Reportagens

Energia solar domina iniciativas de combate à pobreza energética 

Escolhida pela facilidade da manutenção, energia gerada pelo sol é a queridinha de projetos em áreas da periferia. No Rio, Revolusolar atua em duas comunidades localizadas na Zona Sul

Júlia Mendes ·
18 de janeiro de 2024

Subidas e mais subidas, degraus, muros coloridos, várias vielas e a Praia do Leme ao fundo. Esse é o cenário que damos de cara ao chegar na Morro da Babilônia, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Lá de cima, uma estrutura nova, presa nos telhados,  chama atenção: os painéis de energia solar, instalados em uma quadra esportiva e na escola pública local. Nossa ida tem como objetivo visitar a ONG Revolusolar, responsável pela instalação dos painéis em conjunto com os moradores da região e de entender como funciona a cooperativa que eles montaram para manter as instalações funcionando.

Fomos recebidas na sede da organização pelo Dinei Medina, embaixador da Revolusolar, guia turístico e morador da região. Com uma satisfação nítida em sua fala, Dinei conta que a ONG atua em parceria com a favela da Babilônia e a comunidade vizinha, Chapéu Mangueira, para a construção de um modelo de energia solar social, visando combater o problema da pobreza energética, ainda muito presente no Brasil.

Foto: Julia Mendes

A Pobreza energética não se trata apenas da falta ou escassez de acesso à energia elétrica. Os dados públicos mais recentes sobre o tema são do levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o qual aponta que 99,8% da população brasileira tinha acesso à eletricidade em 2019. No entanto, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Pólis, em 2022, o dado do PNAD não considera fatores que tornam essa distribuição desigual, como a qualidade do serviço, custo e acesso para a população de baixa renda. De acordo com um estudo do IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), gastos com gás e energia elétrica comprometem metade ou mais da renda de 46% das famílias brasileiras.

É na diminuição do preço da tarifa através da geração autônoma de energia que a Resolusolar atua nos dois morros cariocas. Nascida em 2015 no Morro da Babilônia, a ONG tem como missão construir uma metodologia replicável em comunidades de baixa renda por meio da energia solar, combatendo a pobreza energética de maneira sustentável. Com o apoio das instituições parceiras TotalEnergies, Perenco, Fundo Casa Socioambiental, Consulado da Alemanha no Brasil e a UCB, a organização instala painéis fotovoltaicos em imóveis na comunidade.

Como forma de levar as pessoas a conhecerem o trabalho da ONG e o impacto dos painéis, a Revolusolar realiza um trajeto chamado Corredor Solar, em que os visitantes caminham pelas áreas da comunidade e conhecem cada uma das instalações existentes no local. O Corredor Solar já é um roteiro turístico reconhecido pela prefeitura do Rio de Janeiro.

Marca do corredor solar. Manchinhas amarelas indicam o caminho dos melhores pontos onde se pode ver as placas solares. Foto: Daniele Bragança.

As primeiras instalações no local foram realizadas em 2016 em dois empreendimentos comerciais: Estrelas da Babilônia e Babilônia Rio Hostel. Em 2018 foi feita a primeira instalação em um espaço público e também realizada pelos próprios moradores, na Escolinha Tia Percília. Em 2021, a primeira cooperativa de energia solar em uma favela no Brasil foi instalada, a Cooperativa Percília e Lúcio de Energias Renováveis, mantida pelos próprios moradores.

Atualmente, a Revolusolar trabalha em diversos estados brasileiros, com três territórios no Rio, dois em São Paulo, um território no Espírito Santo, um em Manaus e outro em Maricá. Segundo Eduardo Avila, diretor-executivo da organização, a meta é alcançar 100 territórios até 2025.

A ONG estruturou uma metodologia para a instalação e desenvolvimento do projeto em todos estes territórios. Chamada de ciclo solar, a estratégia é um modelo de desenvolvimento comunitário a partir da energia solar que não se restringe a apenas a instalação de placas fotovoltaicas. Eduardo explica que o ciclo se baseia em três eixos principais: eixo de energia sustentável, que além da instalação de energia solar também envolve medidas de eficiência energética, um eixo de formação profissional, onde os moradores capacitam-se para serem eletricistas, instaladores e para fazer a manutenção da estrutura e, por fim, o eixo de educação e cultura que visa capacitar a comunidade para assumir a autogestão de todas as atividades.

