Com economia ainda baseada no extrativismo básico, sem agregação de valor, o Brasil se mantém firme e forte nos primeiros postos globais como produtor e exportador de produtos primários que tentam matar a insaciável fome dos mercados globais, como soja, carne e minérios como cobre, zinco, chumbo, estanho, bauxita, carvão e ferro. Outro item nessa pauta é justamente o ouro, que só perde para o minério de ferro em valor exportado e do qual o Brasil vende todo ano cerca de 50 toneladas, principalmente para Reino Unido, Suíça, Emirados Árabes, Estados Unidos e Canadá.
Se todo esse ouro tem origem certificada e sustentável é uma questão em aberto. Afinal, garimpos respondem por 12% da produção nacional. O restante cai na conta de empresas como Kinross, AngloGold Ashanti, Yamana Gold e Jaguar Mining.
De olho neste cenário, ganha importância a denúncia recente do Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto Socioambiental que revelou graus extremos de contaminação de populações indígenas por mercúrio em garimpos ilegais (confira aqui). Além do absurdo da situação – com reservas livremente invadidas, pessoas e ambientes contaminados -, o fato crava mais um ponto no mapa nacional de problemas que se perpetuam pela morosidade governamental.
Há quase uma década, Brasil e a França assinaram um acordo para agirem juntos contra o garimpo ilegal de ouro em grande faixa dos dois lados da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. De lá para cá, a iniciativa segue deitada em berço esplêndido, enquanto contaminação, violência e criminalidade ganham terreno na região. Implantar o combinado entre os então presidentes Lula e Sarkozy, coincidentemente ambos envolvidos em denúncias de corrupção, ajudaria a desenhar modelos para redução dos impactos sociais e ambientais do garimpo, bem como a conduzir os garimpeiros a atividades menos danosas a si e ao meio ambiente.
Estimativas globais mostram que para cada quilo de ouro que se extrai são movimentadas mais de 500 toneladas de terra, e os garimpos ilegais ou de pequeno porte ainda são grandes usuários de mercúrio. A substância que chega aos garimpos pelas mãos do contrabando ajuda a separar o ouro de outros materiais e, quando alcança águas, solos e ar, se torna fonte de problemas para o cérebro, coração e visão dos humanos em contato com a substância. Mulheres grávidas podem ter filhos com má formação. Pessoas são afetadas com mais frequência pelo contato direto com o mercúrio ou por se alimentarem com peixes contaminados.
Outro movimento que ajudaria a conter os efeitos colaterais do garimpo ilegal está ligado à chamada Convenção de Minamata. O acordo vinculado às Nações Unidas defende a eliminação do uso de mercúrio em atividades ilegais e de processos industriais que possam usar outros produtos. Tudo isso nos próximos 4 anos. Mas para que o texto tenha mais peso para ser aplicado pelos 128 países que o assinaram, ele precisa ser ratificado por 50 deles. Até agora, apenas 25 o fizeram. O Brasil ainda não (confira aqui).
Quase meio milhão de pessoas atuam com garimpo ilegal no Brasil, espalhadas especialmente em regiões preservadas da Amazônia, dentro e fora de Terras Indígenas e de Unidades de Conservação. Tamanha legião de descamisados e os impactos socioambientais que provocam ainda não chamaram a atenção do Governo. Não surpreende. Afinal, quem mantém à frente de pastas estratégicas do Executivo ministros anti-indígenas e anti-áreas protegidas e lava as mãos para o desmonte da legislação socioambiental deixa cristalinas suas reais intenções frente às populações tradicionais e à proteção do meio ambiente.
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