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Siss-Geo: dez anos em que ciência cidadã ajuda no monitoramento da fauna e de doenças

Voltada para o monitoramento da fauna e das potenciais zoonoses, plataforma da Fiocruz completa 10 anos com mais de 33 mil registros e quase 13 mil colaboradores

Duda Menegassi ·
26 de março de 2024

A premissa da ciência cidadã está no engajamento da sociedade, de forma geral, no compartilhamento de informações. Podem ser fotos, vídeos ou simplesmente relatos. Ao transmitir registros ou histórias, pessoas sem formação científica podem dar uma ajuda valiosa aos cientistas. A crescente popularização de smartphones e o desenvolvimento de aplicativos intuitivos facilitam a contribuição dos cidadãos cientistas. Criada pela Fiocruz em 2014, a plataforma Siss-Geo segue essa receita há uma década e conta com uma rede de colaboradores voluntários no monitoramento da fauna e do risco de zoonoses – as doenças infecciosas que os animais podem transmitir aos humanos – em todo Brasil. 

O aniversário do Centro de Informação em Saúde Silvestre e o Sistema de Informação em Saúde Silvestre (Siss-Geo) foi celebrado durante evento realizado pela Fiocruz nesta terça-feira (26), e contou com a premiação dos “10+ Colaboradores SISS-Geo 2023”, homenagem que reconhece a contribuição da sociedade. 

Atualmente, a plataforma possui uma rede com cerca de 13 mil colaboradores e soma mais de 33,5 mil registros. Há ainda um time de 174 especialistas voluntários, responsáveis pela validação e correta identificação dos registros, e 397 instituições de todos os estados brasileiros que utilizam de forma ampliada os dados Siss-Geo.

Além do acesso pelo site, a plataforma possui um aplicativo, o que facilita o acesso mesmo em áreas mais remotas. O app, disponível gratuitamente, funciona mesmo sem internet e possui uma operação simples e intuitiva. Logo na interface inicial, destacam-se duas ações: “novo registro” e “tirar foto”. A partir daí, o aplicativo conduz o usuário por um questionário simplificado para identificar o tipo de animal; quantidade; se está vivo ou morto; qual a condição de saúde e se há problemas visíveis, como secreções e paralisias; reportar o ambiente; e o que mais o usuário for capaz de informar. Além da data e localização, que pode ser dada pelo próprio GPS do celular.

Quando o celular conecta-se à internet, as contribuições feitas pelo usuário são enviadas para a central de dados da plataforma e processados por computadores. Quando o sistema detecta animais mortos ou doentes, gera alertas automáticos e em tempo real aos gestores dos órgãos responsáveis. Cada um desses registros é auditado e validado taxonomicamente – o que garante a identificação correta da espécie – e esses dados são usados para gerar modelos de previsão sobre a ocorrência de zoonoses nos municípios brasileiros. Já os registros de animais vivos e saudáveis contribuem para monitorar os fatores que contribuem ou não para a conservação da biodiversidade.

A base de dados do Siss-Geo é disponibilizada para gestores de saúde, ambientais, pesquisadores e instituições. E através dos registros de animais, estes usuários auxiliam na implantação de estratégias e ações de controle de diversas doenças como a febre amarela, para citar uma das mais conhecidas, em todo o país.

“No Brasil, aprendemos que os primatas são os primeiros a sofrer, antes dos humanos, os efeitos da febre amarela. Então, passamos a monitorar esse indicador como um alerta importante, que nos ajudou a criar modelos de previsão projetando as hipóteses de dispersão e, com isso, foi possível subsidiar decisões sobre o processo de vacinação”, explica a bióloga Marcia Chame, coordenadora do Siss-Geo.

Durante o último surto da doença, que eclodiu em 2017 na região sudeste, a plataforma foi posta à prova. Na época foi criado um grande grupo de trabalho para modelagem de febre amarela, que começava a avançar pros estados da região sul, e com isso prever para onde a doença seguiria e promover a vacinação das pessoas de forma preventiva. Toda operação foi feita em conjunto com as secretarias de Saúde do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul e foi considerada um sucesso. 