“Nós estruturamos a implantação dessa metodologia em cada território em dois grandes estágios, o primeiro estágio é a instalação e o trabalho com uma ou mais instituições locais do território. O estágio 2 é chegar em um outro modelo com maior escala nas residências das famílias da comunidade, como as cooperativas”, explica Eduardo.

Embora mais complexo de ser instalado e colocado em prática, o modelo de cooperativas confere mais autonomia para a comunidade e garante que ela tenha acesso à energia sustentável. No modelo de cooperativas já iniciado na Babilônia e Chapéu Mangueira, os moradores cooperados pagam uma taxa de 50% do desconto à cooperativa para a sua manutenção. Essa taxa, no entanto, é abatida do valor da conta de luz.

De acordo com Dinei Medina, a Cooperativa Percília e Lúcio de Energias Renováveis contempla 49 famílias das duas comunidades. A usina de energia solar está localizada no telhado da associação de moradores e é distribuída para cada uma das 49 moradias. Cada família tem um medidor da Light, empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica no Rio de Janeiro.

A gerente de projetos da ONG, Brenda Santana, explica que o papel da cooperativa é enviar para a Light a relação das pessoas com os números de medidores que vão receber o desconto. Por exemplo, o medidor X vai receber 10% da energia que foi gerada na usina, enquanto o outro vai receber 5%. Se a usina gerou 3.000 Kwh no mês, então o morador que tem 10% vai receber 300 kwh na conta de desconto, o outro vai receber 150 kwh. Segundo Brenda, a porcentagem é definida a partir de um estudo de um ano de consumo da conta dos moradores. Assim, de acordo com o desvio padrão e a média de consumo, é possível estabelecer quantos % serão alocados para determinada família.

“Nós criamos junto com a comunidade esse esquema que pode ser considerado um modelo de negócio social. Ele envolve uma contribuição mensal dos cooperados sempre em valor menor do que eles economizaram na conta de luz por conta da geração de energia da cooperativa. Eles saem sempre no verde e isso gera uma receita recorrente na cooperativa que vai arcar com os custos de operação”, explica Eduardo.

Sede da cooperativa Percília e Lúcio. Foto: Daniele Bragança.

Segundo o diretor, a ideia é propor esse modelo de cooperativa para todo o Brasil, como uma forma de solução à desigualdade na distribuição de energia do país. Ele acredita que empresas, prefeituras e governos em geral são capazes de se engajar nesta ideia.

“Enquanto estamos fazendo também buscamos  influenciar para que outros façam. O problema do Brasil relacionado à pobreza energética é muito grande. A grande maioria da população brasileira não consegue pagar as contas de luz, não consegue ter um ar-condicionado agora nesse calorão que está fazendo ou fica sem luz quando tem qualquer chuva. E isso é uma condição estrutural que mantém as pessoas no ciclo de pobreza. A energia é um determinante para o desenvolvimento humano, social e econômico dessas comunidades.”

No entanto, a proposta da autogestão não é tão fácil de ser implementada. Segundo Brenda Santana, o principal desafio para que isso aconteça se encontra na questão estrutural da cooperativa. Por ser uma instituição à parte da Revolusolar, os cooperados precisam estar envolvidos na proposta e entender a importância deste envolvimento para que a cooperativa possa caminhar. “Além deles não terem muito tempo por conta de seus trabalhos formais, o que acaba não dando muito tempo para gerir a cooperativa, também falta engajamento da parte deles”, completa Brenda. 

Para o embaixador Dinei Medina, o trabalho da ONG contempla muito além da luta contra a pobreza energética. Segundo ele, é uma preocupação social e um combate à desigualdade como um todo. A pobreza energética é uma das raízes deste problema central do Brasil. “O que nós queremos mesmo é construir tudo junto”, completa Dinei.

  • Júlia Mendes

    Estudante de jornalismo da UFRJ, apaixonada pela área ambiental e tudo o que a envolve

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