Análises

Energia solar em telhados, um modelo sustentável para a transição energética

A emergência e a inesperada aceleração das mudanças climáticas exigem soluções viáveis para reduzir os impactos das novas energias

Paula Simas ·
30 de setembro de 2024

A instalação de painéis solares fotovoltaicos (PSPVs) em telhados de ambientes urbanos e rurais é uma importante modalidade de produção de energia renovável, apesar de ainda apresentar sérios desafios. Com mais pesquisa científica e tecnológica, regramentos e subsídios, esta pode se tornar a mais sustentável e socialmente justa forma de se alcançar a transição para zero carbono no Brasil.

Em imóveis de áreas urbanas – casas, comércios e indústrias – a instalação de placas solares pode reduzir a implantação de parques solares e eólicos, que demandam grandes extensões de terra, deslocam populações e destroem habitats. O modelo de grandes projetos empresariais eólicos e solares, além de criar grupos de pressão política, provocam conflitos sociais e impactos ambientais.

O problema não são as novas energias, mas como minimizar seus impactos. É substituir um problema por outro.

Os parques eólicos, por exemplo, são geralmente construídos em áreas ecologicamente sensíveis como os litorais, cumes de montanhas e planícies abertas. Além do desmatamento, transmitir esta energia para centros urbanos ou para as redes de transmissão já existentes demanda a implantação de novas linhas de energia, avançando em áreas de natureza intocadas.

O risco de desertificação em áreas semiáridas, como o bioma Caatinga, já agravado em consequência das mudanças climáticas, é aumentado pela chegada de empreendimentos renováveis de sol e vento. De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento (RAD), divulgado pelo MapBiomas, somente em 2022 mais de quatro mil hectares da Caatinga foram desmatados como consequência das atividades de energia eólica e solar e a construção de linhas de transmissão.

Na dimensão social, o arrendamento de terra para construção dos parques eólicos e solares praticamente sequestra as terras de agricultores familiares, em contratos, muitas vezes espúrios, celebrados pelos novos empresários “verdes”. A contrapartida de divisão de lucros quase sempre resulta em valores muito aquém do prometido. Ao mesmo tempo, com sua propriedade ocupada por projetos de geração de energia, o agricultor fica impedido de plantar. Há relatos de pescadores artesanais cercados por parques eólicos nos litorais do Nordeste. Moradores das vizinhanças têm de conviver com o barulho do movimento das pás eólicas – que ao se movimentarem liberam pó de fibra de vidro, ferindo a pele das pessoas. Do ponto de vista do ambiente silvestre, também há prejuízo: ao fugir das instalações, animais não encontram mais seus locais de caça e fontes de água. Pássaros e morcegos morrem. Estes são apenas alguns exemplos – ainda não conhecemos todos os impactos desta forma de energia renovável.

Parque eólico no Rio Grande do Norte. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP.

Instalações de energia solar e eólica produzem muito menos por metro quadrado, têm um desempenho pior e exigem mais áreas para gerar a mesma quantidade de energia produzida por usinas hidrelétricas e convencionais. Do ponto de vista dos impactos ambientais, a energia eólica e a solar e outras fontes de energia provocam danos bastante semelhantes.

A utilização de placas solares nos telhados para a produção de energia elétrica reduz não só o uso da terra, mas, também, o de matérias-primas. As placas solares utilizam principalmente a areia com alto teor de sílica (arenito de quartzo), matéria-prima abundante na natureza. Já as torres e hélices eólicas utilizam grandes quantidades de aço, ferro, cobre e alumínio provenientes de grandes projetos de mineração, além de plásticos, resinas e fibra de vidro produzidos a partir de combustíveis fósseis.

Há autores que sugerem que, entre a utilização de matéria-prima, o processo industrial, o transporte e o descarte das torres, hélices e pás, a energia eólica emita uma quantidade semelhante de emissões de gás carbônico às modalidades tradicionais.

O transporte dos componentes de uma torre eólica requer um oneroso planejamento e extensa logística. Quando precisam passar por dentro de cidades, túneis e pontes esta logística se complica bastante. Uma pá eólica pode medir até 90 metros e deve ser transportada por caminhões muito longos (rodotrens), por estradas em boas condições. As turbinas, que podem chegar a 330 toneladas, podem exigir ao longo do tempo manutenção permanente das estradas. Além disso, o transporte dos componentes precisa ser feito com escolta (em 2023 foram 2.533 escoltas feitas pela Polícia Rodoviária Federal), somente durante o dia, a uma velocidade de no máximo 60 km. Dependendo da distância a ser percorrida, o transporte pode levar mais de 10 dias.

