Análises

A COP mais deprimente e o novo ouro

A COP 25 começou, na segunda-feira (02), em Madri, na Espanha e o quadro é preocupante. Dezenas de novas usinas a carvão vão sendo construídas e emissões são ignoradas

Alfredo Sirkis ·
3 de dezembro de 2019 · 5 anos atrás
Delegado no primeiro dia de COP25 (Foto: UNFCCC)

Vamos cair na real: nunca uma COP abriu numa situação global mais deprimente. Já não estou falando da confirmação sistemática dos piores cenários climáticos previamente traçados pela ciência, nem das atitudes de Donald Trump. Cenários são e serão sempre imprecisos –para melhor ou pior– e Trump não consegue controlar a quinta economia do mundo: os Estados que não aceitam seu anúncio de deixar o Acordo de Paris e tratam de cumprir a NDC dos EUA por eles mesmos, contando ainda com a débâcle econômica do carvão. Nada garante que serão bem-sucedidos, mas estão tentando.

O pior é o que acontece com a China. O maior emissor, depois de uma certa estabilização em 2014 e 2015, voltou a aumentar suas emissões por carvão, sua exportação de carvão e seu financiamento de usinas novas a carvão pelo fundo afora, inclusive no Brasil, em Candiota (RS). Seu esforço de fechamento de algumas usinas obedecera a uma lógica de combate à poluição atmosférica. Não se pode dizer ainda que a China não cumprirá sua (modesta) NDC, que afinal é expressa em intensidade de carbono e não em emissões absolutas. O país poderá até mesmo atingir seu “pico de emissões” em 2030. Mas isso é altamente insuficiente para uma trajetória global de sequer 2ºC.

A Índia, cuja emissões sobem sem parar, está construindo, assim como a China, dezenas de novas usinas a carvão com emissões comprometidas (lock-in) de uns 40 anos, embora seja um dos países mais dramaticamente vulneráveis à mudança climática. A isso se somam recordes de desmatamento no Brasil e na Indonésia. Essas emissões praticamente são ignoradas no último Emissions Gap, relatório do Pnuma (programa das ONU para o meio ambiente – UNEP, em inglês) onde se analisa o abismo das projeções de emissão atuais em relação a meta de 2ºC 1,5ºC. Por uma razão que considero incompreensível, o relatório não incorpora dados de desmatamento por considerar de difícil avaliação –o que é falso– e na hora das recomendações por países, quando fala do Brasil, simplesmente não se refere à nossa maior fonte de emissões e maior potencial de redução das mesmas: o desmatamento. Um escândalo de incompetência!

“Precisamos, sim, de uma revolução, mas ela tem que ir fundo na economia, nas suas bases, nos seus sistemas de valores. Não basta taxar o carbono e atacar os subsídios –em geral em operações mal geridas que acabam gerando revolta social. É preciso, além de fazer isso politicamente bem feito, precificar positivamente o carbono: o menos-carbono tem que valer dinheiro. ”

A Europa parece na trajetória de cumprir a sua NDC, mas certos países, como a Polônia, a Hungria e a República Tcheca bloqueiam qualquer esforço para torná-la mais ambiciosa e compatível com uma trajetória de 2 graus. A Alemanha, ao marcar para 2038 o fechamento de sua última usina a carvão, dá um mau exemplo porque fornece um álibi aos países mais pesadamente carvoeiros. Já a Rússia que teve, recentemente, incêndios florestas na Sibéria ainda mais extensos que os da Amazônia, tem parte de seu establishment político, científico e militar favorável ao aquecimento global –diferente do negacionismo, o “aquecimentismo” (!) — por apostar em ganhos econômicos na agricultura e no degelo do Ártico (petróleo e gás). Não pensem que só Brasil se vê como celeiro do mundo. A Rússia aposta nisso, aparentemente pensando que a mudança climática joga a favor, enquanto aqui sabemos, cientificamente, que ela ameaça muito seriamente nossa agricultura –ainda que boa parte dos ruralistas não se tenha dado conta, ainda.

