Passados pouco mais de dois séculos da revolução industrial, as ações humanas já são uma das principais ameaças para a aceleração do desequilíbrio climático do nosso planeta. Por isso, diversos acordos globais já foram realizados visando combater, mitigar ou até mesmo reverter as consequências desse distúrbio. Apesar disto, estamos diante de uma crise climática e longe de cumprir o celebrado Acordo de Paris, que visa manter o aumento da temperatura média da Terra em até 1,5ºC acima da temperatura pré-industrial. Talvez por conta da inércia e dos fracassos dos tomadores de decisão ao redor do mundo em cumprir este e outros acordos, uma grande parcela da população brasileira se declara muito preocupada com as mudanças climáticas. É o que aponta uma pesquisa encomendada pelo Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ao IBOPE.
Essa foi a primeira pesquisa de opinião em grande escala realizada pelo IBOPE acerca da percepção dos brasileiros sobre mudanças climáticas, a qual contou com um total de 2.600 pessoas entrevistadas, distribuídas em todos os estados do Brasil, além do Distrito Federal. A pesquisa atuou tanto na pesquisa de opinião sobre mudanças climáticas quanto no delineamento do perfil socioeconômico dos participantes. Para esse levantamento, o questionário contou com perguntas como “O quanto você acha que o aquecimento global pode prejudicar você e sua família?”, ou “O quanto você acha importante a questão do aquecimento global?”, as quais os entrevistados puderam escolher entre respostas categóricas que variaram de 1 (muito preocupado) a 4 (nada preocupado). O desenvolvimento dessa pesquisa foi realizado em parceria com o Yale Program on Climate Change Communication (YPCCC), que elaborou um método amplamente utilizado e validado em países da Europa e América do Norte.
Os resultados dessa pesquisa são interessantes e nos indicam que cerca de 80% dos participantes se declararam muito preocupados com o meio ambiente e com o aquecimento global. Outro dado interessante é que parece haver pouco negacionismo climático entre os brasileiros: 92% dos entrevistados consideraram que o aquecimento global está acontecendo e 77% culpam as atividades humanas como principal fator para que isso aconteça. Mas, se a preocupação com as mudanças climáticas é generalizada, por que isso não se traduz em ações proporcionais na esfera pública? Para começar a responder essa pergunta, identificamos quem são as pessoas que não estão preocupadas com as mudanças climáticas para entender as possíveis razões.
Nós aproveitamos essa extensa base de dados para avaliar o quão sensível os brasileiros são às mudanças climáticas, e quais fatores socioeconômicos melhor explicam essa sensibilidade. Para tanto, criamos o Índice de Sensibilidade às Mudanças Climáticas (variando entre 0 – muito sensível – e 1 – insensível), avaliado por estado e baseado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a partir das respostas sobre o aquecimento global (você pode acessar a pesquisa completa clicando aqui). Os nossos resultados apontam para uma grande variação da sensibilidade dos brasileiros ao longo das unidades federativas. Roraima foi o estado que apresentou o resultado mais alarmante, com o valor máximo de insensibilidade, seguido por Tocantins (0,57) e Rondônia (0,37). Já o Distrito Federal foi a unidade federativa que a população se mostrou mais sensível às questões climáticas.
Dada a diversidade de realidades experimentadas pelos estados brasileiros, é improvável que um único fator explique essas variações. Apesar de não termos encontrado um padrão regional evidente, a situação em alguns estados desperta interesse. O Pará, um dos estados em que mais se avança sobre a floresta, apresentou valores de sensibilidade satisfatório (0,06). Por outro lado, Santa Catarina (0,29) e Rio Grande do Norte (0,32) também apresentaram índices mais altos que a média e por razões, possivelmente, bem distintas. Portanto, é razoável pensar que em diferentes regiões do Brasil, diferentes fatores explicam a insensibilidade de sua população às mudanças climáticas.
Para entender melhor essas diferenças, mergulhamos no que pensam cada um dos brasileiros e brasileiras entrevistados e nas suas características sociais e econômicas. Os resultados foram elucidativos e didáticos. Encontramos, por exemplo, uma diferença marcante entre as classes mais pobres (C1, C2 e DE) que são mais sensíveis quando comparados com as classes mais altas (A, B1 e B2). Também observamos que o posicionamento político é um forte indicativo de variação, já que as pessoas que se autodeclararam à esquerda são mais sensíveis do que as que se declararam à direita ou ao centro. Um resultado intrigante se dá quando avaliamos a religião dos respondentes, com os protestantes (evangélicos e evangélicas) sendo mais insensíveis do que católicos, não havendo diferença entre as outras denominações.
Avaliados em conjunto, é imperioso relacionar esses grupos com os segmentos sociais que fornecem sustentação ao atual governo e suas políticas anti-ambientais. Os segmentos que são menos preocupados com as mudanças climáticas são, em boa medida, aqueles que aglutinam apoiadores da gestão federal. Esse grupo inclui aqueles que, no contexto brasileiro, mais contribuem para as mudanças climáticas. Contudo, são os que podem se esquivar das consequências imediatas do dano ambiental causado devido ao poder econômico. Na outra ponta estão as pessoas mais pobres que, apesar de demonstrarem preocupação com a situação, sofrem diretamente as consequências da emergência climática.
Uma possível solução para isso também se encontra nessa pesquisa. Encontramos que quando comparado com os analfabetos, aqueles que conseguiram completar até o segundo ano do ensino fundamental se mostraram mais sensíveis às questões climáticas. Ato contínuo, os entrevistados que concluíram o Ensino Superior são os que mais estão preocupados com o assunto, evidenciando a relação positiva entre tempo de ensino formal e domínio da pauta ambiental.
Destaca-se também o papel dos meios de informação. Nossos resultados apontaram para uma maior sensibilidade dos brasileiros que se informam mais pela TV do que por qualquer outro meio, incluindo eles rádio ou internet. Sendo assim, nossos resultados reforçam a necessidade de se traçar estratégias voltadas aos grupos prioritários e utilizar as ferramentas comunicativas mais adequadas para divulgação da agenda ambiental para superação do quadro dramático que vivemos hoje no Brasil. Ou como diria o músico Edgar, “percebo que todo mundo já está bem consciente, precisando só ser sensibilizado”.
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