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Todos os Yanomami pesquisados pela Fiocruz estão contaminados por mercúrio

Todas as 287 pessoas analisadas estavam contaminadas, em algum grau, por mercúrio. Amostras de peixes coletados apresentaram resultado parecido

Júlia Mendes ·
9 de abril de 2024

Como se já não bastasse a presença do garimpo no território Yanomami, o mercúrio proveniente do crime já é uma realidade na saúde desse povo indígena. Foi o que mostrou o estudo liderado pela Fiocruz, que identificou a presença do metal tóxico em amostras de cabelo de indígenas de nove comunidades localizadas em Roraima. Dos 287 indivíduos analisados, todos apresentaram níveis de mercúrio nas amostras capilares, incluindo crianças e idosos. Além disso, 47 amostras de pescados também foram analisadas e todas apresentaram o metal tóxico. 

A TI Yanomami é a mais impactada pelo garimpo na Amazônia, de acordo com o levantamento realizado pelo Greenpeace em março deste ano. Até dezembro de 2023, o território indígena tinha 3.892 hectares de áreas abertas para a atividade. 

As coletas foram realizadas em dezembro de 2022 na região do Alto Rio Mucajaí, local que é alvo do garimpo ilegal há décadas. Por meio da pesquisa foi possível comprovar que o garimpo não só provoca destruição ambiental e violência nas comunidades indígenas, como também prejudica a saúde dos povos locais. 

84% das 287 amostras de cabelo examinadas apresentaram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 µg/g. Já 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, um índice considerado alto. Segundo a pesquisa, indígenas com níveis mais elevados de mercúrio apresentam déficits cognitivos e danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pés e pernas, com mais frequência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente a grupos vulneráveis. Além do mercúrio, exames clínicos também foram realizados para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão.

“Como resultado, ampliou-se o entendimento sobre os efeitos negativos (diretos e indiretos) provocados pela presença de garimpos ilegais de ouro e o consequente uso do mercúrio à saúde da população local. Infelizmente, nossos achados não deixam dúvidas que o garimpo ilegal de ouro na região do Alto Rio Mucajaí tem afetado a população local, uma vez que foram detectados níveis de mercúrio em todas as amostras de cabelo analisadas, incluindo adultos, idosos, homens, mulheres e crianças, sem exceção”, apresentou o estudo. 

O médico pesquisador na Escola Nacional de Saúde Pública da da Fiocruz no Rio de Janeiro, Pedro Paulo Basta, explicou que não houve diferença nos níveis de mercúrio entre homens e mulheres ou adultos e crianças. As diferenças notáveis se deram em relação ao local de residência da população: os níveis mais altos do metal foram identificados nas pessoas que moravam em aldeias mais próximas a atividades de garimpo ilegal no território. 

Um suposto garimpeiro mostra alguns gramas de ouro em uma área de garimpo ilegal dentro da terra indígena Yanomami, no estado de Roraima, em 7 de fevereiro de 2023. Foto: Michael Dantas/AFP.

Além disso, a pesquisa também mostrou que todas as 47 amostras de pescados analisadas revelaram índices de contaminação com mercúrio. As maiores concentrações foram detectadas em peixes carnívoros, o que comprova o fenômeno de bioacumulação do metal. Embora as coletas de água não tenham apresentado o mercúrio, duas amostras de sedimentos apresentaram níveis do metal considerados elevados, de acordo com Basta, que também coordenou o estudo. 

“Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos”, disse o pesquisador. 

A pesquisa foi realizada pela  Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, manifestou seu repúdio contra o garimpo ilegal e os efeitos nocivos do mercúrio nos povos indígenas, a partir de um vídeo publicado em suas redes sociais. “Por isso volto a dizer, o garimpo ilegal é um risco para a vida dos povos indígenas, uma ameaça a nossa biodiversidade. Seguiremos trabalhando para combater essa atividade criminosa, que gera destruição e morte, e também ampliando os esforços de atendimentos à saúde para reabilitação dos povos indígenas afetados pelo garimpo”, disse. 

  • Júlia Mendes

    Estudante de jornalismo da UFRJ, apaixonada pela área ambiental e tudo o que a envolve

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