Análises

Último leilão de petróleo e gás sob Bolsonaro é um convite a imaginar um país com mais energias renováveis

Enquanto a ANP aprofunda a crise climática, comunidades tradicionais e povos indígenas apresentam ao governo de transição propostas viáveis para acelerar a transição energética justa no Brasil

Ilan Zugman ·
15 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

Nesta sexta-feira, 16 de dezembro, quando a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) concluir mais um leilão – o último do governo Bolsonaro – de blocos de petróleo e gás para empresas do setor fóssil, o Brasil será palco de dois fenômenos opostos. Viveremos a tristeza de ver os combustíveis fósseis se expandindo e acelerando a marcha global rumo ao precipício climático e, simultaneamente, a esperança de que, concluído esse certame, consigamos mudar nossa rota, a partir do próximo governo, e colocar o país no rumo certo, o da transição energética justa, abrangente e urgente. 

O leilão do 1º Ciclo de Oferta Permanente de Partilha da Produção faz parte de uma sequência de pelo menos 20 rodadas de leilões da ANP, de variadas modalidades, realizadas nos últimos 23 anos. Nos quatro anos de gestão bolsonarista, a atuação da agência se caracterizou pela pressa em liquidar as reservas brasileiras de petróleo e gás, manifestada nos vários certames concluídos. Também foi marcante a recorrente inclusão, nos leilões, de blocos onde a atividade petrolífera e gasífera colocaria em risco áreas de extrema sensibilidade socioambiental, como a Foz do Rio São Francisco e  a Foz do Rio Amazonas, a própria Bacia do Amazonas, o Arquipélago de Abrolhos e Fernando de Noronha.

As várias “black fridays fósseis” promovidas pelo atual governo mostram que a ANP aparentemente se moveu exclusivamente pela lógica da xepa – baratear e facilitar a aquisição do “direito” de exploração, antes que a inevitável mudança da matriz energética mundial acabe de vez com o mercado de combustíveis fósseis, sem levar em conta impactos socioambientais extremamente preocupantes.

Os impactos desses leilões foram múltiplos e graves. Primeiro, agravaram o esquecimento histórico das comunidades tradicionais e povos indígenas potencialmente afetados pela extração de petróleo e gás, que nunca foram consultados, como se não existissem. Segundo, elevaram o risco de vazamentos, a destruição da fauna marinha ou terrestre e o rastro de corrupção que segue o setor de petróleo e gás em áreas do país onde essas chagas não estavam presentes ou eram mais brandas. Terceiro, seguraram o avanço do Brasil no caminho da transição energética que todos os países devem percorrer, uma vez que viabilizaram empreendimentos de energia suja que poderão levar mais de uma década para alcançar a maturidade e que causarão um aumento das emissões do setor. Isso tudo ocorreu em um momento em que deveríamos, na realidade, estar nos preparando para encerrar os projetos fósseis já existentes. Os certames da ANP foram, portanto, um compromisso com o atraso.

Crédito: 350.org

A esperança vem das comunidades

Lamentavelmente, os leilões são só a face mais visível de um conjunto de apostas danosas nas energias fósseis, que sucessivos governos têm realizado. O problema desses eventos não está em seu formato ou mesmo nas características do ciclo de ofertas em que estão inseridos, mas na existência da oferta em si. Dados os poucos anos que a humanidade tem para eliminar os combustíveis fósseis e, assim, evitar os piores cenários da crise climática, é evidente que expandir a produção de petróleo, gás e carvão é uma escolha imoral e financeiramente perigosa.

Existe esperança, porém. O futuro presidente Lula terá em mãos a responsabilidade e os meios para mudar essa lógica destrutiva. Assim como o combate ao desmatamento, a transição energética justa constitui um imperativo para um governo eleito com a promessa de recolocar o Brasil no campo do respeito à democracia e aos direitos humanos. Além de uma obrigação ética, o estímulo às energias renováveis também representa uma enorme oportunidade de geração de empregos, ampliação da soberania energética nacional, redução do custo da energia elétrica para as famílias e reconstrução do protagonismo brasileiro no cenário climático global.

As comunidades tradicionais, que sempre estiveram na linha de frente da luta por uma matriz energética renovável e socialmente justa, estão mais uma vez liderando a busca por avanços nessa área. No começo de dezembro, 15 associações e redes de povos indígenas, pescadores artesanais, quilombolas e ativistas ambientais de áreas afetadas ou potencialmente afetadas pela extração de combustíveis fósseis enviaram uma carta aberta com propostas aos Grupos Técnicos de Minas e Energia e de Meio Ambiente do Gabinete de Transição Presidencial do Governo Lula. Em conjunto com a 350.org, as organizações de base apresentaram seis demandas emergenciais na área de energia, incluindo propostas referentes aos leilões da ANP. São as seguintes:

  1. Criação de uma Secretaria de Energias Renováveis e Transição Energética Justa, que terá a incumbência de criar, em conjunto com a sociedade civil, um plano para acelerar a transição energética do país.
  2. Determinação da proteção integral ao bioma amazônico, incluindo a anulação definitiva das ofertas de exploração de petróleo e gás em todos os blocos nesse bioma (estão em oferta blocos nas bacias do Amazonas, do Parnaíba e do Parecis, e em estudo de oferta, blocos na Bacia do Solimões).
  3. Indicação do Ministério de Meio Ambiente para proibição do fracking (fraturamento hidráulico) via resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), até aprovação de legislação específica (um pré-edital lançado recentemente pelo governo Bolsonaro abre a brecha para o uso do fracking, em breve, no país, o que representa um gigantesco risco socioambiental).
  4. Priorização e aceleração do Pacto Energético firmado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Eletrobras com a Organização das Nações Unidas (ONU), para descarbonização da Amazônia até 2030.
  5. Exclusão, na Oferta Permanente da ANP, dos blocos em áreas sensíveis próximos a Abrolhos (Bacia de Camamu-Almada), Fernando de Noronha e Atol das Rocas (Bacia Potiguar) e da Foz do Rio São Francisco (Bacia Sergipe-Alagoas).
  6. Cancelar a rede de gasodutos e termelétricas a gás previstos pelo “jabuti” incluído indevidamente por alguns parlamentares na lei de privatização da Eletrobras, durante o governo Bolsonaro. 

Além de necessárias, as sugestões das comunidades tradicionais signatárias da carta mostram-se inteligentes, viáveis e vantajosas para o país. Só a sexta medida, por exemplo, permitiria uma economia aos cofres públicos de R$117 bilhões de reais, recurso que poderia financiar a aceleração da transição energética justa mencionada no documento.

Imaginar que os leilões da ANP e todo o conjunto de escolhas que permitiram a expansão dos combustíveis fósseis no Brasil ficarão no passado é mais do que um desejo distante. Trata-se de uma possibilidade concreta, que um governo comprometido com a justiça social e climática precisa abraçar. Continuaremos cobrando ações nesse sentido, até que o bem-estar da população prevaleça sobre o lobby das companhias multibilionárias de petróleo, gás e carvão.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Ilan Zugman

    lan Zugman é diretor para a América Latina da 350.org, organização que trabalha pela transição energética e pela justiça climática em todo o planeta, em conjunto com movimentos sociais e com base na ciência.

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Comentários 1

  1. Douglas diz:

    Bela matéria 👏👏👏
    Boa hora pra fala do petróleo na Amazônia o povo tem que saber quantos litros de água uma gota de óleo polui 😔