“Houve um grande treinamento dos profissionais de saúde e foi possível saber onde os macacos estavam morrendo, validar os corredores de transmissão, com a metodologia desenvolvida pela Sucen/SP, e identificar as áreas de risco, dando tempo aos estados para vacinarem as pessoas, pois sabíamos em que localidades o vírus chegaria nos meses seguintes. O resultado foi uma redução de mais de 90% no número de mortes humanas por febre amarela”, destaca a pesquisadora.

Uma doença desconhecida e o início do Siss-Geo

A semente para o nascimento do Siss-Geo nasceu em 1997, bem antes de sua criação oficial. Na época, um grupo de macacos morreu na região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e a causa apontada foi a febre amarela. Parque fechado e campanha de vacinação. E seis meses depois, os resultados revelaram que os animais não haviam morrido de febre amarela.

“Perdemos a oportunidade de saber qual era a doença dos macacos e se era uma questão importante para a saúde humana. O monitoramento dos animais, na época, era feito com o auxílio dos guias do parque, mas com precariedade. A partir dali um projeto foi desenvolvido por seis anos e, durante aquele tempo, ficou claro que mesmo pessoas com baixa escolaridade podem ajudar no monitoramento dos animais, desde que tenham uma ferramenta acessível e fácil de ser utilizada”, lembra a bióloga Marcia Chame.

Oito anos depois, em 2005, e ainda com esse episódio na memória, a pesquisadora da Fiocruz participou de um projeto de transversalização da conservação da biodiversidade entre os diversos setores, onde foi proposto o monitoramento da saúde silvestre e sua relação com a saúde humana – um trabalho que já era desenvolvido pela Fiocruz. Ali nascia a primeira ideia do Siss-Geo, um plano que exigiu muitas mãos e muita discussão até ser concretizado, em 2014, com o lançamento oficial da plataforma.

Para convocar os cientistas cidadãos a colaborar, desde seu lançamento, a agenda do Siss-Geo inclui oficinas no Brasil para apresentar a ferramenta aos agentes de saúde, às equipes de unidades de conservação e à sociedade de modo geral.  Ao longo desses 10 anos, o SISS-Geo foi testado em inúmeras localidades e com diferentes grupos sociais, inclusive comunidades tradicionais e povos indígenas, e muitas vezes o campo provou a necessidade de adaptar e reformular a ferramenta, para garantir que ela fosse verdadeiramente acessível a todos os potenciais cidadãos cientistas.

Evento de 10 anos do Siss-Geo, realizado na Fiocruz nesta terça-feira (26). Foto: Pedro Zeno/Plataforma Institucional de Biodiversidade e Saúde Silvestre/PIBSS

E com uma década de existência, o SISS-Geo segue em crescimento. Uma das próximas etapas, já em desenvolvimento, é o “módulo SUS”, que poderá ser usado pelos profissionais de saúde, centros de zoonoses e órgãos que atuam na vigilância sanitária para receber alertas e ter acesso à base de dados da plataforma. “Este será um marco importante na vigilância em saúde no Brasil, dando mais acurácia aos modelos de previsão”, adianta a coordenadora do Siss-Geo.

Há no horizonte outro desafio: integrar no SISS-Geo o monitoramento das zoonoses urbanas, ou seja, as transmitidas por animais domésticos como gatos e cachorros. Uma tarefa hercúlea que tem sido coordenada junto ao Ministério da Saúde.

*Com informações da Agência Fiocruz de Notícias

Serviço:

O aplicativo do Siss-Geo pode ser obtido no Google Play, na Apple Store e na plataforma Gov.br

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. Um olhar crítico: O 1⁰ é ausência de massificação da plataforma;
    2⁰ uma concentração no Rio de Janeiro;
    3⁰ um sistema de pertencimento localizado.
    Os destaques:
    1⁰ a ciência cidadã;
    2⁰ o voluntarado e
    3⁰ projeto de vanguarda.
    A proposta é valiosa qfo se está no limiar do pós capitalismo.
    Onde a quebra de paradigmas e deterioração das classes sociais objeto de revolução contra o capitalismo. Que o modelo civilizatório ancorado no tripé da exploração, acumulação e desperdício se encontra com dias contados. É o que eu penso!