DO OC – O licenciamento ambiental está sitiado e pode não sair vivo do Congresso. Além da pressão total da bancada ruralista na Câmara, com apoio da CNI (Confederação Nacional da Indústria), para votar nos próximos dias um projeto que flexibiliza suas regras, um novo texto foi protocolado semana passada (18) também no Senado. Ele é ainda mais liberal que o dos deputados.
A nova proposta é o Projeto de Lei do Senado 168/2018. Ela é de autoria do senador Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia. Dois anos atrás, Gurgacz ganhou notoriedade ao propor uma emenda à Constituição que acabava com o licenciamento, a PEC-65. O projeto foi apelidado “PEC da Samarco” por ter sido proposto seis meses após a tragédia em Mariana, e ganhou tanta repercussão que seu autor discretamente o enfiou na gaveta.
Agora, Gurgacz volta à carga com um texto mais sofisticado. Em vez de simplesmente decretar que estudo de impacto ambiental é igual a licença, como fazia a PEC-65, a nova lei é uma espécie de híbrido entre várias propostas que circulam no Congresso para enfraquecer o instituto do licenciamento.
Nela se detecta o DNA de pelo menos três textos: o “licenciamento flex”, proposto pela bancada ruralista, que a Frente Parlamentar da Agropecuária tenta empurrar goela abaixo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o PLS 654/2015, de autoria do senador Romero “Estancar a Sangria” Jucá (MDB-RR), que estabelece um licenciamento “a jato” para obras que o governo definir como de interesse nacional; e um texto defendido pela CNI que circulou no mês passado entre autoridades e cujo conteúdo foi vazado à Folha de S.Paulo.
Do “licenciamento flex” a criança herdou dois pontos fundamentais. O primeiro é o seu artigo 3, no qual diz que “os entes federativos definirão as tipologias de atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento”. Em português, isso significa que cada um dos 27 Estados e dos 5.570 municípios poderá definir os critérios de rigor do licenciamento. Ou seja, um tipo de empreendimento que o Acre ache que precisa de licença em três fases pode preferir migrar para a vizinha Rondônia, na mesma floresta amazônica, se o governo local resolver que lá ele só precisa de uma. Se aprovado, o texto pode desencadear o que o ex-ministro Sarney Filho (Meio Ambiente) chamou de guerra ambiental entre os Estados – pela atração de empreendimentos com base no afrouxamento da norma para ganhar licença.
O segundo ponto é a questão das chamadas “autoridades envolvidas”, como a Funai, o Iphan (patrimônio histórico) e o ICMBio (que cuida de áreas protegidas). O texto da Câmara, relatado pelo então deputado ruralista Mauro Pereira (MDB-RS), tirava do ICMBio e de órgãos estaduais gestores de unidades de conservação o poder de vetar um empreendimento que afete uma área protegida. O texto de Gurgacz também faz isso, e vai além: diz que a Funai não precisará sequer ser ouvida quando a obra não impactar diretamente uma terra indígena homologada.
Se aprovado como está, o dispositivo permitiria, por exemplo, hidrelétricas e estradas em 229 terras indígenas que ainda estão sem demarcação no país (32% do total das terras indígenas do Brasil). Como revelou o jornal O Estado de S.Paulo, há uma modificação no mesmo sentido sendo proposta ao texto da Câmara sobre terras indígenas.
Do projeto de Romero Jucá, conhecido como “licenciamento a jato”, o texto de Gurgacz herda o espírito de seu artigo 4, no qual deixa margem discricionária a uma “autoridade competente” para definir licenças específicas. O PLS 654 tinha o objetivo de botar numa fila rápida de licenciamento qualquer obra que o Presidente da República resolvesse que era de interesse nacional – como as do PPI, o Plano de Parcerias de Investimento (o PAC do governo Temer).
Do texto atribuído à CNI a proposta de Gurgacz puxou, ipsis literis, a definição de área de influência do empreendimento como aquela que sofre os impactos “diretos” de sua implantação. Isso limita os estudos de impacto e as medidas de mitigação e compensação a um território muito menor. O objetivo é poupar custos aos empreendedores.
Por exemplo, estradas e hidrelétricas na Amazônia seriam desobrigadas de avaliar o desmatamento indireto que decorre das obras – por inchaço populacional e grilagem de terras, por exemplo, ou simplesmente por facilitação de acesso à floresta.
Por fim, o híbrido do Senado, como qualquer bebê, tem também características próprias. Ele isenta de licenciamento qualquer obra de saneamento ou captação de água e libera a pavimentação de rodovias (inclusive na Amazônia) sem licença. A família do senador Acir Gurgacz seria potencialmente beneficiada pela isenção, já que possui uma empresa de ônibus que opera na rodovia Manaus-Porto Velho, uma bomba ambiental que os políticos de Rondônia e Amazonas sonham em asfaltar.