Os custos de instalação e transporte de aerogeradores no mar tornam esta modalidade de geração de energia elétrica a mais cara, e sua viabilidade demanda subsídios. Além disso, as tempestades cada vez mais fortes e frequentes podem causar danos às hélices. Uma falha no funcionamento de uma turbina eólica provocou a queda de uma hélice de um aerogerador offshore na costa de Estado norteamericano de Massachussets forçando o governo local a fechar todas as praias da ilha de Nantucket. Estes e outros impactos em comunidades pesqueiras vêm dificultando a emissão de licenças de instalações de offshores em todo mundo.

O exemplo da Califórnia

Na California (EUA), a produção de energia solar em telhados residenciais atinge um pico e supera a demanda nas horas de sol mais forte (entre as 10h e 14h). Embora este pareça um dado positivo, a energia gerada neste horário é quase toda perdida, uma vez que neste período os moradores estão geralmente em atividades externas, como trabalho e escola.

O gráfico que ilustra este fenômeno, chamado pelos técnicos de “curva do pato”, mostra a variação na demanda residencial no intervalo de um dia – com abundância de energia de fontes renováveis nos períodos de sol e aumento do consumo durante a noite, quando a energia solar não está produzindo eletricidade.

A barriga do pato mostra os horários com menor demanda de residências que coincidentemente é o horário de maior produção de energia solar fotovoltaica. Fonte: O impacto da Curva do Pato no sistema elétrico.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, nos EUA o sistema de distribuição de energia não é interligado. Como solução, os governos locais americanos têm instalado grandes baterias para estocar a energia excedente.

No Brasil, o Sistema Integrado Nacional (SIN) conecta todo país – com exceção ao Estado de Roraima – numa única rede de transmissão de energia. Isto significa que a energia produzida em excesso nos horários de pico pelos painéis solares em Brasília pode ser jogada para onde houver maior demanda como, por exemplo, uma indústria em São Paulo.

No entanto, o sistema de distribuição de eletricidade funciona como uma orquestra e precisa estar bastante afinado para não haver cortes de energia. Para funcionar de forma eficiente, a fonte de alimentação energética deve corresponder à demanda a qualquer momento do dia, mas isso nem sempre ocorre com as energias renováveis. Em horários de pico de demanda, o sistema precisa estar pronto para fornecer energia suficiente para o grid. Algumas regiões consomem mais energia que outras, portanto, uma maior quantidade de energia precisa ser direcionada para aquela área. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que coordena as operações de geração e transmissão de energia elétrica do SIN, ainda não se adaptou à imprevisibilidade das novas fontes de energias renováveis – a eólica e a solar. Estas energias só estão disponíveis quando há vento ou sol e podem produzir muito ou pouca energia de acordo com o horário e as condições climáticas.

A imprevisibilidade das fontes de energias intermitentes dificulta a operação do sistema e faz com que a energia do vento e do sol, por exemplo, seja ainda utilizada de forma complementar. Em um futuro próximo, o desenvolvimento de novos softwares e inversores inteligentes poderá aperfeiçoar a operação de distribuição de energia na rede elétrica permitindo uma maior utilização das fontes intermitentes.

Como na Califórnia, outra solução viável seria a instalação de baterias nas redes locais para armazenar a energia excedente. Seguindo o modelo atual de créditos de energia solar, o produtor individual permanece ligado à rede local. A energia excedente gerada em horários de pico é injetada diretamente na rede local e o produtor/consumidor é compensado com o fornecimento de energia em horários em que as placas solares não produzem energia tendo acesso, portanto, à energia elétrica 24h por dia.

O estímulo à expansão dos PSFVs em telhados poderá resultar na diminuição das tarifas de energia, beneficiando os consumidores sem condições financeiras para arcar com os custos de instalação de energia solar. A parceria do programa de moradia Minha Casa Minha Vida com o Luz para Todos já prevê a instalação de PSFVs na construção de casas populares.

