Análises

Os caminhos do montanhismo e a aventura em Petrópolis (RJ)

Uma reflexão sobre as contribuições do Congresso Brasileiro e Internacional de Atividades de Aventura, realizado entre os dias 22 e 25 de maio

Fernando Pessoa · Marcelo Porretti ·
7 de junho de 2024

Imersos na temática ambiental integrada ao esporte, lazer, cultura e educação, o XIII Congresso Brasileiro de Atividades de Aventura (CBAA) e o VII Congresso Internacional de Atividades de Aventura (CIAA) foram realizados de 22 a 25 de maio de 2024 na cidade de Petrópolis, Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro.  Com o tema “Os caminhos do montanhismo: turismo, educação, lazer, esporte e cultura”, o evento superou o número de 400 participantes, com inscrições de 15 estados distribuídos por todas as regiões do país. Na parte internacional do evento, houve a participação de palestrantes/pesquisadores do Chile e da Alemanha. Tais números e abrangência geográfica superaram qualquer expectativa, o que nos leva a pensar sobre a importância do tema e seus possíveis desdobramentos.

Localizado na região turística da Serra Verde Imperial, o município de Petrópolis se destaca por seu circuito histórico, a partir das heranças deixadas pela família imperial, que fazem parte do patrimônio histórico nacional; e pelo turismo de natureza, com seus importantes fragmentos de ecossistemas da Mata Atlântica e relevo montanhoso. Um convite à aventura! E assim foi feito pelos congressos, com o desafio de integrar a parte acadêmica – representada por mesas-redondas, minicursos e apresentação de trabalhos, submetidos nos formatos resumo e trabalho completo – com uma parte prática que envolvia oficinas e ações esportivas, vivenciais e culturais. No total, foram cerca de 40 atividades, além da Travessia Petrópolis-Teresópolis (no Parque Nacional da Serra dos Órgãos), realizada como trilha pré-evento e com foco na interpretação ambiental e nos princípios de mínimo impacto.

A maior parte das atividades acadêmicas foi realizada no Cefet/RJ Petrópolis e na Universidade Católica de Petrópolis (UCP), organizadoras do evento ao lado do projeto de extensão e pesquisa Expedições do Cefet/RJ e do Laboratório de Estudos do Lazer (LEL) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Cabe destacar que o Congresso surgiu em 2006 na UNESP de Rio Claro, no Departamento de Educação Física através do LEL, motivado pelo crescimento emergente do interesse de pesquisadores e profissionais em investigar respostas à problemática envolvendo as Atividades de Aventura na Natureza.

Como consequência do amplo desenvolvimento dessas atividades, ocorre a aproximação de dois universos: o esporte, em suas vertentes envolvendo o alto rendimento e o contexto recreativo no lazer, e o turismo. Frente a essa realidade, verifica-se a importância da integração desses setores, mobilizados pela busca da sustentabilidade nas atividades de aventura.

Tal robustez, preocupação ambiental e de sustentabilidade, aliada ao fenômeno estudado das Atividades de Aventura, reuniu em Petrópolis profissionais de diversas áreas, tais como: Ciências Biológicas, Ciência da Computação, Desenho de Projetos, Ecologia, Educação, Educação Física, Enfermagem, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil, Engenharia da Computação, Engenharia Elétrica, Filosofia, Geociências, Geografia, História Natural, Letras, Matemática, Medicina Veterinária, Música, Odontologia, Psicologia, Recursos Florestais e Engenharia Florestal, Sociologia, Turismo, Zoologia e Biblioteconomia. Essa diversidade reflete as inúmeras compreensões e abordagens sobre a aventura, inclusive com importantes debates sobre o uso público em unidades de conservação, sobre como elas vêm sendo frequentadas e a percepção de como as áreas naturais vêm sendo “utilizadas”. Por mais que os congressos tenham uma preocupação científica e ambiental, o público diverso mostra um retrato do interesse pela temática Aventura, sendo cada vez mais urgente essa perspectiva integrada.

Diversos campos da ciência têm se preocupado em promover reflexões capazes de alertar e subsidiar as organizações políticas, as gestões públicas, bem como as empresas e as instituições escolares, no sentido de buscarem disseminar as éticas envolvendo sustentabilidade, equidade e cidadania. Entretanto, um dos grandes desafios que se apresenta na atualidade é o de unir forças, com o objetivo de estimular atitudes compromissadas com a minimização do consumismo exacerbado e com a ampliação de condutas sustentáveis, pró-ambientais e de preservação/conservação dos bens naturais e culturais. Foi neste contexto que as atividades dos congressos ocorreram, com algumas ao ar livre, como o CityTour da Aventura, que apresentou o centro histórico a partir de oficinas de orientação, slackline, skate e parkour; e as atividades vivenciais, que exploraram e apresentaram o município por meio de trilhas, caminhadas, escaladas, rapel e passeio de quadriciclo, entre outros, em vários pontos de Petrópolis e arredores, como o Morro Meu Castelo (Parque Nacional da Serra dos Órgãos), a região de Secretário, a Reserva Biológica Estadual de Araras e o Parque Natural Municipal Padre Quinha.

