Quase dois terços da área oceânica mundial estão fora das jurisdições nacionais, em regiões de alto-mar. Até agora, a conservação e o uso menos agressivo dessa vasta “terra de ninguém” não tinham regras para limitar atividades humanas e proteger a biodiversidade. Isso pode começar a mudar a partir de 17 de janeiro.
A data marca a entrada em vigor do Acordo sobre a Biodiversidade Marinha em Áreas Além das Jurisdições Nacionais (BBNJ, na sigla em inglês), já assinado por mais de 140 países. A ratificação brasileira ocorreu durante a COP30 da Convenção do Clima, realizada em Belém (PA).
Na prática, o chamado “Tratado do Alto-Mar” pode preencher uma lacuna histórica na governança dos oceanos se realmente estabelecer normas efetivas comuns para regiões que não pertencem a nenhum governo isolado, mas que têm um papel central para regular o clima e manter a vida marinha.
O acordo demorou duas décadas para sair do forno, um longo prazo onde pressões econômicas só cresceram. Uma delas é a corrida pela mineração nas profundezas oceânicas, atividade cercada de grandes incertezas científicas e riscos de danos irreversíveis a ecossistemas únicos e pouco conhecidos.
Por isso é fundamental que os países ligados ao acordo definam rapidamente suas regras para repartir de forma justa benefícios oriundos do uso de recursos genéticos marinhos, executar avaliações de impacto ambiental de atividades danosas, capacitar e transferir tecnologias para países em desenvolvimento.
Outro eixo central é tirar de vez o alto-mar da pindaíba de resguardo legal: hoje apenas 1% da área tem algum amparo formal. Ainda bem, a Convenção sobre Diversidade Biológica já mapeou zonas prioritárias que podem atrair ações coletivas de conservação.
Além de abrir alas para que se criem instrumentos práticos de gestão oceânica, o acordo pode consolidar o princípio de que a biodiversidade marinha além das jurisdições nacionais é um patrimônio comum da humanidade, visão defendida pelo Brasil e outros países do Sul Global.
No entanto, isso pode bater de frente com políticas e expectativas de muitos governos para os quais os recursos marinhos devem seguir sendo explorados sob uma lógica econômica estrita, de forma rápida e predatória.
Embora o Brasil já tenha por volta de 26% protegidos de sua área marinha – algo próximo da meta internacional de 30% –, o país ainda enfrenta desafios relevantes, sobretudo quanto à efetividade dessas áreas para conservação e à proteção da maior variedade possível da vida costeiro-marinha.
Nesse cenário, o tratado chega como uma oportunidade para o país alinhar sua política externa à agenda ambiental caseira, fortalecer a cooperação internacional e contribuir para uma governança mais justa e sustentável dos oceanos.
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