Muitas pessoas sabem a definição de uma espécie invasora. Aquela que, por algum motivo (geralmente associado aos humanos) expande sua distribuição para além da sua origem nativa e consegue se estabelecer, competindo com as espécies nativas por nutrientes, área de vida e reprodução. No meio do caminho, alteram o ambiente e o funcionamento dos ecossistemas de tal forma que o fenômeno ganhou nome e figura entre os cinco principais fatores antrópicos que ameaçam a biodiversidade, junto com as mudanças climáticas, superexploração, conversão de habitats e poluição. O que muita gente ignora é o papel invasor das plantas nesse processo e como elas podem alterar todo o ecossistema, de forma tão sutil ao ponto de não terem políticas públicas eficientes para travar esse processo.
Plantas competem entre si por espaço, água e um lugar ao sol (ou à sombra, dependendo da espécie). O que as invasoras fazem é se valer de uma característica sua (ser mais generalista, mais resistente ou pela ausência de predadores) para tomar conta do lugar, empurrando as nativas para a extinção. Em um bioma como a Caatinga – que sofre há muito com a perda de cobertura vegetal, agricultura intensiva, pasto e um elevado número de infraestruturas humanas – a invasão biológica por plantas possui um elevado potencial de causar sérios danos à conservação da Caatinga. Aqui, entendemos conservação como uma ciência interdisciplinar que envolve aspectos socioambientais para proteção da biodiversidade e que é afetada diretamente pela invasão biológica.
Apesar de haver muitas plantas invasoras na Caatinga, irei focar nas três que considero as mais ameaçadoras para a conservação da biodiversidade do bioma, uma vez que estão amplamente distribuídas na Caatinga e que possuem um alto poder de invasibilidade (em outros termos, de invadir), sendo assim reportadas como transformadoras de ecossistemas naturais devido a sua capacidade de causar monodominância, ou seja, ter suas populações dominantes no ambiente e afetar a estrutura da vegetação nativa como: Cryptostegia madagascariensis Bojer, Prosopis juliflora (Sw) DC) e Parkinsonia aculeata L.
C. madagascariensis, conhecida como boca-de-leão, é uma espécie arbustiva-trepadeira nativa de Madagascar que consegue se reproduzir rapidamente e competir por espaço, luz solar e nutrientes com as plantas nativas da Caatinga. Dentre as espécies mais ameaçadas por essa invasora está a Copernicia prunifera (Mill.) H.E.Moore, a Carnaúba, uma palmeira endêmica do nordeste brasileiro e que possui grande relevância socioeconômica para região, devido a extração do pó das folhas para comercialização nacional e internacional da famosa “Cera da Carnaúba”. A boca-de-leão consegue facilmente escalar a palmeira encobrir sua copa e causar a morte de milhares de Carnaúbas, provocando impactos sociais e ecológicos.
No caso de P. juliflora, conhecida como Algaroba, se trata de uma espécie arbórea nativa do Peru, altamente resistente a ambientes secos e com elevada capacidade de reprodução, comumente encontrada próxima a corpos hídricos, onde consegue estabelecer densas populações, competir e extinguir localmente as espécies nativas na Caatinga, causando uma monodominância. Além disso, essa espécie possui uma alta capacidade de captação de água do solo, reduzindo os recursos hídricos do solo para outras espécies nativas da Caatinga. Apesar disso, a Algaroba é uma planta muito apreciada pela população devido ao uso da madeira, forrageio para animais, cercas vivas, dentre outros, o que pode facilitar ainda mais o seu processo de invasão na Caatinga.
Por último, P. aculeata, conhecida como Turco, é uma espécie arbustiva nativa de regiões semiáridas da América Tropical, que consegue se estabelecer em ambientes próximos a açudes e lagoas, onde se reproduz e domina áreas de Caatinga, principalmente aquelas mais antropizadas. O Turco tem uma alta capacidade de produção e germinação de sementes, além de reduzir a densidade e composição de florística nos bancos de sementes nativas dos solos da Caatinga.
As plantas invasoras mencionadas acima causam sérias ameaças à conservação da biodiversidade da Caatinga e, apesar de já existirem pesquisas científicas que comprovam tais impactos, ainda há poucas políticas públicas eficientes que visem o manejo dessas espécies, considerando seus aspectos sociais, econômicos e ecológicos. As plantas invasoras estão alterando as funções dos ecossistemas, causando a extinção de espécies nativas e gerando grandes impactos econômicos para a sociedade em um ritmo elevado. Se não houver ações para o controle e recuperação de áreas invadidas, a conservação da biodiversidade da Caatinga estará cada vez mais distante.
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