Análises

América Latina merece uma Recuperação Justa

Fortemente afetados pela Covid-19, os países da região merecem uma retomada que os coloque no caminho da economia de baixo carbono e de sociedades mais igualitárias

Natalie Unterstell · Ilan Zugman ·
3 de junho de 2020 · 5 anos atrás
A base comum ao princípio da Recuperação Justa é a visão de uma sociedade construída sobre pilares como justiça social e climática, solidariedade e respeito à dignidade humana. Imagem: Pixabay.

Neste 05 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o festival virtual de música e palestras Caminho para Paris (Pathway to Paris, no original) unirá as vozes de músicos, ativistas e escritores do mundo inteiro, inclusive do Brasil, em torno de uma única mensagem: precisamos de uma Recuperação Justa, em escala global, para o mundo pós-pandemia. Essa ideia é particularmente importante para nós, brasileiros, e para nossos vizinhos latino-americanos, já que estamos todos pagando com elevado custo humano,  social e econômico que a Covid-19 impôs aos nossos países.

O que é, porém, uma Recuperação Justa, e como ela se constrói no contexto latino-americano? São cinco os princípios básicos para uma Recuperação Justa depois da Covid-19:

    • A saúde de todas as pessoas seja a prioridade máxima.
    • As ações de alívio econômico ajudem diretamente as pessoas.
    • A assistência seja dirigida aos trabalhadores e comunidades, e não para corporações
    • Estímulos econômicos contribuam para maior resiliência perante outras crises, especialmente a climática.
    • A resposta fortaleça a solidariedade e a comunidade, e não o autoritarismo.

A base comum a esses princípios é a visão de uma sociedade construída sobre pilares como justiça social e climática, solidariedade e respeito à dignidade humana. Esses valores já estavam sob ataque antes da pandemia, mas, diante da necessária retomada que teremos que empreender juntos, podem e devem ser revalorizados, servindo como linha mestra das nossas políticas públicas e ações individuais.

Enquanto ganha corpo o debate sobre como traduzir princípios em ações, algumas direções se mostram claras. A primeira é que, considerando a saúde como prioridade número um, governos e empresas demonstrem compromisso incondicional com o distanciamento físico e com investimentos em atendimento médico. Os cientistas têm apontado que a América Latina ainda precisa, mais do que nunca, que o grosso de suas populações, com exceção a prestadores de serviços básicos, fique em casa e cuide bem de quem já está doente.

O segundo e o terceiro princípios nos remetem aos dados alarmantes da fome, que voltou a rondar as casas de milhões de pessoas no Brasil e nas nações vizinhas. A ajuda a trabalhadores informais, desempregados e atingidos por reduções salariais ainda deixa de lado parcelas expressivas da população. Esse auxílio tem que chegar diretamente às mãos de quem mais precisa, inclusive porque essa é a forma mais eficiente de reativar a economia. Outras crises, como a de 2008, já mostraram ao mundo que é um erro oferecer ajuda às grandes corporações em detrimento de apoiar os cidadãos.

Já o quarto e o quinto princípios apontam para o salto qualitativo que podemos dar, como sociedade, se encararmos a crise climática e as ameaças à democracia com a seriedade que cabe a esses temas. Na frente climática, não é demais exigirmos que os recursos públicos sejam destinados a iniciativas que, ao mesmo tempo em que geram empregos, avançam com ambição nas metas de redução das emissões de CO2. Como consequência, reduziremos os impactos de eventos extremos, que afetam de maneira desproporcional as comunidades mais pobres e mais vulneráveis. Nesse sentido, é fundamental ampliarmos a geração de energia limpa, barata, acessível e socialmente justa, de forma a eliminar rapidamente nossa dependência dos combustíveis fósseis, as principais fontes do caos climático global.

Quanto à preservação da democracia, o quinto princípio do manifesto, chama atenção o fato de que pelo menos nove países da América Latina já adiaram eleições ou plebiscitos previstos para este ano, por causa das recomendações de distanciamento social. Embora justificáveis no atual momento, alterações no calendário eleitoral acendem sinais de alerta a possíveis tentativas de enfraquecimento dos espaços de participação e manifestação civil. Teremos que ficar ainda mais vigilantes, para proteger garantias democráticas e direitos humanos duramente conquistados.

É hora de avançarmos para uma realidade mais igualitária, sustentável e solidária. A retomada econômica pode ser feita com base em ações que elevem também as condições social e ambiental da América Latina. Nossa região merece nada menos do que uma Recuperação Justa.

 

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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  • Natalie Unterstell

    Natalie Unterstell é mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Harvard, ambientalista e especialista em políticas climáticas. 

  • Ilan Zugman

    lan Zugman é diretor para a América Latina da 350.org, organização que trabalha pela transição energética e pela justiça climática em todo o planeta, em conjunto com movimentos sociais e com base na ciência.

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