Pequenos felinos silvestres geralmente são ofuscados pelos seus primos maiores e mais chamativos, tais como leões e onças-pintadas. O resultado disso são menos ações de conservação e projetos de pesquisa para as 33 espécies de gatos silvestres com menos de 20 kg. O Small Wild Cat Conservation Fund estima que, entre 2007 e 2013, as sete espécies de felídeos de grande porte (incluindo leões, tigres, leopardos, onças-pintadas, onça-parda, leopardo-das-neves e guepardo) receberam nada menos do que 99% de todo os recursos destinados para a conservação e a pesquisa sobre o grupo, sobrando pouco ou quase nada para seus parentes de menor porte.
Mas essa realidade tem mudado nos últimos tempos. Desde o ano passado foi criado o Tiger Cat Conservation Initiative (TCCI), um coletivo de mais de 15 projetos de conservação e pesquisa focados nas diferentes espécies de gatos do mato neotropicais que ocorrem ao longo das Américas do Sul, Central e do Norte. O TCCI tem atuado de forma efetiva para reverter diferentes ameaças e conhecer melhor a ecologia e a biologia de pequenos felinos ameaçados de extinção.
Entre as espécies alvo do TCCI estão principalmente o gato-do-mato-pequeno do nordeste (Leopardus tigrinus) e o gato-do-mato-pequeno do sul (Leopardus guttulus), mas também outros pequenos felinos como o gato-maracá (Leopardus wiedii), o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi) e o gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi) são beneficiados, além das demais espécies que correm nas áreas de atuação dos projetos. Todas essas espécies de pequenos felinos são ameaçadas de extinção a nível de Brasil e/ou a nível mundial, e por isso são alvos de um Plano de Ação Nacional (PAN) de Conservação de Espécies Ameaçadas, que é o PAN Pequenos Felinos, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Pequenos felinos são ameaçados principalmente por perda e degradação do habitat, mas também por atropelamentos, caça e perseguição, retirada de filhotes da natureza e infecção por doenças transmitidas por cães e gatos domésticos. Os projetos que compõem o TCCI têm atuado em todas as frentes, mas é na mitigação da transmissão de doenças que o coletivo tem trabalhado mais fortemente nos últimos meses.
Em março deste ano, foi realizada a primeira campanha intercontinental de vacinação de cães para diminuir a disseminação de doenças para pequenos felinos silvestres, ocorrendo em 17 áreas prioritárias ao longo de seis países (Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru, Costa Rica e México), sendo a maioria das áreas nas imediações de unidades de conservação. E no dia 22 de julho, uma nova campanha foi realizada, mas agora ainda maior, com ações em mais de 20 áreas e nove países (incluindo também Argentina, Chile e Bolívia), ampliando ainda mais a capilaridade das iniciativas e as populações de animais domésticos e silvestres beneficiadas.
As campanhas de vacinação realizadas até aqui incluíram a imunização dos animais contra doenças reconhecidas como ameaças diretas para felinos, como cinomose e parvovirose. Além da aplicação de vacinas, em algumas áreas foram realizadas castrações para controle populacional, vermifugação e coleta de amostras biológicas para análise da saúde dos cães que vivem no entorno das áreas protegidas abarcadas pelos projetos.
“As duas campanhas de vacinação intercontinental realizadas, nos dias 25 de março e 23 julho de 2022, foram não apenas eventos épicos, mas também históricos, reunindo vários países e executando ações para mostrar para o mundo a extensão do problema das doenças transmitidas por cães e gatos domésticos aos carnívoros silvestres, notadamente aos pequenos felinos”, explica o coordenador do TCCI, prof. Dr. Tadeu Gomes de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão e pesquisador do Instituto Pró-Carnívoros.
Para Oliveira, o grande retorno para os participantes deste evento é a sensação indescritível de realização por ter feito algo de impacto com tantos parceiros ao longo de todos os continentes envolvidos, do México ao Chile.
Ao todo, mais de 1.200 cães e gatos já foram vacinados ao longo das campanhas nas diferentes áreas, e outros tantos animais domésticos e silvestres consequentemente foram beneficiados por toda essa cobertura vacinal. Isso tudo só foi e é possível graças às parcerias com secretarias de saúde, universidades, gestores das unidades de conservação e ao financiamento de instituições que acreditam que olhar para predadores de pequeno porte é essencial para a saúde dos ecossistemas, tal como a Small Wild Cat Conservation Foundation (SWCCF) e o The Mohamed bin Zayed Species Conservation Fund. O Dr. Jim Sanderson, fundador e diretor da SWCCF, alerta que os pequenos felinos silvestres de todo o mundo estão sofrendo de uma ameaça silenciosa, que é a transmissão de doenças de cães ferais para gatos selvagens, e no Brasil isso está se tornando cada vez mais um problema real. Por isso, “ações como essa campanha de vacinação são extremamente importantes, primeiro para conscientizar a comunidade sobre o zelo e cuidado com os animais domésticos, que podem estar transmitindo doenças, e segundo, para evitar que esses animais domésticos, em situações ocasionais em contato com animais silvestres, transmitam doenças que possam impactar principalmente as populações de canídeos e felídeos do parque”, destaca Leonardo Brasil, analista ambiental do ICMBio e Gestor do Parque Nacional da Furna Feia, no Rio Grande do Norte.
Mas não para por aí! Além de outras ações realizadas e projetos aprovados em paralelo, o TCCI acabou de aprovar um projeto de extensão, via edital da Universidade Estadual do Maranhão, que visa formar agentes locais de saúde sobre os impactos e as ações necessárias para diminuir a transmissão de doenças entre carnívoros domésticos e os felinos silvestres.
Então, parece que há ainda muito a se fazer, mas é certo que os pequenos felinos silvestres têm agora os holofotes que sempre mereceram!
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