Era 1492 e o navegador Cristóvão Colombo seguia rumo ao Oeste, após passar pelas Ilhas Canárias, navegando há um mês e meio em direção às Américas que viria a “descobrir”. Em seus diários, descrevia os desafios que encontrava em seu caminho. E em um domingo, 16 de setembro, registrou que “começaram a ver muitos molhos de algas” que flutuavam em meio ao Oceano, “e por isso todos julgavam estar perto de alguma ilha”. Mas não havia ilhas por perto. Talvez Colombo sequer soubesse, mas neste momento estava fazendo outra descoberta: o Mar dos Sargaços – o único mar sem litoral.
Por semanas a frota de Colombo, formada pelas caravelas Pinta e Niña e a nau Santa Maria, avistou muitas algas no caminho: “algumas já velhas e outras bem novas, trazendo uma espécie de fruta”. Mas a falta de ventos (marasmo) da região quase enlouquecia os tripulantes, que buscavam em cada uma das tantas algas e aves que avistavam um sinal, e acreditavam que veriam “terra à vista” em breve. As algas pararam de ser registradas com tamanha frequência lá por 3 de outubro. E a terra foi realmente vista quase uma semana depois: eram as Bahamas. Colombo finalmente chegava ao Caribe.
O Mar dos Sargaços é uma região do Oceano Atlântico, com uma área maior que o território da Índia, envolta por correntes oceânicas – do Golfo, Açores, Canárias, Atlântico Norte e Antilhas – que giram em sentido horário. Este é o habitat das algas pardas pelágicas (que tem toda sua vida flutuante) do gênero Sargassum, especialmente de duas espécies: S. natans e S. fluitans, que possuem pequenas “bolinhas” (vesículas de ar) que as permitem flutuar – as “frutas” que Colombo registrou. Além das algas, este é o território de muitos animais endêmicos, como peixes e caranguejos, e migratórios – que incluem baleias e aves, como a “rabo-de-palha” (Phaethon lepturus) que também foi registrada nos diários do navegador.
A grande presença de algas, correntes e ventos fracos – que dificultava a navegação – possivelmente foi a origem de mitos marítimos, como “monstros marinhos que seguravam os barcos” e amedrontava os tripulantes. E sua localização até hoje é envolta em outros mitos: de um lado, o Triângulo das Bermudas; do outro, o “continente perdido” de Atlântida. Mas não são estes mitos que preocupam atualmente os pesquisadores.
Os Sargaços “sempre existiram” no Mar de Sargaços e com certa frequência “arribavam” (chegavam) e se acumulavam em praias. Na Europa, as algas arribadas eram tradicionalmente utilizadas como adubo na agricultura. E por centenas de anos, sequer eram noticiadas. Mas tudo mudou em 2011, quando os Sargaços surgem massivamente em praias de países da África, no México, Caribe – e também no Brasil.
O que poderia ser um fato isolado, causado por múltiplos fatores ambientais, se tornou recorrente. No Caribe, os eventos se tornam praticamente anuais, com prejuízos milionários para o turismo. No Brasil, o evento ocorre em 2014 e em 2015 uma arribada massiva tomou conta de praias no nordeste do Pará e em Fernando de Noronha. Em outros anos, um vazio de dados na mídia.
A partir dos eventos de 2011, estudos disparam no mundo inteiro para tentar entender estes eventos e suas causas. As conclusões parecem levar para uma junção de motivos: mudanças climáticas, aquecimento do Oceano, mudanças em correntes marítimas, poeira do Saara e poluição das águas. E neste último ponto, o Rio Amazonas se torna um vilão: o excesso de nutrientes gerados pela falta de saneamento na região amazônica, somado ao aumento do desmatamento e usos agrícolas, parecia contribuir para um aumento expressivo dos Sargaços em um “cinturão” de algas entre o Brasil e a África.
Mas este novo Cinturão de Sargaços não afetava apenas o Brasil: as algas migravam com as correntes também para o Caribe e a Flórida, gerando custos anuais de limpeza de até mais de US$ 1 milhão por quilômetro de praia, em regiões turísticas. E podendo impactar na redução de reservas em hotéis por até 8 meses após as arribadas.
Quando estas algas chegam em grande quantidade nas praias isto gera uma série de problemas que vão além do impacto visual que afasta os turistas: a degradação das algas gera gases tóxicos e corrosivos, como o Sulfeto de Hidrogênio (H2S, com cheiro de “ovo podre”); as potenciais montanhas de algas nas praias podem afetar a desova de tartarugas e a nidificação de aves; e as algas podem reduzir a oxigenação e a claridade das águas e causar a mortandade de peixes e corais.
Enquanto o Caribe vive um embate anual contra estas algas, o Brasil está como que aguardando uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer momento. Como um furacão ou uma enchente que pode afetar o litoral norte do país. Mesmo com sistemas e tecnologias avançadas para previsões, estas arribadas acabam sendo completamente aleatórias no Brasil – como em 2023, onde todas as variáveis pareciam ideais para uma grande arribada… e nada aconteceu!
Em uma região com tamanha importância ecológica e social – com comunidades tradicionais, pesqueiras e de importância turística – o impacto dos Sargaços pode gerar perdas significativas em uma nova arribada massiva. Como uma Primavera Silenciosa de Sargaços, as algas desafiam o Brasil. Estamos preparados?
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