O Brasil é o maior produtor de plásticos da América Latina, se seguirmos com a produção e o descarte de itens plásticos no ritmo em que estamos, em duas décadas os oceanos estarão inundados com 600 milhões de toneladas desses produtos – um desastre sem precedentes para os ecossistemas marinhos. As perspectivas são as piores e exigem medidas concretas.
O nosso marco legal para a gestão dos resíduos – a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – foi instituída há dez anos por meio da Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Nela, o plástico é tratado no escopo da logística reversa das embalagens em geral, que obriga fabricantes, importadores, usuários e distribuidores a estabelecer um acordo para a coleta e recuperação de todos os tipos de embalagens no país.
O Acordo Setorial de Embalagens em Geral foi firmado em 2015 entre o Ministério do Meio Ambiente e a Coalizão Embalagens, reunindo associações afins, exceto as do vidro e do aço. Ocorre que esse Acordo tem sido contestado na Justiça quanto à sua eficácia – e pelo que vemos pelas cidades e na costa não é difícil entender por que não está funcionando. Um exemplo é o inquérito civil em tramitação na 26ª Promotoria de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, segundo o qual a “situação tem causado prejuízos ao meio ambiente, aos cofres públicos e aos catadores de materiais recicláveis”.
Neste ano, empresas brasileiras de grande porte se organizaram para firmar, junto ao governo federal, um “Acordo alternativo”, que é um Termo de Compromisso voluntário para a logística reversa de embalagens em geral e assim dar sua colaboração reinterpretada para o que apregoa a PNRS. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, as corporações proponentes do compromisso foram responsáveis por colocar no mercado 5 milhões de toneladas de embalagens em 2018 – não deixando dúvidas quanto à responsabilidade das empresas na redução da poluição causada por resíduos plásticos.
Mas se assim o é, por qual motivo um compromisso que retrocede ao propor ações genéricas, pouco ambiciosas e sem plano de operacionalização prospera? Atenta a essa gambiarra, a Associação Brasileira dos Membros de Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) já se manifestou e recomendou a rejeição do Termo de Compromisso apresentado pelas empresas por não atender minimamente os requisitos legais.
Por outra via, até 30 de setembro esteve em andamento consulta pública efetuada pelo Ministério do Meio Ambiente sobre do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), com a proposta de estabelecer metas e ações para 20 anos. O intuito é aumentar a coleta seletiva e a reciclagem de materiais, além de universalizar a disposição ambientalmente adequada em aterros sanitários.
Em comum, tanto a PNRS quanto o Termo de Compromisso e o Planares visam à reciclagem como destinação adequada para as embalagens, que é onde se encaixam os itens plásticos. Aumentar a reciclagem é de fundamental importância, até aqui ninguém discorda, porém, a uma taxa que hoje não passa de 7,5% no Brasil, sozinha, é evidente que não resolverá a questão.
Segundo estudo da Oceana, as embalagens correspondem a 87% da produção nacional de plásticos de uso único. Esse percentual representa aproximadamente 2,55 milhões de toneladas. É inviável gerir de forma eficaz uma produção dessa magnitude, de itens utilizados por alguns segundos e rapidamente descartados. Ressalta-se o fato de que grande parte desses itens não são do interesse do mercado da reciclagem.
Encontrar uma solução passa por querer examinar a origem do problema. Tenho usado uma analogia para explicar esse ponto: imagine que o tanque da sua casa está transbordando. O que você faz antes? Enxuga o chão ou fecha a torneira? Aqui é a mesma coisa. Reciclar seria secar o chão, mas precisamos antes fechar a torneira. Para o plástico parar de entrar em nossos oceanos, devemos reduzir a quantidade de plásticos descartáveis produzidos na fonte. O tanque já transbordou e vai inundar sua casa.
As evidências sobre a eficácia da redução na fonte, relatadas em estudo publicado na Science, reforçam fortemente o que a indústria ignorou por muito tempo: a cultura descartável cultivada por empresas que vendem esses produtos plásticos não é sustentável. Precisamos buscar alternativas para embalar e entregar os produtos, assim como precisamos de uma lei nacional que limite o uso do plástico descartável. Não podemos mais seguir enxugando gelo ou secando o chão com a torneira aberta.
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