Embora o documento final da COP30 não tenha registrado por falta de consenso o mapa do caminho para a substituição progressiva dos combustíveis fósseis, a conferência deixou clara uma mensagem: não há solução possível para a crise climática sem o oceano. Pela primeira vez, o tema assumiu um papel central nas discussões da agenda global, consolidando-se como um dos legados do encontro. A relação oceano e clima é indissociável.
A razão é inequívoca. O oceano produz cerca de metade do oxigênio da Terra, captura diretamente 30% do dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e já absorveu 90% do excesso de calor gerado pelo aquecimento global. No entanto, esse aliado, que viabiliza a nossa existência no planeta, vem chegando ao limite de sua capacidade de suportar o contínuo aumento do calor em decorrência da crescente emissão de gases de efeito estufa na atmosfera.
O aquecimento global vem provocando mudanças profundas no ambiente marinho e em sua dinâmica. O aquecimento progressivo da água do oceano tem provocado aumento na frequência e intensidade das ondas de calor marinhas, acidificação e redução dos níveis de oxigênio no mar, comprometendo a vida marinha — os efeitos atingem o equilíbrio do ecossistema marinho, a abundância das espécies, estruturas de costões rochosos, praias, baías, manguezais, recifes de corais, impactando, assim, a economia, a segurança alimentar, as nossas próprias vidas. Paralelamente, o nível médio do mar sobe em ritmo acelerado devido ao aquecimento e ao derretimento de geleiras, representando ameaça crescente às comunidades costeiras.
Diante desse cenário, a COP30 ressaltou a urgência de medidas de adaptação. A elevação da temperatura global ameaça desencadear consequências potencialmente irreversíveis, o que torna imprescindível compreender como a interação entre oceano e clima impacta o ecossistema, territórios, cidades e pessoas. A inserção desses temas no centro do debate climático é um avanço que pressiona e amplia o espaço para a concepção de políticas públicas baseadas em pesquisas científicas consistentes.
O oceano pode ser também um grande aliado na transição energética a partir do uso de tecnologias para a produção de energia renovável. Alguns exemplos são a eólica offshore, que produz energia elétrica a partir dos ventos em alto-mar, sistemas flutuantes com painéis solares podem ocupar grandes áreas do espaço marinho de forma sustentável, com grande capacidade para atender regiões costeiras. Há, ainda, outras fontes que podem ser geradas a partir do oceano: advindas das ondas, correntes, marés e gradientes de temperatura e de salinidade. Além disso, outros produtos podem ser obtidos, como o hidrogênio verde, um combustível de baixa emissão, decorrente da eletrólise da água do mar – processo que utiliza eletricidade para separar o hidrogênio do oxigênio. Estas possibilidades mostram como o oceano pode ser também um aliado para medidas de mitigação e adaptação do cenário atual. A Zona Econômica Exclusiva Brasileira tem potencial de produção de quase 6 mil GW. Para se ter uma ideia, a capacidade instalada da hidrelétrica de Itaipu é de 14 GW.
Ao longo da COP30, a frequência e a relevância das discussões sobre o oceano surpreenderam positivamente a comunidade científica. Diversos painéis dedicaram-se a conectar ciência, tecnologia e políticas públicas, reforçando a necessidade de ampliar pesquisas, produzir dados em tempo real e fortalecer redes de cooperação. O objetivo é claro: oferecer conhecimento sólido para orientar estrategicamente medidas de mitigação e adaptação, tornando cidades mais resilientes e protegendo populações vulneráveis.
O debate avançou de maneira inédita e a tendência é que o tema se consolide definitivamente nas próximas agendas internacionais. Para isso, será essencial também sustentar o diálogo com base científica, ampliar os investimentos em pesquisa e o financiamento contínuo, de modo a aprimorar modelos, previsões e estratégias.
O oceano precisa permanecer na agenda do debate e decisões para o enfrentamento das mudanças climáticas. A COP30 representou um passo nesse sentido, muitos outros serão necessários. Afinal, oceano e clima são dimensões indissociáveis – compreendê-lo e protegê-lo significa, em última instância, preservar a vida em nosso planeta. O que antes era tratado como hipótese hoje é consenso científico: não existe estabilidade climática sem um oceano saudável.
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