Está em plena discussão no Congresso Nacional a criação de uma “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”. Trata-se do PL 3.729/04, na piorada versão do deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS), apoiada pela Confederação Nacional da Agricultura e pela Confederação Nacional da Indústria. A despeito de pretender “simplificar” ou “modernizar” o processo de licenciamento, a nova lei levará a retrocessos na política que busca colocar em prática os princípios da precaução/prevenção e da sustentabilidade.
Porém, um outro estrago importante está passando ao largo desta discussão: os possíveis impactos ou entraves que este desmonte no licenciamento ambiental poderá causar no acesso ao crédito fornecido por instituições financeiras internacionais.
Nos últimos 60 anos, o Banco Mundial já liberou ao Brasil cerca de 430 financiamentos que somam 50 bilhões de dólares. Por ano, essa cifra gira em torno de três bilhões de dólares. Ocorre que, hoje, a maioria de agências internacionais de crédito exige um padrão ambiental mínimo para a aprovação de projetos.
Isso inclui o recém-criado New Development Bank, a agência financeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China). Entre suas exigências estão a implementação do “princípio da precaução”; avaliação de impactos ambientais e sociais, levando em conta o tipo, localização e escala de cada projeto; um sistema de consulta pública e participação efetiva dos interessados e afetados; e mecanismos de reclamações e soluções de conflitos.
O Banco Mundial e outros financiadores internacionais, requerem elementos semelhantes.
Esta política de “standards” mínimos segue a linha dos princípios do Equador, uma iniciativa do Banco Mundial e da IFC (International Finance Corporation), referência internacional para tratar de riscos sociais e ambientais no financiamento de projetos de investimento de grande porte. Desde 2005, no mundo, 28 bancos já se comprometeram com os princípios do Equador, 18 deles no Brasil. Tratam-se de salvaguardas mínimas, e não ideais, mas são um avanço para nortear o sistema financeiro.
A legislação brasileira ainda não atende completamente estes princípios, pois, por exemplo, em vez de uma inserção efetiva da sociedade no processo de licenciamento, garante apenas uma mera consulta formal.
Entretanto, se passar o atual projeto de lei, a situação vai se agravar. Neste caso, pelas regras destes bancos, prevalecerão os parâmetros mais restritivos.
Entre outros retrocessos, a mudança no licenciamento limitará a participação dos órgãos interessados que representam interesses sociais relevantes, como a Funai, Fundação Cultural Palmares, Gestores de Unidades de Conservação e autoridades que atuam no patrimônio cultural; deixa de fora da licença de instalação a análise do potencial degradador do empreendimento; cria uma lista fechada de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental e dispensa todos os outros; facilita o descumprimento de condicionantes, o que deixa de ser causa para suspensão ou cancelamento da licença; e garante apenas uma audiência pública.
Acrescidos a estes retrocessos, o projeto isenta de licenciamento as seguintes atividades: pecuária, agricultura e silvicultura; obras de infraestrutura de água e esgoto; drenagem de hidrovias e portos já existentes; obras de ampliação rodoviárias e ferroviárias, dentro dos critérios estabelecidos; obras de transmissão/distribuição de energia, e algumas de mineração, em áreas de faixa de domínio já implantadas. Por fim, prevê o licenciamento ambiental por adesão, que será mero pedido na internet com imediata emissão da licença.
Ora, a mudança da legislação entrará em conflito direto com os padrões mínimos para financiamentos internacionais baseados nos Princípios do Equador, pois será ignorado o princípio da precaução, não haverá efetiva avaliação de impactos ambientais e sociais, a consulta pública não será efetiva, contínua, oportuna e nem mesmo obrigatória em todos os casos, além de não haver mecanismos efetivos de reclamações e soluções de conflitos.
As atividades que ficarão dispensadas de licenciamento ambiental podem se ver em dificuldades para obter empréstimos, pois conforme dados do Banco Mundial há projetos financiados justo nos setores excluídos, em especial, na agricultura e na infraestrutura de saneamento, energia e portos.
A conclusão é que o projeto de lei em curso no Congresso, com apoio dos principais agentes econômicos, além de colocar em risco o patrimônio e a política ambiental brasileiros, pode dificultar ou mesmo inviabilizar acesso ao crédito para empreendimentos no país, em vez de auxiliar o crescimento econômico e “destravar” a burocracia.
Se a mudança no licenciamento ambiental passar, a legislação nacional entrará em conflito com as exigências feitas pelos principais bancos internacionais, as quais também são ou deveriam ser seguidas por bancos nacionais.
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Sempre tem "operadores do direito" dando opinião em assunto ambiental. Imagina um biólogo dando pitaco em pauta jurídica? Seria ridicularizado pelos Drs….
Algum comentarista aqui nega que o licenciamento precisa de ajustes? Ou tá tudo xuxu-beleza? Nem 8, nem 80!
Pelos menos os bancos mundiais não vão concordar com isso!!!
Libera$$$$$$$$ão geral.