As mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, o desmatamento, a degradação e desertificação dos solos, a contaminação da água, a poluição do ar e a acidificação dos oceanos – ameaças que colocam em risco a vida no planeta – são consequências diretas das ações humanas.
Ao mesmo tempo, essas mesmas ações humanas também perpetuam desigualdades, fome, pobreza, injustiça, preconceito, intolerância, violência e guerras, manifestando-se em diferentes escalas ao redor do mundo.
Os acordos, compromissos e espaços de discussões globais – como as COPs –, a maioria das políticas nacionais e internacionais, assim como os instrumentos econômicos, têm falhado em alcançar os resultados esperados para proteger a humanidade e preservar nosso patrimônio natural.
Não é exagero: estamos rapidamente ultrapassando os limites biofísicos do planeta, corroborando ativamente com a sexta extinção em massa e literalmente cada vez mais próximos do Juízo Final, de acordo com o grupo de cientistas nucleares. Outras sociedades colapsaram no passado recente da humanidade, mas nunca em escala globalizada.
A tripla crise planetária que a ONU vem alertando sobre os riscos não é uma crise fundamentalmente ambiental, e sim uma crise social. A degradação do ambiente é um reflexo da sociedade em que vivemos e do sistema econômico predominante.
E, essa degradação social começa no ambiente mental de muitos seres humanos, completamente desconectados dos ciclos da vida. Pensadores, como o antropólogo francês Philippe Descola, sugerem que a causa desse processo é a ruptura do vínculo entre a cultura humana e a natureza.
Ou seja, as pessoas não se reconhecem como parte da natureza, ignorando sua conexão direta – seja ela tangível (material e potencialmente destrutiva) ou intangível (imaterial e sublime). Para construir ou reconstruir esse vínculo, é necessário ir além da ciência e da tecnologia; precisamos de uma verdadeira ‘Restauração Ecológica Integral’.
Mais do que uma solução técnica
E no que consiste esse conceito? A Restauração Ecológica Integral, em essência, visa transformar a ciência da restauração ecológica em uma ferramenta muito mais abrangente, com o objetivo de elaborar uma nova cosmovisão para a sociedade a partir da integração entre bem-estar humano, saúde ambiental e espiritualidade – independente de religião.
Eu e o cientista e biólogo Guillaume Xavier Rousseau propusemos esse conceito em 2016, alinhado à Ecologia Profunda e a Ecologia Integral, que mesclam completamente os seres humanos com a natureza.
Partimos do princípio que a natureza fornece muito mais do que “serviços”; ela é a essência da vida. Assim, o objetivo da Restauração Ecológica Integral é restaurar ou estabelecer o vínculo entre a cultura humana e a natureza.
O caminho começa pela desmistificação da tecnologia e pelo questionamento dos paradigmas de desenvolvimento e de consumo, e deve continuar com a expansão da consciência humana.
A transformação começa no indivíduo
A Restauração Ecológica Integral inicia-se na escala individual, no ambiente mental. Quando a percepção individual se eleva, a inspiração e a motivação transformam esse indivíduo em um restaurador multiplicador, iniciando uma cadeia de acontecimentos em sua vida particular, família, trabalho, projetos ou decisões públicas.
Essa cadeia pode levar a Restauração Ecológica Integral à escala social, refletindo na cultura, comportamento e escolhas, promovendo (direta e indiretamente) revoluções sociais e ambientais.
A Restauração Ecológica Integral pode parecer utopia em um mundo que enfrenta guerras, fome, êxodos e desmatamento de florestas primárias. E, talvez seja. Mas, a essência está em abordar as raízes de todos esses sintomas de degradação social.
É fundamental aprender com aqueles que já praticam essa visão de mundo há séculos: povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Esses grupos, com suas visões, cosmovisões e compreensões de mundo, mantêm uma relação harmoniosa com a natureza.
Se queremos garantir a continuidade da vida no planeta, é urgente ouvir e aprender com eles.
Deixo um convite para refletirmos neste final de 2024 sobre a tarefa mais urgente que temos como seres humanos: cuidar do nosso planeta e das pessoas. Nesse sentido, a restauração não é uma oportunidade de negócios, mas uma sublime missão, que começa no nosso coração, passa pela nossa mente e se materializa através de nossas mãos.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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