalização, fiscalização, manejo, sociedade civil organizada para ajudar a unidade de conservação em atividades intensivas em mão de obra…. aos poucos o lugar vai tomando jeito. O problema do lixo, contudo, fica um buraco mais abaixo.
Segundo Alexandre, é perceptível a melhoria nas atitudes dos visitantes. “hoje embora as pessoas continuem jogando lixo nas praias, jogam menos lixo do que antigamente. Há mais consciência ambiental e mais pressão social de outros usuários”. Na verdade, no Parque de Grumari repete-se uma história já identificada por Ivan Amaral, Presidente do Grupo Terralimpa, instituição que desde 1998 organiza mutirões nas diferentes unidades de conservação do Rio de Janeiro. “À medida que o lixo vai sendo retirado, as pessoas que observam nosso trabalho vão se sensibilizando e, aos poucos vão deixando de jogar lixo nas trilhas e cachoeiras. A situação hoje é melhor que quando começamos há mais de 15 anos”.
Mas, se é assim, por que o lixo não para de se acumular nas areias das praias selvagens do PNMG? Ele não chega somente pelas mãos de visitantes deseducados. A maior parte dos detritos é trazida pelas ondas do mar. São latas, bolsas de plástico, garrafas pet, vasilhames, cordas e outros objetos que muitas vezes bóiam por anos antes de enxovalhar a costa protegida do Município do Rio de Janeiro.
Infelizmente, parece que não há mutirão que dê jeito nesse drama. Nos últimos cinco anos, tenho percorrido unidades de conservação litorâneas em todos os países a que meu trabalho me leva. Não importa onde vá, Parque Natural da Costa Vicentina (Portugal), Parque Nacional Bako (Malásia), Parque Nacional High North (Granada), Reserva Nacional Paracas (Peru), Parque Nacional Bazaruto (Moçambique), Parque Nacional Djivaste (Albânia), Reserva da Biosfera Sia’an Kaan (México), Parque Nacional Los Roques (Venezuela), ou Parque Estadual da Costa do Sol (Brasil) entre outros, há sempre um denominador comum: a sujeira abjeta de suas praias.
Lixo em toda parte
“os mutirões expõem as pessoas à realidade, obriga-as a pensar sobre o problema e ajuda na transformação de suas atitudes, tornado-as cidadãos mais conscientes.”
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Recentemente, na Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, no litoral centro-sul de Portugal, fiquei surpreso ao caminhar 20 km em praias de finos grãos brancos e imaculados, onde nem sequer uma única pegada marcava as areias. Não havia rastros nem de gente nem de cães. Por outro lado, em nenhum momento desse belo passeio tive o prazer de uma visão 100% natural. O lixo dominava a paisagem… toneladas de detritos trazidos pelo mar. Ao ver uma foto do descalabro, que postei em rede social, Lisandro Sinhori, Analista Ambiental do ICMBio lotado no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, escreveu informando que naquela Unidade de Conservação gaúcha a situação é idêntica.
Assim como em Grumari, outras regiões apelam para os mutirões. Em Portugal, no último dia 12 de maio, duzentos voluntários se reuniram para retirar o lixo dos 45 km de praia existentes entre Melides e Tróia. É a quarta edição anual do evento. Nas últimas três, 120 toneladas de embalagens de plástico, milhares de cotonetes, lâmpadas fluorescentes, cordames, eletrodomésticos degradados e outros descartes foram removidos para depósitos adequados.
Mesmo assim, o problema persiste. Então, se a solução não está na limpeza, porque insistir na estratégia dos mutirões? A resposta é simples… os mutirões expõem as pessoas à realidade, obriga-as a pensar sobre o problema e ajuda na transformação de suas atitudes, tornando-as cidadãos mais conscientes.
O problema do lixo nas praias (e nos oceanos) só vai mudar com alterações estruturais na economia que envolvam o fim do uso de materiais plásticos facilmente descartáveis na vida cotidiana das pessoas, seja pelo seu banimento puro e simples, seja pelo desenvolvimento e comercialização de um plástico biodegradável.
Isso só irá acontecer quando um número suficientemente grande de cidadãos se indignarem com o estado de pocilga em que nossas praias se transformaram. Mutirões de limpeza, nesse sentido, têm um significado muito maior do que a simples remoção do lixo. Eles servem como ações de educação ambiental conducentes à mudança comportamental e, em última análise, ao aumento do grupo de cidadãos revoltados com essa sujeirada toda. No estado democrático em que vivemos, a situação só mudará quando esse grupo for grande o suficiente para ser formador de opinião e ter algum peso político.
Enquanto isso não acontecer, deixo aqui meus parabéns à turma que está à frente dos Mutirões no Parque Natural Municipal de Grumari. É típica ação do “pensar globalmente – agir localmente”; sem dúvida nenhuma cada mutirão equivale a mais uma árvore plantada no jardim da conservação.
Mutirão na Praia do Sossego
(Clque para ampliar)
*Artigo editado em 21/07/2014 às 19:09 hs.
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