O projeto protocolado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado torna mais difícil ao Ministério do Meio Ambiente trabalhar numa “redução de danos” naquela Casa – tentando melhorar a redação e evitar os piores prejuízos ao meio ambiente – caso o texto de Mauro Pereira seja aprovado no plenário da Câmara. O mais provável é que um seja apensado (ou seja, unido) ao outro e que a tramitação na Câmara Alta seja, ao contrário, acelerada.
Procurado pelo OC desde quinta-feira de manhã, Gurgacz não respondeu ao pedido de entrevista até o fechamento deste texto.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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Em suma, tchau ChicoBio
Aposto que quem escreveu esta coluna foi o Cláudio Ângelo.
Os ambientalistas sao poetas quando querem criticar algo que nao tenha surgido de iniciativa deles. Usam palavras lindas, adjetivos rebuscados, pena que o conteúdo seja mais oco que pau seco.
Precisam desapegar dessa mania de apocalipse…
Realmente é triste ver como a retórica e polarização cegam o debate. A separação das competências administrativas já vigora desde a aprovação da Lei Complementar 140 em 2011, sem notícias de guerras entre os entes. Bonito se falar que a BR 317 é uma bomba ambiental quando se mora em São Paulo e se trafega no melhor asfalto do Brasil, quero ver pensar assim morando em Lábrea. Acredito que a palavra seria racionalizar, dar prazo e previsibilidade, sem excessos ( como não consultar a Funai) de ambas as partes.
E digo mais: quem trabalha com empreendimentos de menor complexidade de impactos, ou de menor porte, hoje se vê obrigado a uma infinidade de cartorialismos, perde mais tempo com aspectos formais do que com acompanhamento técnico real. Esse Projeto de Lei do Senado, se aprovado assim, será excelente para os servidores que trabalham (trabalham de verdade!, cumprindo prazos e metas) com licenciamento e AIA. A única ressalva que faço é em relação aos prazos propostos. Acho ótimo haver prazos, mas eles só devem começar a contar "a partir do início da análise técnica ou da designação de equipe técnica exclusiva para tal fim".
Fernando, de fato as competências adm. já vigoram desde 2011. Porém, os entes federativos de maneira geral se orientam pela legislação federal quando o assunto é licenciamento ambiental, incluindo as resoluções do CONAMA que tratam das distintas fases do licenciamento e outras normativas que tratam das diferentes tipologias de empreendimentos. Se a definição das tipologias que necessitam de licenciamento passarem a ser definidas por cada ente, em tese isso pode realmente afrouxar as regras de acordo com o interesse de cada estado ou município. Pois cada um irá avaliar os empreendimentos que têm mais interesses e com isso criam-se novas regras específicas e pontuais mais frágeis que aquelas da legislação federal atual. A outra situação é essa relacionada com a isenção de licenciamento para a pavimentação de rodovias, inclusive na Amazônia. Se vc simplesmente imaginas que um eixo rodoviário, com centenas de km, cortando áreas de floresta amazônica de forma indiscriminada, sem acompanhamento sócio-ambiental é algo viável e que não carece de licenças pelo fato de que as pessoas precisam dessas estradas, então o texto do PL deve ser aprovado. Mas se vc considera os diversos interesses políticos e pessoais envolvidos nesses tipos de obras, como acesso a áreas remotas com potencial para ocupação irregular, instalação de latifúndios, grilagem de terras públicas, garimpo, extração de madeira, conflitos agrários com moradores, etc, então esse ponto do PL deve ser obviamente deletado do texto.
Ok, vamos pra mais um cansativo e inócuo debate "é tudo ou nada"! Alguém que, de fato, trabalhe e/ou conheça o processo de licenciamento ambiental concorda com TUDO do jeito que é feito atualmente? Nenhum ajuste operacional ou normativo a ser feito? Acha possível que esses ajustes sejam feitos sem cada um dos "lados" (os velhos clichês PRESERVAÇÃO x DESENVOLVIMENTO) ceda um tanto? Etc, etc, etc…
Exatamente. Quem trabalha com empreendimentos de menor complexidade de impactos, ou de menor porte, hoje se vê obrigado a uma infinidade de cartorialismos, perde mais tempo com aspectos formais do que com acompanhamento técnico real. Esse Projeto de Lei do Senado, se aprovado assim, será excelente para os servidores que trabalham (trabalham de verdade!, cumprindo prazos e metas) com licenciamento e AIA. A única ressalva que faço é em relação aos prazos propostos. Acho ótimo haver prazos, mas eles só devem começar a contar "a partir do início da análise técnica ou da designação de equipe técnica exclusiva para tal fim".