Análises

A próxima gestão municipal de Curitiba e o desafio de entender os novos tempos

Os eventos extremos não serão enfrentados a partir das práticas usuais e impõem mudanças igualmente radicais

Clóvis Borges ·
20 de setembro de 2024

Embora necessário, é sempre delicada a busca por uma abordagem adequada que pretenda provocar a gestão da cidade de Curitiba a buscar um maior alcance em suas agendas prioritárias. A cidade tem uma aura de ser reconhecida como referência, comunica com orgulho suas iniciativas alinhadas com a inovação. Quando comparada com outros grandes centros urbanos, em especial no Brasil, percebe-se um protagonismo diferenciado que deve ser devidamente valorizado.

Incomoda, no entanto, esse tipo de parâmetro, em que as situações da maioria das cidades que não têm o mesmo desempenho de Curitiba acabam sendo uma forma de atenuar uma visão mais crítica sobre pontos que, independentemente de estarmos, em alguns temas, em melhor condição do que outros centros, não deixam de representar demandas que precisam de maior atenção e, sobretudo, de mudanças mais consistentes de posicionamento. 

Sem perder de vista a importância estratégica de Curitiba ter conquistado uma imagem diferenciada, somos uma metrópole que sempre terá enormes desafios a serem enfrentados. A fama e as narrativas que, em algumas circunstâncias, excedem os limites da realidade são, a bem da verdade, limitantes que geram uma neblina indesejável. Não há por que alimentar um sentimento de apenas “sermos melhor do que os outros”. Essa condição é relativa e gera impedimentos importantes para que possamos efetivamente assumir de frente questões que há muito já deveriam fazer parte das prioridades da gestão pública de grandes metrópoles.

Iniciativas inovadoras, a propósito, só podem ser realmente reconhecidas como um sucesso se, a partir delas, forem geradas políticas públicas abrangentes e que permitam reais mudanças de cenário. É recorrente, não apenas em Curitiba, nos referirmos a exemplos pontuais como algo extremamente valioso, sem haver uma melhor percepção sobre até que ponto um investimento localizado apresenta uma capacidade de promover, de forma concreta, mudanças comportamentais que evoluam para uma condição de melhoria a ponto de atingir resultados mais abrangentes.

Certamente, um dos maiores desafios que enfrentamos atualmente é o crescimento desordenado que segue ocorrendo de forma acelerada na Região Metropolitana. A criação de áreas protegidas na cidade de Curitiba representa um grande exemplo a ser reconhecido, o que inclui mecanismos financeiros para a criação de reservas privadas, por exemplo. Mas até que ponto estas práticas revertem em desdobramentos em grande escala nos municípios do seu entorno?

A constatação inequívoca é de que ainda são extremamente frágeis os mecanismos de articulação entre a capital e os 29 municípios que formam a Região Metropolitana, os quais apresentam evidente menor capacidade de planejamento e de controle sobre atividades de degradação envolvendo a expansão urbana e também para uso agrícola.

A perda de áreas naturais é constante e progressiva, avançando ameaçadoramente para comprometer mananciais que abastecem toda a região. Note-se que a água que abastece a capital depende da manutenção efetiva de um entorno protegido e conservado, e não faz nenhum sentido uma omissão em relação a esse desafio.

A condição de maior resiliência a eventos extremos, que já estão explicitamente evidenciados na prática, precisa ser entendida de forma definitiva como uma preocupação diretamente relacionada a garantias de qualidade de vida e atratividade para atividades econômicas, tanto para a cidade de Curitiba como de sua Região Metropolitana. Esse cuidado de enorme relevância estratégica não pode continuar a ser considerado uma demanda não tangível pela capital, a partir de uma posição de passividade e de argumentos sobre limitações legais para que a gestão pública municipal tenha capacidade de investir com iniciativas de articulação, controle e planejamento em todo o seu entorno.

Anos atrás, foi inserida na Lei Orgânica do Município de Curitiba uma proposta de criação do “Fundo Metropolitano de Conservação”, com o propósito de articular diferentes fontes de recursos capazes de permitir acordos com instâncias públicas e privadas para investimentos estratégicos que permitam o delineamento em grande escala de áreas protegidas na Região Metropolitana. Uma forma efetiva de promover resiliência à eventos extremos e pautar a expansão da capital dentro de parâmetros que promovam uma harmonização entre atividades de uso intensivo do território (urbano e rural) e espaços naturais devidamente protegidos, destinados a produção de um amplo conjunto de serviços ecossistêmicos dos quais dependemos criticamente – e que não se limitam apenas a provisão de água.

A abertura e boa vontade de gestores públicos à época, proporcionou esse avanço singelo, sinalizando para uma atitude mais determinada, na qual a cidade de Curitiba promoveria uma agenda de articulação positiva com a Região Metropolitana, com o propósito de garantir um futuro mais resiliente para todos. Mas é evidente que apenas esse movimento não alterou cenários nem promoveu esforços capazes de tornar a intenção revelada num mecanismo aplicável na prática. Não é de surpreender que, de lá para cá, nenhuma ação concreta foi estabelecida.

As periódicas mudanças de gestores públicos, promovidas pelas eleições quadrienais, sempre alimentam novas expectativas, mesmo considerando os enormes entraves políticos, sempre presentes, e as pressões advindas de grupos setoriais, interessados na manutenção de condições favoráveis para a expansão desordenada do crescimento de Curitiba e Região Metropolitana. É importante chamar a atenção de toda a população sobre as escolhas que farão no final deste ano. Não apenas em relação ao novo prefeito de Curitiba, mas aos prefeitos da Região Metropolitana e aos vereadores desses municípios. 

Uma carta encaminhada a todos os partidos que concorrem com candidatos a prefeito e vereador foi encaminhada em busca de um posicionamento sobre o tema, acompanhado de um ensaio detalhado sobre a estruturação deste fundo. As instituições que realizaram este questionamento aguardam o resultado para ampla divulgação, permitindo uma orientação para os eleitores identificarem quais são os candidatos que estão convergentes com o cenário de emergência climática já presente e ativo.

Ainda há espaço para que iniciativas capazes de fazer um enfrentamento do que representa um “novo normal” chame a atenção dos novos governantes, que precisarão de grande capacidade política e comprometimento com o interesse público para promover as mudanças prementes que garantam o pleno e real desenvolvimento de nossa região. Eles podem proporcionar mudanças para, mais uma vez, fazer a cidade de Curitiba servir de exemplo. Mas, nesse caso, uma ação nem tão inovadora, em relação ao tema aqui levantado, uma vez que Nova Iorque faz isso há mais de um século, com resultados muito exitosos. Convenhamos, inovar não é a solução de todos os problemas. Seguir os exemplos de sucesso dos outros é igualmente meritório e desejável. 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Clóvis Borges

    Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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