A Serra do Curral é um patrimônio histórico, cultural e natural da cidade de Belo Horizonte. Motivo de orgulho dos moradores, integra o brasão da cidade e possui um expressivo significado simbólico. Situada no Quadrilátero Ferrífero, é formada, em sua maior parte, por rochas ricas em ferro, o que serviu de motivação para a exploração desordenada de suas jazidas, tanto no passado, como no presente. Embora uma pequena parte tenha sido tombada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), trechos significativos já foram explorados e descaracterizados, de forma irreversível, pela mineração e pela expansão da malha urbana.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tombá-la integralmente tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A proposta foi protocolada depois que o governo estadual colocou entraves ao processo normal de tombamento, protelando a votação e destituindo a presidente do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (CONEP). Enquanto isso, projetos de exploração de minério de ferro, em operação ou em fase de licenciamento, colocam em risco ainda maior a proteção do marco geográfico mais representativo da capital mineira.
Além de marcar a transição dos domínios fitogeográficos da Mata Atlântica e do Cerrado, a Serra do Curral abriga campos rupestres ferruginosos, também conhecidos como cangas. São ecossistemas singulares que abrigam uma rica diversidade florística, incluindo um número significativo de espécies endêmicas e ameaçadas. Um levantamento da flora realizado em um pequeno trecho no alto da Serra, dentro dos limites do Parque Municipal da Serra do Curral, identificou 10 espécies classificadas em alguma categoria de ameaça, sendo cinco delas na lista de espécies da flora ameaçadas de extinção do Ministério do Meio Ambiente (2014) e oito na lista das espécies ameaçadas de Minas Gerais (2008), elaborada pela Fundação Biodiversitas, seguindo os critérios da IUCN. Quatro delas, a orquídea Cattleya caulescens, o cacto Arthrocereus glaziovii, a velosiácea Barbacenia williamsii e a gesneriácea Sinningia rupícola, são consideradas endêmicas do Quadrilátero Ferrífero.
Não bastassem as ameaças ao rico patrimônio natural da Serra do Curral, uma trilha bastante conhecida pelos montanhistas e excursionistas da Região Metropolitana de Belo Horizonte também corre o risco de desaparecer, caso novos empreendimentos minerários venham a ser autorizados na região.
A travessia BH até Nova Lima é uma das caminhadas mais tradicionais da capital mineira. Tem sido realizada anualmente, desde 1969, pelo professor e biólogo Antônio Liparini, seus alunos e seguidores, em eventos que reúnem mais de uma centena de participantes. O Grupo Ecocultural Pé no Chão também realiza essa travessia há 30 anos, quase sempre no dia 1o de maio, em comemoração à sua fundação, evento que conta com dezenas de participantes.
Diversos outros grupos, organizações e excursionistas realizam essa caminhada periodicamente, conforme pode ser constatado por meio de uma busca simples na Internet, o que comprova que se trata de um roteiro tradicional e consolidado, há anos, em Belo Horizonte. Apenas no site Wikiloc, especializado no compartilhamento de trilhas, são mais de uma centena de referências. Recentemente, esta caminhada foi incluída no item “Recursos e Valores Fundamentais”, do plano de manejo em elaboração para o Parque Estadual Florestal da Baleia, unidade de conservação localizada na encosta da Serra do Curral.
Do ponto de vista ambiental, a travessia pode ser entendida como uma ferramenta de conservação, ao conectar unidades de conservação como o Parque Estadual Florestal da Baleia, o Parque Municipal das Mangabeiras e a RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Mata do Jambreiro, funcionando como um corredor ecológico para a fauna.
A rota tradicional tem início no Hospital da Baleia (Fundação Benjamin Guimarães), passa pelo Parque Florestal Estadual da Baleia, cruza a Serra do Curral pelo Pico Belo Horizonte, um dos pontos mais alto da cidade, com 1.390m, seguindo em direção à Mata do Jambreiro, até o bairro Boa Vista, já em Nova Lima, com final na Praça do Mineiro. O trajeto de aproximadamente 15 km é repleto de belas paisagens, trechos de Mata Atlântica, cerrado, campos rupestres quartzíticos e ferruginosos, além de áreas mineradas abandonadas ou em recuperação, alternando trilhas estreitas e antigas estradas fora de uso, em um percurso ideal para quem está iniciando na prática do montanhismo ou mesmo para aqueles que apreciam o contato com a natureza, simplesmente para espairecer e “recarregar as baterias”.
O Complexo Minerário Serra do Taquaril (TAMISA), empreendimento de mineração em processo de Licenciamento Ambiental junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), está previsto para ser implantado no município de Nova Lima, junto aos contrafortes da Serra do Curral, na divisa com Belo Horizonte. Além de impactar uma área de grande relevância natural, formada por fragmentos de Mata Atlântica, nascentes, campos rupestres e campos ferruginosos, onde ocorrem espécies endêmicas, raras e ameaçadas da flora e da fauna, também irá comprometer a realização da tradicional travessia BH – Nova Lima. Especialmente na Fase 2 do empreendimento, o traçado da travessia será totalmente inviabilizado pela Cava Oeste.
Cabe destacar que a travessia BH – Nova Lima sequer foi considerada no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento, seja no diagnóstico ambiental ou na avaliação de impactos ambientais, ignorando a existência e a possibilidade de eliminação deste importante bem turístico e histórico que conecta os dois municípios. Na audiência pública do empreendimento, realizada no dia 28/10/2021, quando questionado sobre a possibilidade de eliminação da travessia e sua omissão no EIA/RIMA, o representante da TAMISA demonstrou total desconhecimento e descaso, atribuindo pouca importância ao fato.
A Federação de Montanhismo e Escalada do Estado de Minas Gerais (FEMEMG), juntamente com o Centro Excursionista Mineiro (CEM) e o Grupo Ecocultural Pé no Chão, organizações sem fins lucrativos ligadas ao excursionismo e ao montanhismo em Minas Gerais, se manifestam absolutamente contrárias à implantação do Complexo Minerário na Serra do Curral e solicitaram formalmente à SEMAD-MG, que a negligência do empreendedor em relação à possibilidade de eliminação da referida travessia fosse levada em consideração no processo de licenciamento ambiental em andamento.
Movimentos capitaneados por organizações como o Projeto Manuelzão, o Instituto Guaicuí, entre outras, vem tentando pressionar as autoridades para que o tombamento de uma porção maior da Serra do Curral seja viabilizado no âmbito Estadual, o que ajudaria a frear o processo de degradação que ameaça um dos principais cartões-postais da cidade. Um abaixo-assinado está disponível na Internet.
Não é a primeira vez que os montanhistas de Minas Gerais se unem em prol da preservação de seus morros e montanhas. Na década de 1980, um movimento liderado por escaladores impediu a destruição de um maciço calcáreo existente na região da Serra do Cipó e resultou na criação da Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira. Hoje a região se tornou um importante polo de escalada, reconhecido no Brasil e no exterior.
Outro caso recente de mobilização popular vitoriosa foi o movimento em prol da preservação da Floresta do Camboatá, em Deodoro, no Rio de Janeiro, que quase teve sua área convertida em um autódromo. Depois de muita luta, no último dia 10 de dezembro, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), sancionou a lei nº 7.183/2021, que estabelece a criação do Refúgio de Vida Silvestre do Camboatá. Sem dúvida nenhuma um exemplo a ser seguido pela população de Belo Horizonte que preza pelas suas áreas naturais e por um dos símbolos da sua cidade: a Serra do Curral.
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*Editado às 15h54, do dia 03/01/2021.
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