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Santo de casa no São Francisco

Feito para barrar a transposição de Fernando Henrique, um relatório técnico do PT faz críticas muito atuais ao projeto de Lula para o rio São Francisco.

3 de fevereiro de 2005 · 19 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A transposição do Rio São Francisco não precisa de adversários. Tudo o que se pode dizer contra ela está dito em uma “nota técnica” de 14 páginas de papel reciclado, coroadas com uma estrela vermelha do PT em cada folha.

A papelada está arquivada na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e leva as assinaturas de Titan de Lima e Alexandra Reschke. Ele é especialista em gestão de resíduos sólidos e outros passivos ambientais. Ela, em habitação, saneamento e transportes. Titan de Lima continua trabalhando na assessoria do partido. Alexandra Reschke passou para o Ministério do Planejamento.

Ambos trataram do São Francisco na virada do milênio, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso parecia pronto para despejar 2,8 bilhões de reais no rio e água no semi-árido nordestino. Como agora Lula promete fazer depois do carnaval. Quatro anos se passaram, o governo é outro mas o projeto continua o mesmo, apesar de ser chamado oficialmente de “revitalização”.

A nota não perde a chance de desviar o curso da conversa para dizer que, por baixo da transposição de FH, corria o propósito de privatizar os serviços de água e esgoto no país, ou para desancar a “pérola neoliberal” do governador de Tocantins José Siqueira Campos, que antevia “lucros para todos” no São Francisco. Mas os especialistas tentam mostrar que o PT não podia embarcar nessa aventura. E utilizam argumentos técnicos para isso.

Um deles é a falta de propostas sérias para revitalizar o rio. O partido achava que a recomposição das matas ciliares na bacia do São Francisco tinha que ficar por conta dos fazendeiros que as devastaram, em vez de ser debitada à União. Outra divergência dizia respeito ao projeto fingir que o Nordeste não tinha outra saída fora a transposição, ignorando deliberadamente alternativas respeitáveis, como “o aproveitamento dos lençóis freáticos” e as “soluções de reflorestamento e florestamento do Semi-árido, como meta de equilíbrio climático para a região, com o objetivo de amenizar o regime da falta de chuvas”.

Dá para subscrevê-los hoje sob qualquer sigla. Mas foi ao criticar a velha pressa do governo Fernando Henrique que os dois petistas acertaram em cheio o que não viram. Ou seja, a nova pressa do governo Lula. Eles condenaram na época, como “vício de iniciativa”, a ordem de “início imediato” da obra, sem cumprir “um ritual” que é “regido pelos seguintes diplomas legais: decreto 99274 de 6 de junho de 1990, resolução CONAMA 237 de 19 de dezembro de 1997 e lei 6938 de 31 de agosto de 1981”.

Em outras palavras, faltava o licenciamento ambiental que Lula considera uma pedra no sapato do crescimento econômico. Ele é chato mesmo. Foi feito para barrar urgências. E a lei é de uma “clareza solar”, segundo o relatório. Por exemplo: “A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis” .

O processo é cheio de obstáculos, como um rio pedregoso. Começa com a licença prévia, que autoriza o projeto. Passa pela licença de instalação, que permite a obra. E só acaba com a licença de operação, que verifica se as condições anteriores foram cumpridas ao pé da letra, antes de autorizar a inauguração. Pular uma etapa e cair na outra é confusão na certa, avisou o PT. Só falta avisar o presidente Lula.

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