Modelo off-grid (fora da rede) ou com fornecimento da rede

Muitos consumidores gostariam de optar por um modelo off-grid com baterias domésticas que garantiriam o fornecimento de eletricidade mesmo quando há falta de energia em seu bairro ou cidade. Uma das principais desvantagens deste modelo de armazenamento de energia para seu uso durante a noite ou em horário de baixa produção solar é o alto custo inicial. As baterias solares domésticas têm uma capacidade de armazenamento limitada e possivelmente o proprietário precisaria superdimensionar substancialmente toda capacidade de produção e armazenamento para o uso em períodos mais longos de tempo nublado e chuvoso, dias de muito calor ou durante o inverno. Sistemas de baterias maiores, porém, são excessivamente caros. Além disso, as baterias solares exigem manutenção regular para garantir desempenho e vida útil ideais e instalação segura e em locais ventilado para evitar o superaquecimento e risco de incêndio – o que traria para o poder público a responsabilidade de fiscalizar as unidades domésticas de produção de energia solar. Pesquisas mostram que é mais barato utilizar a distribuidora local para armazenar sua energia mesmo que estas precisem instalar sistemas de baterias solares de grande porte com maior capacidade de armazenamento. Além disso, o modelo off-grid é excludente, uma vez que a população mais pobre não terá acesso a uma energia mais barata.

Diversos países vêm discutindo a questão e uma das soluções discutidas é o subsídio para a instalação de equipamentos nos telhados de residências, comércio e indústria e para as distribuidoras adquirirem baterias de armazenamento. Muitas distribuidoras reclamam que não recebem por armazenar a energia utilizada pelos consumidores. Neste caso, a solução proposta é a de aumentar ligeiramente a taxa básica para que todos possam usufruir da energia estocada durante a noite e reduzir significativamente a tarifa de energia, uma vez que a distribuidora recebe gratuitamente a energia produzida pelas placas solares nos telhados da cidade.

Impacto das Baterias

A utilização de baterias para armazenar a energia produzida em excesso durante o dia não vem sem problemas. As baterias solares utilizam elementos do tipo terras raras e outros minérios, com impactos prejudiciais ao meio ambiente. O processo industrial da fabricação das baterias de íons de lítio, por exemplo, resulta, de acordo com a Agência Internacional de Energia, em cerca de 150 kg a 200 kg de emissões de CO2 por kWh de capacidade de armazenamento. As baterias têm vida útil limitada, precisarão ser descartadas e, eventualmente, substituídas. O descarte inadequado poderá liberar produtos químicos tóxicos e metais pesados. O risco de explosões e incêndios também precisa ser considerado. Pesquisas para construir baterias com menos impactos ambientais – utilizando, por exemplo, sal – já estão em estágios avançados.

Aquecimento urbano

Outro desafio é o aumento da temperatura em até 1,5ºC durante o dia nos ambientes urbanos que contam com placas fotovoltaicas. Há mais de uma centena de estudos científicos sistemáticos que mostraram como os painéis solares afetam o clima local, aumentando significativamente a temperatura em seu entorno durante o dia. Os pesquisadores sugerem que as pesquisas futuras devem se concentrar em aumentar a refletância dos comprimentos de onda da luz solar não convertidos em eletricidade.

David Sailor, um dos autores principais de um desses estudos, professor e diretor da Escola de Ciências Geográficas e Planejamento Urbano da Universidade do Estado do Arizona (EUA), afirma que “as placas solares fotovoltaicas são um componente muito importante para a futura matriz energética na tentativa de salvar o planeta do aquecimento global”. Ele acredita que há uma oportunidade de projetar painéis que sejam mais eficazes em rejeitar o calor que não é transformado em eletricidade. “Combinando inovações em ciência dos materiais com o desenvolvimento convencional de placas solares, é possível criar uma geração do que talvez possamos chamar de “placas fotovoltaicas frias”, diz David Sailor.

As vantagens da energia fotovoltaica em telhados, no entanto, superam os desafios tecnológicos para o aperfeiçoamento das placas e baterias solares. A rapidez na instalação das placas em telhados – de cerca três meses – com que são implantadas as placas em telhados urbanos e rurais, oferece uma grande vantagem em relação a projetos comerciais, que podem levar até dois ou três anos. Isto é, sem dúvida, de grande interesse para enfrentar o agravamento vertiginoso das mudanças climáticas. Além de criar empregos verdes urbanos, pode também dinamizar a venda de aparelhos domésticos elétricos como fornos e fogões e de carros elétricos reduzindo o consumo de gás e gasolina.

A emergência e a inesperada aceleração das mudanças climáticas exigem soluções viáveis para reduzir os impactos das novas energias. Concentrar estes impactos no ambiente urbano evita o desmatamento, os conflitos sociais com pequenos agricultores e pescadores e salvaguarda a fauna de regiões ainda preservadas. Soluções rápidas e milagrosas não acontecerão em um curto espaço de tempo. Imaginar que poderemos reciclar as enormes hélices e torres eólicas quando não conseguimos reciclar o lixo urbano é otimismo exacerbado. Neste momento, é necessário investir em pesquisa, reduzir os impactos da energia solar em telhados e não criar novas dificuldades.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Paula Simas

    Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília

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