Mapa mostra as unidades de conservação no município de Petrópolis. Elaborado por: Bruno César dos Santos/Cefet-Petrópolis

Na sexta, dia 24/05, o CBAA-CIAA organizou a Feira de Aventura na Praça Visconde de Mauá (Praça da Águia), evento gratuito e aberto ao público em geral. A Feira contou com estandes ligados ao conteúdo da Educação Física Escolar, equipamentos de aventura, lojistas locais associados à aventura, agências de Turismo de Aventura, secretarias de Turismo de Magé e Petrópolis, marcas e instituições parceiras, além de atividades recreativas de slackline, skate, bikes da equipe Santa Cruz e simulação de voo de asa-delta. Em frente à praça, no Centro de Cultura Raul de Leoni, ocorreu uma exposição de fotos relacionadas às atividades de aventura, um cine debate e duas mesas-redondas.

Importantes reflexões estiveram presentes nos dias de congresso, principalmente associadas aos impactos (positivos e/ou negativos) da aventura em ambientes naturais e construídos. Por exemplo, ao fixar um slackline em uma árvore você está causando danos? O protetor utilizado é suficiente? Ele ameniza ou protege totalmente o caule da árvore? Ao fazer um passeio de quadriciclo, você está poluindo o meio ambiente, pois está queimando combustíveis fósseis? No passeio de quadriciclo, ao contemplar a paisagem é possível apontar para a geração de um sentimento de pertencimento que poderá transformar-se em uma maior preocupação e cuidado com o ambiente natural? Ao subir uma montanha, caminhando, correndo ou pedalando, qual o impacto causado? Quais as contribuições em termos de educação e conscientização ambiental tais atividades podem gerar? Para estas e tantas outras indagações existentes no âmbito da prática das Atividades de Aventura em ambientes naturais, cada pessoa poderá ter sua resposta própria, algumas perfeitamente reais e outras questionáveis. Entretanto, se por um lado, o que motiva a realização da Aventura é o desafio e a vontade de superar os seus próprios limites, por outro, a aplicação de conhecimentos sobre princípios de mínimo impacto ambiental e sistemas de gestão de segurança devem ser observados.

Mesa de debates sobre Ciência Cidadã, Turismo Científico e Geodiversidade nas Atividades de Aventura, realizada no salão nobre do Cefet/RJ Petrópolis. Foto: Acervo CBAA-CIAA

Foi possível notar que o público que veio do Brasil inteiro para o evento saiu de Petrópolis com um olhar diferenciado, indo além da aventura e do centro histórico. Sutilmente para alguns e profundamente para outros, entenderem sua questão arquitetônica, cultural e ambiental, vivenciando a questão do turismo de aventura e das atividades de aventura, que são um eixo fundamental do município.

A partir dos possíveis legados que os congressos podem ter deixado, alguns apontamentos podem ser feitos, tais como:

A Aventura, parte integrante do currículo escolar da Educação Física (Práticas Corporais de Aventura), pode (e deve) ser desenvolvida em Petrópolis sob diferentes perspectivas, seja no contexto urbano, associado aos atrativos históricos, ou em áreas “naturais”, a exemplo das unidades de conservação;

Com cerca de 60% do seu território protegido, Petrópolis é a Capital Estadual das Unidades de Conservação (Lei Estadual 10.082/2023). Porém, é necessário avançar no debate sobre o uso público desses territórios, em consonância com as demandas existentes de proteção e estrutura adequada de visitação;

O montanhismo, que pode ser entendido como o ato de subir montanhas, seja caminhando em trilhas ou escalando com o uso de diferentes técnicas, é considerado como de relevante interesse (Lei nº 8.065/2020) e Patrimônio Cultural Imaterial (Decreto nº 130 /2022) do município. Porém, ainda há: carência da apropriação da atividade por boa parte da população; falta de integração desta atividade de aventura na educação básica, tendo em vista o potencial do município e o fato das escolas possuírem, em sua maioria, trilhas próximas que podem ser utilizadas para fins didáticos e turísticos, o que é evidenciado no mapa interativo das trilhas, escolas e unidades de conservação de Petrópolis, desenvolvido pelo projeto Expedições do Cefet/RJ, que pode ser acessado pelo link .

Fica a indicação de que, sob organização dos órgãos municipais, a Feira de Aventura seja realizada anualmente, com ênfase no debate e apresentação da temática no centro histórico e com o envolvimento de diferentes setores da sociedade, com foco na participação das pessoas residentes em Petrópolis.

Para maiores detalhes sobre o Congresso Brasileiro e Internacional de Atividades de Aventura, acesse o Instagram e o site.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Fernando Pessoa

    Professor do Cefet/RJ Petrópolis; Pós-Doutorando em Geologia (UERJ); Doutor em Geografia (UFRJ)

  • Marcelo Porretti

    Professor do Cefet/RJ Petrópolis; Doutor em Ciência do Exercício e do Esporte (UERJ)

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