Quando você ouve falar em fungos, provavelmente o que lhe vem à mente são comidas mofando, ou até mesmo doenças causadas por fungos, como as famosas micoses. O que passa desapercebido para a maioria das pessoas, porém, é o papel fundamental que eles desempenham em nossas vidas. Os fungos são os principais decompositores da natureza. Além de degradar pães e aquele arroz que você esqueceu na geladeira, eles também são os principais recicladores da matéria vegetal. Imagine um mundo onde cada folha, galho e tronco que caia não seja decomposto – em pouco tempo, estaríamos cobertos por matéria orgânica morta. Eles também estabelecem relações simbióticas com as plantas – chamadas de micorrizas – sem as quais boa parte delas não seria capaz de sobreviver. E a partir dos fungos são extraídos diversos medicamentos, como antibióticos, imunossupressores e a insulina, além, é claro, de cervejas, vinhos, e quaisquer bebidas alcoólicas, que só são possíveis graças ao metabolismo fermentativo de fungos como as leveduras.
Apesar de sua importância, os fungos permanecem em grande parte desconhecidos. Estima-se que conhecemos menos de 10% das espécies existentes e resta ainda mais para ser descoberto sobre como essas espécies vivem. Você provavelmente sabe que a Fauna é o conjunto dos animais de um local, e a Flora, o conjunto de plantas, porém, até recentemente, não havia um termo equivalente para os fungos. Visando corrigir isso, em 2018, pesquisadores dos Estados Unidos, Argentina e Brasil propuseram o termo Funga.
Nos últimos anos, pesquisadores têm explorado a Funga do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, o que levou a publicação de artigos científicos identificando duas novas espécies de fungos: Antrodia neotropica e Fomitiporia nubicola. Ambas as espécies estão associadas a plantas típicas do bioma Mata Atlântica.
Antrodia neotropica é um fungo decompositor de madeira morta, encontrado crescendo exclusivamente em Baccharis uncinella, espécie de “vassoura” presente na Serra Geral, no sul do país, e predominante nas vegetações dos vassourais. Já a Formitiporia nubicola aparece associada especialmente a Drimys angustifolia (nome popular: casca-d’anta), espécie típica de florestas de altitude, acima de 1.000m, como as Matinhas Nebulares.
Apesar de recentemente descobertas, as espécies já se encontram ameaçadas de extinção. Elas fazem parte de um conjunto de 10 espécies de fungos que foram avaliadas e incluídas na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, a União Internacional pela Conservação da Natureza, principal autoridade sobre a conservação de espécies no mundo. Das 10 espécies que tiveram seu risco de extinção avaliadas, 9 foram consideradas ameaçadas com status Vulnerável, entre elas, Antrodia neotropica e Fomitiporia nubicola. E uma espécie, Wrightoporia araucariae, que cresce apenas em araucárias (Araucaria angustifolia), está Criticamente Ameaçada de extinção.
Por serem espécies raras e com uma distribuição muito restrita, apresentam populações pequenas e fragmentadas, e são grandemente impactadas pelas ações do homem, sendo a perda de área e qualidade de habitat, assim como a fragmentação dos mesmos, as principais ameaças para sua sobrevivência. Além disso, os ambientes de altitude nos quais se encontram são particularmente afetados pelas mudanças climáticas e, se nada for feito, elas e muitas outras espécies destes ambientes desaparecerão num futuro mais breve do que imaginamos.
Os estudos científicos que propiciaram essas descobertas foram desenvolvidos pelos membros do programa de pós-graduação em Biologia de Algas, Fungos e Plantas da Universidade Federal de Santa Catarina como parte de projetos que estão ocorrendo no Parque Nacional de São Joaquim: o Programa de Pesquisas em Biodiversidade (PPBIO núcleo Mata Atlântica), o de Pesquisas Ecológicas de Longo Duração (PELD) e o projeto MIND.Funga, de monitoramento e inventário da diversidade de fungos, através da pesquisa com macrofungos ameaçados de extinção das matas nebulares de Santa Catarina à inovação na identificação das espécies.
Desde 2006, o Parque Nacional de São Joaquim tem aumentado a sua área regularizada, chegando a aproximadamente 50% de áreas desapropriadas e devolutas, tornando a Unidade de Conservação um importante local de desenvolvimento de pesquisas científicas, que por sua vez produz um vasto material sobre a diversidade ecológica no Parque. Essas descobertas mostram como ainda há muito a ser conhecido em termos de biodiversidade em nosso país e a importância das Unidades de Conservação na proteção do nosso patrimônio natural. O investimento em regularização fundiária traz benefícios aos usos públicos recreativo e científico, e garante a proteção da natureza contra processos danosos como, por exemplo, a perda e fragmentação de habitats e a introdução de espécies exóticas.
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Excelente artigo e excelente trabalho, parabéns!