Nesse quadro o formato e escopo das COPs parecem cada vez mais desamparados. As sociedades civis globais se mobilizam, é certo. A geração Greta está nas ruas e nas redes sociais, mas sem propostas consequentes para lá do protesto e da denúncia. Não adianta a garotada do Extinction Rebellion, em Londres, colar a bunda no asfalto e tirar um selfie. Precisamos, sim, de uma revolução, mas ela tem que ir fundo na economia, nas suas bases, nos seus sistemas de valores. Não basta taxar o carbono e atacar os subsídios –em geral em operações mal geridas que acabam gerando revolta social. É preciso, além de fazer isso politicamente bem feito, precificar positivamente o carbono: o menos-carbono tem que valer dinheiro.

Se governos, bancos centrais e agências multilaterais são incapazes de fazê-lo temos que criar uma criptomoeda do clima. Uma baseada no lastro do menos-carbono como se fosse o novo ouro. É algo muito mais factível e útil que o bitcoin e, se governos, bancos centrais e agências multilaterais não conseguem –ou não querem—fazê-lo, caberá à própria sociedade, aos hackers, aos popstars iniciarem um movimento global pela internet. Se a mudança climática é o maior problema da humanidade e está ficando cada dia mais dramática, o menos-carbono é o novo ouro.

Tão simples quando isso, caceta.

 

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  • Alfredo Sirkis

    Jornalista, escritor e ambientalista e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

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Comentários 9

  1. Joel Robinson diz:

    Isso tudo é uma falsidade. Ninguem quer abandonar o xampu. o carro, o esmalte de unha, as viagens de avião, o turismo emporcalhador. o fast food, a capinha do celular de silicone…O tecido feito de petróleo etc e etc. Vida de Tarzan e Jane na selva? cada um quer ter um pet, gastar fortunas com alimento canino. Ou seja façam o que digo mas não o que faço.


  2. Paulo diz:

    O negócio é esticar até quando for possível.
    Depois que arrebentar, e não conseguir, diga que foi azar, paciência.

    E os do futuro? Isto é problema dos "os do futuro". E ponto final,


  3. Jofre diz:

    O que está pesando para as grandes lideranças globais é se vale a pena continuar com o laboratório multiculturalista da UE em sua aposta de estabelecer um modelo de governança global com base no ecoterrorismo com a oferta de subdesenvolvimento a partir do comprometimento de suas economias. Isso em um momento em que a realidade aponta para o oposto que é pregado ante uma perspectiva de resfriamento global pelos próximos 200 anos devido ao minimo solar de Dalton.
    China, India, Russia, EUA, Alemanha sabem que a questão do aquecimento global com base no CO2 é uma falácia, mas por conveniência ainda fazem algum teatro por conta da geopolítica mundial.
    No fundo, assistem de camarote o suicídio cultural, econômico e político da Europa enquanto avançam sobre America latina e Africa, ante a ressentida torcida da zumbilandia politicamente correta.


  4. jtruda diz:

    Para um ativista da minha geração que não teve competência, como muitos de nós, pra mudar o quadro com propostas e ações concretas, vir criticar a Greta Thunberg e os jovens que estão, eles sim, nos dando a esperança de mudança através dos seus protestos, é de uma falta de noção mastodôntica. Os protestos deles estão levando SIM a ações concretas de governos e, principalmente, de empresas preocupadas com os mercados e os consumidores do futuro. Vão amolar os burocratas da ONU e fazer melhor em pressionar os governos, ao invés de vir com esses muxoxos de velho recalcado contra a juventude que está fazendo a sua parte!


    1. Sec. Biodiversidade diz:

      "Os protestos deles estão levando SIM a ações concretas de governos" – pode nos brindar com dois exemplos?


      1. jtruda diz:

        Já ouviu falar em Google? Use à vontade.


        1. Quase Sec.Biod. diz:

          Assim como esperado: ausência de exemplos dos fatos e presença da falta de educação.


          1. José Truda diz:

            Aproveite e procure Consultoria Grátos pata Néscios. Vai que acha.


          2. Ex Sec.Biod. diz:

            "Ativista" com preguiça de discutir de forma madura é mais triste para o cenário atual do que os ditos velhos recalcados.
            Forte abraço, companheiro!